Revista Exame

Empresas usam inteligência artificial para medir a satisfação dos funcionários

O uso de tecnologia para os funcionários avaliarem o ambiente de trabalho está em alta nas empresas

Vivia Santana, da Natura: pesquisas online para entender como melhorar o home office (Leandro Fonseca/Exame)

Vivia Santana, da Natura: pesquisas online para entender como melhorar o home office (Leandro Fonseca/Exame)

Luísa Granato

Luísa Granato

Publicado em 14 de janeiro de 2021 às 05h05.

Última atualização em 15 de janeiro de 2021 às 12h18.

A mudança drástica no jeito de trabalhar na quarentena serviu para muitas empresas repensarem praticamente do zero a relação com seus funcionários. Que o diga a carioca Vivia Santana de Castro, analista de inteligência na fabricante de cosméticos Natura. Em março de 2020, no começo do home office, ela ficou sozinha num apartamento em São Paulo, onde mora.

Além de computador e outros equipamentos de TI, Vivia recebeu da empresa uma cadeira com ergonomia especial para ela, que tem uma deficiência na perna. Para enfrentar a solidão, a Natura custeou aulas de meditação e terapia. “Com tudo isso, minha produtividade em casa aumentou”, diz. 

A pandemia colocou em evidência a interação da empresa com seus funcionários. A tendência é chamada lá fora de employee experience (“experiência do empregado”, na tradução do inglês). O tema estava em alta antes mesmo da pandemia. Numa pesquisa da rede social LinkedIn no início de 2020 com gestores de RH, 94% disseram que a satisfação dos funcionários seria a prioridade número 1 nas empresas.

Para além de estarem mais abertos a escutar o que os funcionários têm a dizer, muitos negócios estão investindo em tecnologias de inteligência artificial para extrair análises sobre os sentimentos desses grupos — é o chamado people analytics, outro jargão cada vez mais comum entre gestores de recursos humanos mundo afora.

A profunda incerteza nas relações pessoais causada pela quarentena só ajudou a tornar a análise dos sentimentos dos funcionários mais relevante. Um termômetro do alvoroço é a expansão da base de dados da startup paulista Pin People, dedicada a tecnologias para melhorar o employee experience.

Em março, a Pin People criou formulários online para empresas de todos os portes pesquisarem com os funcionários como andavam as coisas no home office com certa regularidade — às vezes, de semanas. Até dezembro, a startup recebeu mais de 150.000 respostas. Com o uso de inteligência artificial, a startup tem ajudado as empresas a transformar a montanha de comentários, críticas e sugestões em pontos de melhoria.

(Arte/Exame)

Na Natura, as 21.000 respostas em nove meses mostraram um apetite cada vez maior dos funcionários pelo trabalho de casa. Nas pesquisas mais recentes, 70% dos empregados querem ampliar a duração do home office. Além disso, os dados mapearam necessidades pontuais, como as apresentadas por Vivia. “O desafio prioritário é o vínculo das pessoas com o trabalho. Precisamos ressignificar essa relação”, diz Mariana Talarico, diretora de cultura e desenvolvimento da Natura.

Num mercado de trabalho em que startups disputam talentos com empresas consolidadas, a opinião da mão de obra tende a ganhar relevância — e, na ponta, colabora para o resultado do negócio. Num relatório recente do IBM Institute for Business Value, centro de pesquisas ligado ao gigante de tecnologia, 68% das empresas de melhor desempenho financeiro escutam com alguma regularidade sua força de trabalho com a finalidade de criar experiências que aumentem a disposição do empregado em acordar todo dia para cumprir suas tarefas. 

Na desenvolvedora de tecnologias para planos de saúde Orizon, de São Paulo, o hábito de perguntar com frequência a opinião dos funcionários colaborou para conhecer habilidades de liderança em funcionários que até então passavam despercebidas.

Há quatro anos, a Orizon começou a usar dados das pesquisas semestrais para identificar empregados que não apenas se destacavam no seu trabalho mas eram vistos como referência por colegas. “Numa emergência, são as pessoas a quem a maioria recorre, muito antes de perguntar ao CEO”, diz o presidente da empresa, Mario Martins. “Jogo para o grupo uma inquietação, e eles voltam com propostas.”

Um ponto perturbador para o CEO, e que apareceu nas conversas com os funcionários líderes, era a rudeza nas reu­niões de diretores. Ao apresentar o problema ao grupo seleto de funcionários respeitados pelos demais, a solução que surgiu foi simples e eficaz: da mesma forma que fábricas possuem uma contagem de dias sem acidentes, as reu­niões teriam uma contagem de encontros livres de “sequestro emocional”.

No início de cada encontro, uma pessoa se voluntaria para ser o monitor emocional e fica atenta aos níveis de irritação. Em dezembro, a diretoria bateu mais de 500 dias sem sequestro emocional. A motivação se torna cada vez maior, pois ninguém quer zerar o placar. “No passado, a área de pessoas era frustrante. A gente navegava em um mundo de percepções e achismos”, diz Martins.

“O people analytics dá uma nova dimensão para perguntas ancestrais da gestão de pessoas.” Como resultado, de 2019 para 2020 a satisfação dos funcionários subiu de 71% para 83%. Ao que tudo indica, o employee experience e o people analytics vieram para ficar. Na pesquisa da IBM, os gestores de RH ouvidos preveem cada vez mais atenção ao tema no futuro.  

 

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