Hartenstein, da ESPN: novo portal apenas para usuários de conexão à internet da Telefônica (Germano Lüders/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.
Novas experiências para fãns de esporte. É o que promete o ESPN 360, site do canal de TV paga que deve ir ao ar no início de setembro. Entre os recursos propagandeados, está um que permite aos usuários assistir a transmissões de eventos esportivos pela web, como a Uefa Champions League e os X Games, podendo escolher entre até quatro jogos simultâneos. Em paralelo, uma biblioteca de vídeos sob demanda traz coberturas de jogos passados, conteúdo esportivo de outras décadas e os melhores momentos de programas do canal de TV. Valor do serviço: nenhum centavo. Mas com um detalhe: a oferta é válida apenas para clientes de conexões de internet da Telefônica. E para os clientes de outros provedores de acesso? Acesso negado.
O modelo do serviço, comum em pacotes de TV por assinatura, é algo novo na internet brasileira. Para a ESPN, produtora do conteúdo, o sentido da parceria está em complementar a experiência de seus usuários. "O espectador não vai mais precisar estar na frente da TV para consumir o conteúdo do canal", diz German Hartenstein, diretor geral da ESPN no Brasil. Já para a Telefônica, provedora de acesso à internet, trata-se de mais uma estratégia para atrair novos clientes — e para manter fi éis os antigos. Durante um ano, os cerca de 1,5 milhão de usuários com conexão a partir de 2 megas de velocidade terão acesso gratuito ao serviço. "Transformamos conexão em um produto de valor agregado”, diz Surya Mendonça, diretor do segmento residencial da Telefônica. "O usuário agora pode escolher um provedor não pela velocidade da conexão, mas pelo que pode fazer com ela."
Pode parecer estranho, mas há quem enxergue perversidade nas frases acima. E também no modelo de parceria anunciado com entusiasmo pelas duas empresas. Iniciativas como essa são hoje motivo de polêmica e de debates sobre o futuro da internet ao redor do mundo. Para críticos desse modelo de associação, o problema estaria na violação de um dos princípios mais elementares da internet: o da neutralidade das redes. Provedores de acesso, rezam os mandamentos da web livre, não devem oferecer nenhum tipo de privilégio a produtores de conteúdo — seja em portais de grandes corporações, seja em sites de governos, ou em blogs de fundo de quintal.
O debate não é novo, mas ganhou ânimo recentemente. Em agosto, o Google e a Verizon, maior operadora de celular dos Estados Unidos, divulgaram um documento em que se comprometiam a apoiar a neutralidade na internet fixa. Até aí, tudo bem. O mesmo documento, porém, sugeria tratamento distinto para a internet móvel — um serviço para o qual existiriam "exceções" de neutralidade. Provedores de acesso móvel estariam livres, assim, para cobrar tarifas de empresas de conteúdo e fornecer a elas melhores vias de acesso a seus usuários. Os clientes da Verizon poderiam, em tese, acessar os sites e serviços do Google com muito mais rapidez e qualidade em comparação com os concorrentes da Microsoft. No pior cenário imaginado pelos opositores dessa ideia, dois tipos de internet poderão emergir: uma pública, parecida com a que conhecemos hoje, e outra "privada", com conteúdo exclusivo e acesso privilegiados.
Um tratamento distinto também provocaria desequilíbrios na competição entre produtores de conteúdo, com vantagens evidentes para companhias capitalizadas. "Uma internet neutra protege a inovação e a liberdade de expressão", diz Rebecca Jeschke, diretora da Electronic Frontier Foundation. Se um site como o YouTube pode pagar por um fluxo mais rápido às suas páginas, por exemplo, é razoável supor que usuários desenvolvam preferências com base nessa vantagem artificial.
Embora o debate acabe descambando para o ideológico, é óbvio que há distintos interesses em disputa. De um lado, os provedores de acesso, que arcam com investimentos bilionários na expansão da infraestrutura das redes. De outro, provedores de conteúdo, como o Google, cujo crescimento tem relação direta com o aumento do tráfego. Na última década, foram empresas como o Google, e não os provedores de acesso, as companhias do setor que mais cresceram. Estima-se que, juntos, os quatro maiores provedores dos Estados Unidos tenham gasto em antenas, roteadores e redes de fibra óptica mais de dez vezes o investimento total dos quatro maiores produtores de conteúdo da internet em 2009. Uma simbiose evidentemente desequilibrada em relação a gastos — e também a lucros. Se o descompasso justifi caria medidas que alteram a neutralidade das redes, porém, é ainda um debate em aberto. Com preferência, é claro, para acesso sem privilégios.
Publicado originalmente na revista EXAME de 08/09/2010