Revista Exame

Homem versus máquina em Wall Street

O canadense Brad Katsuyama, principal personagem de The Flash Boys, o livro mais vendido nos Estados Unidos, faz uma cruzada contra o uso de supercomputadores nas bolsas de valores


	Bolsa de valores: após descobrir como supercomputadores podiam alterar o mercado de ações, Katsuyama fundou uma empresa que promete proteger os investidores dessa interferência
 (Germano Lüders/EXAME.com)

Bolsa de valores: após descobrir como supercomputadores podiam alterar o mercado de ações, Katsuyama fundou uma empresa que promete proteger os investidores dessa interferência (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 16 de maio de 2014 às 06h00.

São Paulo - Do filme 2001 — Uma Odisseia no Espaço aos livros de Isaac Asimov, o mundo da ficção está recheado de histórias do embate entre o homem e a máquina.

O recém-lançado The Flash Boys: a Wall Street Revolt (“Os Flash Boys: uma revolta de Wall Street”, numa tradução livre), livro do jornalista Michael Lewis que ocupa o primeiro lugar na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times, vai na mesma linha. Mas conta uma história real, a trajetória do canadense Brad Katsuyama.

A máquina do livro são os computadores e os softwares de “alta frequência”, que permitem que ordens de compra e venda de ações sejam disparadas automaticamente e de forma frenética, em milésimos de segundo. A estratégia dos investidores que operam por meio dessa tecnologia é aproveitar distorções momentâneas no preço de papéis ou índices de ações.

A lógica é completamente diferente da do investidor comum, que geralmente pensa em comprar uma ação para mantê-la por meses ou anos. No livro The Flash Boys, o autor explora a história de Katsuyama para mostrar quando os dois mundos — o do investidor comum e o das máquinas — colidem. 

Em 2008, Katsuyama, então funcionário da corretora do Royal Bank of Canada em Wall Street com 29 anos, percebeu que, assim que disparava uma ordem de compra ou venda de ações, os preços mudavam na tela de seu PC. Era como se sua decisão de comprar elevasse imediatamente os preços.

Intrigado, resolveu investigar. Entrevistou 75 profissionais do setor, colheu dados sobre os sistemas de informação usados pelos bancos e arregimentou uma equipe de nerds que passaram dias analisando o mercado. Não demorou até que descobrisse o que estava acontecendo — ou, pelo menos, o que ele acredita que aconteça. 

Nos Estados Unidos, os investidores podem comprar ações em várias bolsas de valores e plataformas eletrônicas de negociação. Quando um grande investidor decide adquirir um lote de papéis, pode remeter sua ordem a mais de uma bolsa e plataforma, na tentativa de conseguir melhores preços.

O problema é que os softwares de alta frequência percebem o pedido logo na primeira bolsa, correm para a bolsa seguinte e compram a ação antes do investidor para revendê-la por uma fração a mais.

Não existe um levantamento sobre quanto isso rende aos fundos com supercomputadores, mas o livro estima que a quantia esteja na casa dos bilhões de dólares. “A missão de todos nós agora é construir um mercado mais justo e equilibrado para todos os investidores”, diz Katsuyama. 


O grande mérito de The Flash Boys foi trazer a questão da alta frequência, já há alguns anos considerada polêmica, de volta ao centro das discussões. Logo após seu lançamento, o Departamento de Justiça americano revelou que existe uma investigação em andamento, mas ainda não há nada conclusivo.

Os defensores desses softwares afirmam que o debate está viciado. Falam que as máquinas são importantes porque dão mais liquidez ao mercado — há compradores e vendedores mesmo em momentos de grande nervosismo nos pregões. Dizem que o sistema aumenta a competição e a eficiência do mercado.

A BM&F Bovespa, que conta com operações de alta frequência desde 2009, segue a mesma linha de defesa. Em outras partes do mundo, há bolsas indo numa direção diferente. Na Alemanha, desde o ano passado é necessário fazer um registro especial para usar a tecnologia de alta frequência.

Na Itália, os reguladores criaram uma taxa de 0,02% para mudanças nos pedidos de transações ou para cancelamentos ocorridos num prazo de tempo inferior a meio segundo. O objetivo declarado é baixar o nível de especulação. 

Na opinião de Katsuyama, a saída para nivelar a competição não precisa ser necessariamente uma medida regulatória. Em 2013, ele montou uma plataforma de investimento, a IEX, que faz o casamento entre ordens de compra e de venda e, assim, mantém a transação imune aos softwares.

Recentemente, a corretora do banco Goldman Sachs, um dos ícones de Wall Street, tornou-se a maior em operação na IEX. De acordo com o jornal Wall Street­ Journal, o Gold­man estuda encerrar as operações que envolvem alta frequência — o banco nega a informação.

No ano passado, o banco teve de indenizar clientes que não conseguiram concretizar suas compras, provavelmente por causa da ação dos supercomputadores. Com todo esse barulho, a trajetória de Katsuyama já é motivo de disputa entre os principais estúdios de Hollywood. Eles estão brigando pelos direitos de transpor The Flash Boys para as telas, uma história que não tem nada de ficção.

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