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Fatura bélica

Com uma guerra à vista contra o Iraque ressurge a velha questão: quais as conseqüências do conflito para a maior economia do mundo?

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 12h00.

Custa caro ser uma superpotência. Mesmo se os Estados Unidos não estivessem vivendo na iminência de uma guerra contra o Iraque, seus gastos militares devem superar 350 bilhões de dólares em 2003. Se o Pentágono fosse um país, seria a 14a economia mundial -- menor que o Brasil ou a Coréia do Sul, mas ironicamente maior que a Rússia, o adversário de vida e morte do império americano durante a Guerra Fria. Seus gastos militares são espetaculares sob qualquer medida. No auge da Guerra Fria, representavam 30% das despesas globais no setor. Hoje, a metade. Digamos que haja uma soma dos orçamentos de defesa dos "sete anões" detestados pelo gigante americano (Cuba, Irã, Iraque, Líbia, Coréia do Norte, Sudão e Síria) e dos rivais estratégicos em potencial, China e Rússia. Eles não chegam perto do colosso americano, perfazendo um terço do orçamento do Pentágono. A Rússia, em segundo lugar, gasta seis vezes menos que os Estados Unidos.

Mesmo pelos padrões históricos americanos, os gastos de hoje são imensos. Quando aconteceu o colapso do bloco soviético, há pouco mais de dez anos, os Estados Unidos cortaram em um terço seu orçamento de defesa. Agora, as verbas militares estão em um patamar 10% acima da média da Guerra Fria e apenas 16% abaixo de seu pico absoluto, em 1985.

Por que um país com 5% da população e 25% da economia mundiais precisa ter metade dos gastos militares do planeta? Segundo Stanislaw Wellisz, professor de economia e relações internacionais da Universidade Colúmbia, em Nova York, os Estados Unidos se comportam como qualquer grande império. "Precisam manter sua hegemonia. Os romanos e os britânicos não eram diferentes", disse Wellisz a EXAME. Mas a pax americana é singular, com sua influência econômica e geopolítica em todas as partes do mundo. Hoje, nenhum país tem condições de ir à guerra tão longe de casa como acontece com os Estados Unidos, e tal amplitude tem um preço.

Há o singular, mas também uma lógica natural generalizada para países terem uma verba militar acima da conta. "Os lobbies cerram fileiras com os generais. Isto vale para Estados Unidos, Brasil ou Guatemala. Independe de ideologia", diz Wellisz. "O caso americano só é assombroso pela escala." Governos às vezes conseguem brecar os gastos militares. Pode ser uma questão de fome, um horror descomunal da guerra ou um privilégio civilizatório, mas a regra é o lobby forçar a barra.

Quem sabia dessas coisas era Dwight Eisenhower, o general que se tornou presidente dos Estados Unidos em 1953. Pouco antes de deixar a Casa Branca, em 1961, ele fez um pronunciamento à nação e em uma frase memorável advertiu sobre o crescimento do "complexo militar-indus trial". Para Eisenhower, a conjunção sem precedentes de um imenso establishment militar e uma vasta indústria de armas tinha o poder de corromper a política e os interesses estratégicos do país.

Diante do poder corruptor e avassalador do chamado complexo militar-industrial, é fácil confundir as coisas. Persiste, de um lado, uma interpretação apressada de que o governo Bush quer a guerra no Golfo Pérsico basicamente para beneficiar o lobby da indústria petrolífera. De outro, há a denúncia de que a confusão é ótima para a indústria de armas faturar horrores.

De fato, a indústria de defesa tem sido um dos poucos focos promissores na economia americana, impulsionada pelos gastos com segurança nacional e defesa após os atentados de 11 de setembro e a política externa belicosa do governo Bush. Em 2001, o presidente republicano autorizou o maior aumento dos gastos do Pentágono em mais de duas décadas, revertendo de forma radical os declínios pós-Guerra Fria que forçaram os fabricantes de armas a fechar instalações e demitir dezenas de milhares de empregados. E, com os esforços redobrados em segurança doméstica, devido à luta contra o terror, existem novos usos para material militar como equipamentos de detecção de bombas e sistemas de identificação biométrica.

Contudo, apesar do alívio, o setor não tem motivos para lançar rojões. O impulso nos gastos com defesa, na verdade, tem sido menor do que a indústria de defesa esperava e não indica uma tendência a longo prazo. A proposta de orçamento para o Pentágono para o ano fiscal de 2004, que começa em outubro, representa um aumento nos gastos, para cerca de 380 bilhões de dólares, em comparação com os 355 bilhões do ano fiscal vigente. Em caso de guerra no Iraque, o Congresso pode aprovar verbas de emergência.

Para o resto da década não se vislumbram aumentos expressivos. Loren Thompson, diretor do Lexington Institute e especialista em questões de defesa, até visualiza um orçamento militar mais enxuto nos próximos anos, embora o Pentágono projete que vai precisar de 408 bilhões de dólares em 2007.

Um inimigo poderoso do Pentágono são as finanças públicas federais. Após quatro anos de superávit, o rombo vai se alargando. A Casa Branca já admite déficits anuais na faixa dos 250 bilhões de dólares para os próximos anos. Serão os maiores da história em termos absolutos, mas relativamente menores em relação à economia, que hoje alcança 10,5 trilhões de dólares, e do que os déficits dos anos 80 e começo da década de 90. O presidente Bush quer reeditar a fórmula de Ronald Reagan de corte de impostos e um orçamento generoso para o Pentágono, mas mesmo nestes tempos de turbulência internacional ele deve enfrentar resistência no Congresso. O "eixo do mal" (Iraque, Irã e Coréia do Norte) denunciado por Bush soa menos assustador que o comunista "império do mal" combatido por Reagan.

É claro que a ameaça do "eixo do mal" trouxe benefícios para a indústria de defesa e reforçou a sensibilidade militarista do governo republicano. O corrente orçamento do Pentágono destinou 120 bilhões de dólares, um salto de 18% em relação ao ano anterior, para a modernização da defesa. Grupos como Boeing, Lockheed Martin e Northrop Grumman faturaram com encomendas de uma parafernália cada vez mais sofisticada. Uma análise feita por Norman Augustine, ex-CEO da Lockheed Martin, mostra que investidores transferiram fundos para ações do setor de defesa e se distanciaram das empresas do Vale do Silício após o estouro da bolha tecnológica.

Existem projetos de aviação militar extremamente ambiciosos, como o Joint Strike Fighter, que podem trazer gastos de 200 bilhões de dólares nos próximos 25 anos, favorecendo indústrias americanas e também européias. Mas em entrevista a Business Week, o presidente da Boeing, Philip Condit, foi direto ao alvo: "Os investidores precisam pensar duas vezes caso calculem que uma guerra no Iraque vai melhorar as perspectivas da indústria de defesa".

Steven Kosiak, diretor do Centro para Avaliações Estratégicas e Orçamentárias, em Washington, explicou a EXAME por que Boeing e companhia não estão soltando fogos de artifício. Segundo Kosiak, o consenso é que, se houver guerra, ela será curta e decisiva. Saddam Hussein não é páreo para o império de dom George Bush II. "Com isso podemos assumir que não haverá destruição de muito equipamento americano, um mau negócio para a indústria de defesa", afirma. As conseqüências da guerra é que serão mais onerosas e em detrimento dos fabricantes militares. "As maiores despesas serão com a reconstrução do Iraque. Posso especular que o cenário é mais promissor para as empreiteiras do que para a indústria de defesa", afirma Kosiak.

A simples manutenção do aparato utilizado na guerra contra o terror (no Afeganistão e em outras paragens remotas) está engolindo bilhões de dólares do orçamento do Pentágono. Cuidar de equipamentos como porta-aviões e jatos de combate significa menos dinheiro para investir em novas armas ou mesmo em pesquisa e desenvolvimento.

Além disso, o inchaço do orçamento militar tende a ser um fenômeno temporário. Kosiak lembra que os gastos com defesa estão subindo desde 1998 (isto mesmo, já no governo Clinton). Os atentados de 11 de setembro criaram um nada admirável mundo novo, mas seriam necessárias barbaridades do mesmo estilo para fazer a opinião pública americana sacrificar por um longo período prioridades como saúde, educação e outros programas sociais em nome da segurança nacional. Basta ver que gastos com defesa, que representaram 18% do orçamento federal do ano passado, devem cair para cerca de 13% em 2020, de acordo com as projeções do Escritório de Orçamento do Congresso.

Para Kosiak, é arriscado ter altas expectativas (positivas ou negativas) sobre o impacto, em geral, de uma guerra no Iraque na economia americana. "Esta é uma economia de 10,5 trilhões de dólares", afirma ele. "Digamos que a guerra custe até 200 bilhões, o que eu acho um exagero. É um custo absorvível. Há uma incógnita que é o preço do petróleo. Mas aí vai depender da duração da guerra."

E como fica o Brasil diante disso?

"Se houver guerra, a grande preocupação para o Brasil será como isso afetará o preço do petróleo", afirma Emy Shayo, diretora da área de economia global do banco Bear Stearns. Com ela concorda Ricardo Amorim, diretor de estratégia de investimento para a América Latina do grupo IDEAglobal: "A elevação do preço do petróleo afeta o Brasil negativamente por dois fronts". Primeiro: o superávit da balança comercial será reduzido porque, apesar do grande crescimento da produção doméstica de petróleo, o Brasil ainda é importador líquido do produto. Cada 10% de elevação do preço médio anual do barril do petróleo reduz o superávit comercial em cerca de 220 milhões de dólares. Mais importante, na avaliação de Amorim, seria o impacto direto e indireto na inflação. No caso do IPCA, o peso dos combustíveis é de cerca de 4%. Por isso, a duração da guerra deve ser vista como um fator-chave. Caso seja prolongada, tanto Emy como Amorim não têm dúvidas que vai aumentar a aversão ao risco em países emergentes. Emy aposta em uma guerra curta e decisiva e faz um paralelo entre o Iraque e o Brasil de Lula. "O drama foi a incerteza eleitoral", afirma ela. "Com o desfecho, as coisas se assentaram. Espero que o mesmo aconteça com a guerra."

Wall Street costuma reagir com sobressalto nas semanas que antecedem uma guerra, com investidores ansiosos reduzindo sua carteira de ações em favor de aplicações menos arriscadas. Mas, a exemplo do que sucedeu na Segunda Guerra Mundial e na primeira Guerra do Golfo Pérsico, há 12 anos, segue-se um boom na bolsa assim que as bombas começam a cair. Um mês após a Operação Tempestade no Deserto, em 1991, o Índice Dow Jones tinha subido 11,8%. É exuberância irracional esperar imediatos ganhos de dois dígitos agora em 2003, após uma nova guerra no Golfo, mas um relatório do grupo UBS prevê uma "arrancada de alívio", descartando, é claro, o cenário de um atoleiro militar.

Stanislaw Wellisz, o professor da Universidade Colúmbia, avalia a equação guerra-economia de uma perspectiva histórica. "Quanto à idéia de que a guerra ajuda a economia, poucos conflitos têm essa função, como foi o caso da Segunda Guerra Mundial", diz Wellisz. Era uma situação peculiar, não apenas em razão da Grande Depressão, mas da rápida conversão que foi feita da indústria civil para a indústria militar e da capacidade de gerar empregos, mesmo para trabalhadores não qualificados. Já os dividendos de uma guerra no Iraque seriam limitados.

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