Revista Exame

É o fim dos centros de pesquisa e desenvolvimento?

O Vale do Silício inaugurou uma nova moda: em vez de gastar bilhões em inovação, é mais fácil comprar novatas inovadoras

Fábrica da Weg em Santa Catarina: em abril, a companhia comprou duas pequenas fabricantes chinesas (Germano Lüders/EXAME)

Fábrica da Weg em Santa Catarina: em abril, a companhia comprou duas pequenas fabricantes chinesas (Germano Lüders/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 26 de junho de 2014 às 06h00.

São Paulo - No fim de abril, a fabricante catarinense de motores Weg anunciou a inusitada aquisição de duas fabricantes chinesas de equipamentos para motores elétricos, a Sinya e a CMM. Somadas, as duas companhias faturavam pouco mais de 100 milhões de dólares, um trocado perto da receita de 6,8 bilhões de reais da Weg.

Não foi uma compra para ganhar participação de mercado nem para estrear em um novo país — a Weg já tem fábrica na China desde 2005. O objetivo era puramente tecnológico. As duas empresas são especialistas em um nicho de mercado novo para a Weg: fazem motores superpotentes para máquinas de lavar.

O nicho havia sido apontado por um comitê científico da Weg como extremamente promissor. Diante disso, a empresa tinha dois caminhos — investir três anos em pesquisas internas ou comprar uma novata que já dominasse a tecnologia.

Poderia sair mais caro, mas encurtaria o processo e reduziria os riscos. “Nosso investimento em pesquisa vai continuar em 2,5% da receita, mas vamos comprar cada vez mais pequenas empresas inovadoras”, diz Harry Schmelzer, presidente da Weg. 

Historicamente, as companhias inovadoras do mundo eram as que investiam mais em pesquisa e desenvolvimento. Grandes laboratórios e um time estrelado de cientistas costumavam ser o caminho mais curto para lançar novos medicamentos, carros elétricos, TVs de plasma, panelas de teflon, meias de lycra. Mas as coisas estão mudando.

As empresas que dominam qualquer ranking global de inovação — como Apple, Google e Facebook — continuam a contratar cientistas e a criar projetos secretos. Mas seu maior trunfo para renovar os negócios está na agressividade com que se lançam às compras.

Juntas, elas compraram mais de 100 empresas nos últimos três anos — de nanicas como a BufferBox, especializada em entregas e que custou 17 milhões de dólares ao Google, a gigantes como a empresa de mensagens WhatsApp, comprada pelo Facebook por 19 bilhões de dólares.

Em seus centros de pesquisa, os gastos foram bem mais comedidos. A Apple, tida como a companhia mais inovadora do mundo em um ranking global da consultoria Strategy& (ex-Booz&Co), investiu 3,4 bilhões de dólares em pesquisa em 2013. É um terço do que gastou a Microsoft — que não aparece entre as cinco primeiras colocadas do ranking.

Como mostra a investida da Weg na China, a estratégia de comprar mais e limitar os investimentos em pesquisa não fica restrita ao Vale do Silício nem às empresas de tecnologia. O laboratório britânico AstraZeneca, por exemplo, que faturou 25 bilhões de dólares em 2013, cortou em 16% os gastos com inovação desde 2007.

A fabricante de refrigerantes Coca-Cola comprou, em fevereiro, uma fatia da fabricante de cápsulas de bebidas Green­ Mountain. A vantagem mais lógica dessas aquisições é encurtar caminhos.

“Como os ciclos tecnológicos estão cada vez mais curtos, quem esperar pode ficar para trás”, diz Alfredo Pinto, sócio da consultoria de estratégia Bain&Company. Outro benefício é reduzir os riscos na entrada em novos mercados.

A fabricante de aviões Embraer, por exemplo, investiu 737 milhões de reais em pesquisa e desenvolvimento em 2013. Mas, para ganhar terreno no mercado de Defesa, que não era seu foco, preferiu comprar a Atech, empresa especializada em sistemas para Defesa e mercado civil. A meta da Embraer é crescer também fora da aviação — e para isso as aquisições serão fundamentais. 

Comprar companhias novatas também é um caminho para atrair empreendedores que, tradicionalmente, não se interessam em trabalhar em grandes empresas. O maior — e mais caro — exemplo foi a recente aquisição da fabricante de fones de ouvido Beats pela Apple, por 3 bilhões de dólares em maio.

Para analistas do mercado de tecnologia, uma das explicações para o preço pago é o acordo para que o produtor musical Jimmy Iovine, cofundador da Beats, passe a liderar a área de conteúdo musical da Apple. A brasileira Totvs, fabricante de softwares de gestão, fez oito aquisições nos últimos dois anos e contratou alguns dos fundadores dessas companhias para trabalhar como executivos.

“Continuamos a contratar engenheiros e cientistas, mas um empreendedor não vem pelos meios tradicionais de seleção”, diz Laércio Cosentino, presidente da Totvs

Os centros de pesquisa e desenvolvimento não estão com os dias contados. A Totvs investiu 830 milhões de reais em inovação apenas nos últimos cinco anos.

E tem o compromisso com seus clientes de lançar atualizações de softwares para cada um dos dez mercados em que atua a cada dois ou três anos. Para essas inovações, chamadas de incrementais, os centros de pesquisa continuarão imbatíveis.

Para mercados em que as pesquisas não podem ser feitas por meia dúzia de nerds em uma garagem, como o farmacêutico, as grandes empresas ainda precisam fazer parte importante das pesquisas por conta própria — os caríssimos testes clínicos com pacientes, por exemplo. É o tipo de coisa que ainda não se compra.

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