Revista Exame

As melhores cidades para investir no Brasil – mesmo na crise

As melhores cidades para investir mostram como conseguiram melhorar o ambiente de negócios em meio à maior recessão do país em décadas

 (Germano Lüders/Exame)

(Germano Lüders/Exame)

LB

Leo Branco

Publicado em 29 de outubro de 2016 às 05h55.

Última atualização em 17 de novembro de 2016 às 09h23.

São Paulo – A cidade de Barueri, município de 264.000 habitantes, próximo da capital paulista, não passou incólume pela grave crise econômica que assola o país. O dado que melhor dimensiona o impacto da recessão na cidade mostra que, no decorrer deste ano, foram eliminados 8 000 empregos, principalmente em setores de mão de obra pouco especializada, como a construção civil. É cerca de 3% do pessoal empregado, na cidade em dezembro de 2015.

A situação, no entanto, poderia ser pior. É porque, desde que a crise começou a bater na porta, Barueri tomou medidas para conseguir amenizá-la. De que forma? Tornando-se ainda mais atraente para novas empresas. Desde a década de 90, Barueri se empenha em desburocratizar os negócios. Há 11 anos vem liberando alvarás de funcionamento pela internet, e de forma bem rápida — pequenas lojas ou restaurantes levam cinco dias para ter toda a documentação pronta. Só que Barueri foi além. Diante da grave crise, a cidade lançou um site na internet chamado Emprega Barueri, um banco de postos de trabalho no qual as empresas anunciam suas vagas. Os candidatos também podem se apresentar ali: cerca de 20.000 currículos já foram cadastrados. Com isso, as empresas encontram mais depressa os profissionais de que precisam.

Outra iniciativa foi a abertura de uma faculdade, mantida pela prefeitura, com a oferta de 100 vagas em áreas que as empresas locais mais buscam profissionais, como tecnologia da informação. A cidade ainda contratou a Fundação Getulio Vargas para auxiliar numa reforma administrativa. “Tivemos uma forte perda de receita desde 2014”, afirma o prefeito, Gil Arantes, do DEM. “Ainda assim, mantivemos a qualidade dos serviços, que são referências regionais.”

Os esforços têm gerado resultados: até dezembro de 2017, Barueri deverá atrair 4 bilhões de reais em investimentos, de empresas como a Azul, de transporte aéreo, e a AES Eletropaulo, de distribuição de energia. Desde 2014, 370 empresas escolheram a cidade para se instalar. A administradora de programas de fidelidade Multiplus acaba de mudar sua sede de São Paulo para lá. “Queríamos ter uma boa oferta de mão de obra e espaços livres para acomodar os novos profissionais que estão sendo contratados”, diz Roberto Medeiros, presidente da Multiplus.

O dinamismo de Barueri diante das adversidades da economia fez dela bicampeã num ranking da consultoria Urban Systems, elaborado exclusivamente para EXAME, sobre as melhores cidades para fazer negócio no país. Na terceira edição da pesquisa, foram analisados 309 municípios com mais de 100 000 habitantes, responsáveis por 71% do produto interno bruto. Na lista da consultoria, foram verificados 28 indicadores em quatro aspectos essenciais para a evolução dos negócios em uma cidade: desenvolvimento social, capital humano, infraestrutura e desenvolvimento econômico. A combinação de bons indicadores nas quatro categorias fez Barueri enfrentar bem os períodos de turbulência.

“A cidade tem cadeias produtivas diversificadas, gente preparada para ocupá-las, além de boas conexões por estradas e aeroportos com os principais mercados consumidores do país”, diz Thomaz Assumpção, presidente da Urban Systems. A lista dos 100 melhores destinos para os investimentos apresenta indicadores sociais e econômicos superiores à média nacional.

Eis alguns exemplos: o PIB per capita médio das melhores cidades beira 40 000 reais, quase o dobro do padrão dos 5.570 municípios do Brasil. A renda média dos trabalhadores, de 2 900 reais, está 18% acima do que ganha a mão de obra no conjunto do país. Quem vive numa das 100 melhores cidades para fazer negócios normalmente tem uma qualificação mais elevada: um em cada quatro trabalhadores com carteira assinada tem  curso superior, enquanto no país o índice beira os 20%.

Cidades que apareceram bem nas duas edições anteriores do ranking da Urban Systems continuam no pelotão de elite. Esse é o caso de São Caetano do Sul, do ABC paulista, e das capitais Vitória e Florianópolis — respectivamente, segunda, quinta e sétima colocadas. Elas são consideradas ilhas de excelência na prestação de serviços públicos diante da média brasileira e ostentam vitalidade econômica, fatores que costumam ser um chamariz para os investidores.

O ranking de 2016 mostra um aumento da concentração de cidades com esses atrativos no estado de São Paulo. Agora, 40 das 100 melhores cidades para os negócios são paulistas. No ano passado eram 36 e, na primeira edição do estudo, em 2014, 30. Embora a pujança paulista tenha ficado ainda mais evidente neste ano, seis cidades de outros estados conseguiram superar os gargalos e estrear no rol das mais atraentes para os negócios.

É o caso de Rio Branco, no Acre, que conquistou a 91a posição entre as 100 melhores. Por lá, no ano passado o governador,  Tião Viana, do PT, aprovou uma lei dando desconto de 95% no saldo devedor do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços de cadeias produtivas que demandam mão de obra qualificada, como agroindústrias e redes hoteleiras. No período de 2014 a 2015, a proporção de empregos formais com ensino superior na capital acreana cresceu de 24% para 31%, 11 pontos acima da média nacional.

O mesmo vale para a mineira Sete Lagoas, cidade que teve avanços significativos em infraestrutura. Lá, o aumento da concorrência de provedores de banda larga fez com que o índice de conexões com velocidade superior a 34 megabits por segundo, que eram praticamente inexistentes em 2013, saltasse para 13% do total no ano passado — o dobro da taxa nacional.

Por outro lado, as cidades com pior desempenho no ranking sofreram mais com algumas das razões que explicam a crise no país, como a queda na cotação de matérias-primas que compõem a pauta de exportações. O maior tombo foi da paraense Parauapebas: de 20o, em 2015, para o 83o posto neste ano.

Encravada na Serra dos Carajás, a cidade viveu anos de pujança com a exploração de minério de ferro pela Vale. O tombo de mais de 50% no preço do minério no mercado internacional desde o pico, em 2014, afetou fortemente a arrecadação municipal: as receitas com royalties, que beiravam 30 milhões de reais até 2014, caíram pela metade. Nos municípios fluminenses de Macaé, que desceu do terceiro para o 14º lugar, e Rio das Ostras, hoje na 48ª posição no ranking — 43 postos menos do que no ano passado —, a combinação de crise com os desdobramentos da Operação Lava-Jato foram mortais para o ambiente de negócios.

A paralisação de investimentos da Petrobras desencadeou uma quebradeira de fornecedores que dependiam da estatal e uma onda de demissões nas duas cidades: mais de 10.000 postos de trabalho, 6% do total, foram perdidos em 2015. “As cidades que não conseguiram diversificar a economia e melhorar o ambiente de negócios em tempos de riqueza são as que mais sofrem agora na crise”, diz Assumpção, da Urban.

Efeito multiplicador

Uma notícia alvissareira é o fato de que as práticas bem-sucedidas dos melhores destinos para fazer negócios estão se espalhando. A cidade paulista de Santana de Parnaíba, da qual Barueri se emancipou em 1948, começou a promover um verdadeiro choque de eficiência, seguindo o exemplo da vizinha. Santana de Parnaíba acabou de entrar no seletíssimo time das dez melhores para fazer negócio, um resultado de anos de esforços.

Desde 2014, a prefeitura criou uma força-tarefa entre as secretarias para ajudar o empreendedor que deseja se instalar ali. A integração dos sistemas da prefeitura e da Junta Comercial permite hoje enviar pela internet a maior parte da documentação necessária para as licenças, reduzindo a espera de 30 para sete dias. Um convênio com a Investe SP, agência paulista de promoção de negócios, levou boa parte dos secretários de Santana de Parnaíba para aprender com  investidores quais os atrativos locais que mais importam.

“Após o encontro, fizemos um vídeo promocional da cidade, que será exibido em feiras de negócios nos Estados Unidos e na China em 2017”, diz o prefeito Elvis Cezar, do PSDB, que também participou das aulas. Nos últimos dois anos, houve ainda a concessão de incentivos fiscais a empresas de setores estratégicos, como o de tecnologia — elas pagam alíquota de apenas 0,75% do imposto sobre serviços. O resultado: segundo a prefeitura, cerca de 5 000 negócios abriram as portas desde 2014.

Para comparar: mais de um terço das cidades analisadas pela Urban Systems perdeu negócios no período, um recorde negativo. Entre os recém-chegados está o comparador de preços Buscapé, que em agosto migrou de uma sala na avenida Paulista para um prédio de três andares em Santana de Parnaíba. Com receitas estimadas em 300 milhões de reais por ano, a empresa deverá economizar 12 milhões de reais em impostos neste ano com a mudança, recursos que deverão ser utilizados na aquisição de outras empresas.

Além dos benefícios fiscais, pesou na escolha a proatividade dos gestores locais. “A prefeitura colocou as escolas técnicas municipais à disposição para formar mão de obra para trabalhar no Buscapé”, diz o presidente Sandoval Martins. As primeiras turmas de cursos na área de tecnologia, como programação de software, deverão começar as aulas em 2017.

Com tamanha competição, até a gigante capital paulista se mexeu para melhorar o ambiente para os negócios. Em 2016, a cidade de São Paulo figura em terceiro lugar no ranking da Urban Systems — cinco posições acima do ano passado. Em março, a gestão de Fernando Haddad, do PT, revogou uma obscura lei de 1973 que obrigava todos os estabelecimentos comerciais a se instalar em ruas com largura acima de 7 metros.

A justificativa era permitir a passagem de caminhões de bombeiros em caso de incêndio. A ideia é boa, mas na prática impedia a regularização de negócios em vastas áreas da cidade, incluindo vias do antigo centro financeiro, como a rua do Comércio e outros calçadões nos arredores da Bovespa, além de todas as favelas com suas vielas.

“Cerca de 80% dos negócios estavam irregulares”, afirma Rodrigo Pirajá Wienskoski, diretor-presidente da SP Negócios, um braço de atração de investimentos da prefeitura. “A situação causava insegurança jurídica.” Agora a lei vale apenas para negócios com grande circulação de pessoas — e, portanto, mais sujeitos a um incêndio —, como casas noturnas e restaurantes.

O próximo passo é colocar no ar, em novembro, um site cuja promessa é reduzir o tempo de abertura de negócios na capital para cinco dias — hoje, a demora é de 101 dias. A promessa é que o novo portal permita ao dono de um negócio resolver online 11 trâmites burocráticos para estar quite com a lei. Entre eles, a validação do nome da empresa na Junta Comercial, a obtenção do registro na Receita Federal e o certificado digital para emissão de nota fiscal eletrônica.

Trata-se de uma melhoria especialmente aguardada porque São Paulo, ao lado do Rio de Janeiro, serve de parâmetro para a avaliação do país no ranking internacional Doing Business, do Banco Mundial, que classifica a facilidade de fazer negócio em 185 países. O Brasil historicamente ocupa a parte de baixo do ranking — neste ano, está em 174º lugar no quesito abertura de empresas. “Após a implantação, a expectativa é subir 60 posições”, diz Wienskoski. Com a eleição do empresário João Doria (PSDB) à prefeitura paulistana, a desburocratização deverá continuar. “O plano é integrar o sistema da prefeitura ao que já existe no governo do estado”, afirma Juan Quirós, presidente da agência Investe SP e cotado para assumir um cargo na gestão do prefeito eleito.

Em algumas cidades, os reflexos da recessão, como a desvalorização do real, ajudaram a deslanchar qualidades que asseguraram bons negócios mesmo em tempos difíceis. É o caso de Jacareí, no interior paulista, que saltou 124 posições desde o ano passado e agora estreia no 44º lugar no ranking da Urban Systems. Devido à boa localização geográfica, perto do aeroporto de Guarulhos e no entroncamento da rodovia Presidente Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, com a Tamoios, que dá acesso ao litoral, Jacareí está se estabelecendo como um polo exportador.

Em 2015, as indústrias locais, como a fabricante de vidros Cebrace, exportaram 785 milhões de dólares, 240% mais que em 2014. A facilidade de acesso foi decisiva para Jacareí receber uma fábrica da montadora chinesa Chery, inaugurada em 2015 com um investimento de 400 milhões de reais. “Vamos começar a exportar para Argentina, México, Equador e Colômbia em 2017”, diz Luis Curi, vice-presidente da Chery no Brasil. A produção na fábrica segue bem aquém do potencial: neste ano, até agora, foram apenas 5 000 veículos, 10% da capacidade instalada. “A expectativa é dobrar a produção com a demanda internacional”, afirma Curi.

A desvalorização do real também beneficiou a pesquisa científica no Brasil, tornando insumos como mão de obra e equipamentos mais baratos na comparação internacional. Esse é um dos motivos para a região de Campinas, no interior paulista, tradicional polo de universidades e centros de pesquisa, ter recebido uma onda de investimentos estrangeiros. Em dois anos, foi 1,3 bilhão de reais na construção ou ampliação de laboratórios como os das chinesas Lenovo, montadora de computadores, e BYD, de painéis solares e ônibus elétricos, e da farmacêutica alemã Bayer.

No ano passado, a química americana DuPont concluiu investimentos de 20 milhões de dólares, iniciados em 2009, numa estação agrícola em Paulínia, vizinha a Campinas. É o único centro de pesquisas em sementes e fertilizantes da multinacional no Hemisfério Sul.

“A combinação de bons cérebros na região e o barateamento dos insumos em dólar tornou a unidade muito competitiva”, diz Marcelo Okamura, diretor de tecnologia da DuPont. Não por acaso, a região emplacou três cidades — a estreante Paulínia, em quarto lugar, além de Campinas, em oitavo, e Valinhos, em décimo — no grupo dos dez melhores municípios com mais de 100 000 habitantes para investir no Brasil.

O sucesso de uma cidade em meio a um choque econômico depende, em grande medida, de sua capacidade de reinventar a força produtiva. “A resiliência de uma cidade surge quando ela é capaz de atrair empreendedores em abundância para não depender de apenas um negócio”, diz o economista americano Edward Glaeser, autor do livro O Triunfo da Cidade, de 2010, em que relata de que forma metrópoles superaram choques na economia.

Um exemplo é a americana Seattle. Nos anos 70, com a redução de gastos militares após o fim da Guerra do Vietnã, a fabricante de aviões Boeing, principal empregadora local, demitiu em massa. A taxa de desemprego, antes inexistente, bateu 14% da população em 1971, a maior do país, e se manteve acima da média nos anos seguintes. A recuperação só veio na década de 90, com a instalação de empresas de tecnologia como a varejista online Amazon e a Microsoft, atraí-das pelos bons níveis educacionais da população.

Milhares de cidades Brasil afora enfrentam o mesmo risco da decadência econômica. Talvez o exemplo mais evidente seja o do Rio de Janeiro. Neste ano, a cidade obteve um ótimo sexto lugar no estudo da Urban Systems, nove colocações acima de 2015. Alguns pontos positivos constatados na pesquisa claramente refletem a repaginada geral que o Rio recebeu nos preparativos da Olimpíada. A taxa de conexões por banda larga acima de 34 megabits por segundo praticamente triplicou em três anos — hoje está em 10%, quase o dobro da média nacional.

O aeroporto do Galeão, concedido à iniciativa privada, ampliou para 88% a capacidade dos dois terminais, hoje em 32 milhões de passageiros por ano. Uma linha de metrô e quatro corredores de ônibus foram inaugurados. Tudo isso moldou uma cidade que hoje é mais aberta a investimentos. Mas, após o ciclo de megaeventos esportivos e o fim da bonança do petróleo, ainda resta saber se os ganhos vão durar.

Há nuvens negras no horizonte: os recentes casos de tiroteios em áreas pacificadas da zona sul e a penúria dos cofres estaduais, sem recursos para o pagamento do 13º salário dos servidores neste ano. A troca de grupo político no comando da prefeitura agrega mais incertezas: os candidatos ao segundo turno na cidade, Marcelo Crivella (PRB) e Marcelo Freixo (PSOL), não estão claramente alinhados com as demais esferas de governo, o que pode dificultar investimentos.

A torcida é para que o Rio de Janeiro não perca as conquistas alcançadas. E para que as demais cidades brasileiras se inspirem nos casos de quem não está deixando a crise afetar o ambiente de negócios.

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