Amazônia: uma das áreas mais promissoras e menos avançadas é o uso comercial das florestas (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 16 de outubro de 2015 às 14h36.
São Paulo — Nada é tão vital para um país em retração como reencontrar uma rota de crescimento. Mais ainda se esse caminho tem o potencial de colocá-lo em evidência numa área em ascensão em todo o mundo. Um estudo a que EXAME teve acesso exclusivo mostra que o Brasil está diante de uma oportunidade como essa neste momento.
Como acontece muitas vezes por aqui, sobram princípios favoráveis para prosperar — falta apertar o passo na direção certa. O país detém 12% de toda a área de vegetação nativa do mundo. Mas ainda perde, por ano, 5 000 quilômetros quadrados de floresta amazônica. A média de irradiação solar é quase o dobro da registrada na Alemanha, uma das maiores geradoras desse tipo de energia no planeta.
A velocidade máxima dos ventos no país é o dobro da necessária para girar as turbinas. O percentual de geração eólica na matriz energética brasileira, no entanto, ainda não chega a 5%. E o de solar, é de apenas 0,02%.
Num levantamento que levou quase dois anos para ficar pronto, especialistas uniram-se pela primeira vez para calcular o impacto de metas ambiciosas em diversas frentes de combate às mudanças climáticas no país. A conclusão é que uma postura mais agressiva nesse sentido não ajudaria apenas a salvar o mundo mas também a recuperar o avanço da economia brasileira.
Elaborado pela Coppe, instituto de pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o estudo projeta um ganho acumulado de pelo menos 182 bilhões de reais no PIB nos próximos 15 anos caso o país avance em suas metas de combate às mudanças climáticas (veja quadro ao lado).
Sob o título “Implicações econômicas e sociais de cenários de mitigação no Brasil”, a pesquisa indica medidas consideradas factíveis para reduzir emissões em setores-chave da economia — desde construir novos parques eólicos até reduzir o impacto de setores altamente poluentes, como a indústria de cimento, responsável por 5% das emissões de carbono mundiais.
A avaliação das medidas foi realizada com a ajuda de um comitê composto de cerca de 80 integrantes, entre representantes de associações empresariais, pesquisadores, ONGs e sindicatos, reunidos no Fórum Brasileiro de Mudança Climática. Todas são mais ambiciosas do que as já previstas pelo governo.
No quesito pastagens degradadas — áreas desmatadas pelo uso extensivo da pecuária —, o estudo propõe recuperar 20 milhões de hectares, aproximadamente 20% além do objetivo estipulado pelo governo.
Para atingir esses patamares, os especialistas projetaram um investimento de 99 bilhões de reais até 2030 — todo realizado pelo setor produtivo. Com isso, estima-se que 355 000 empregos seriam criados — boa parte deles só na área de energias renováveis, principalmente biomassa.
Num cenário mais ambicioso, no qual foram consideradas medidas mais caras, como a introdução de ônibus elétricos e a construção de 195 quilômetros de metrô em algumas capitais, os investimentos sobem para 372 bilhões de reais. Em contrapartida, o retorno estimado é de 609 bilhões de reais no PIB — e mais de 1 milhão de empregos criados.
“Os dados põem por terra a ideia de que reduzir emissões inviabiliza o desenvolvimento do país”, afirma Luis Pinguelli, doutor em física, secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e coordenador-geral do estudo.
As projeções ficaram prontas num momento crítico — às vésperas do prazo final para que cada nação entregue suas metas a ser discutidas na conferência internacional de mudanças climáticas Cop-21, que reunirá representantes de quase 200 países em Paris em dezembro.
Os governos têm até o dia 1o de outubro para apresentar suas intenções de combate ao aquecimento global, que deverão entrar em vigor em 2020. Até o fechamento desta edição, não havia detalhes sobre o teor da proposta brasileira.
“Estamos diante de uma chance única de tornar a produção sustentável um vetor de crescimento, uma das poucas agendas positivas neste momento de crise”, diz Guilherme Leal, copresidente do conselho de administração da fabricante de cosméticos Natura e membro da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura, que reúne 104 empresas, ONGs e associações setoriais para discutir as oportunidades nessa área.
É um potencial que se torna ainda mais promissor com o avanço das discussões em torno do que se convencionou chamar de economia de baixo carbono. O maior passo nesse sentido é a adesão inédita das duas maiores economias do mundo — Estados Unidos e China.
Após décadas à margem do diálogo em torno do tema, os dois países anunciaram metas de redução das emissões de carbono em dezembro do ano passado. O governo chinês anunciou que em 2030 terá 20% de sua matriz energética baseada em fontes renováveis. Já o governo americano se comprometeu a reduzir 28% de suas emissões até 2025.
Em ambos os casos, os países já colhem dividendos na área. A China é hoje responsável por 26% dos investimentos globais em energias renováveis — que somaram 318 bilhões de dólares no ano passado. A intenção é reduzir a dependência do país das fontes fósseis, como o carvão, que ainda representam mais de 60% de sua matriz.
Em 2014, o setor de energia solar somou 2,5 milhões de novos empregos, dos quais dois terços são chineses. A indústria da energia eólica criou 1 milhão de empregos no mundo no ano passado, metade deles na China. O mercado de crédito de carbono movimentou 50 bilhões de dólares globalmente — 10% desse montante circulou apenas no estado americano da Califórnia.
“Não estamos agindo rápido o suficiente”, afirmou o presidente americano Barack Obama, no Alasca, em agosto. O senso de urgência tem dupla motivação — econômica e ambiental. O principal objetivo é impedir que o aquecimento do planeta ultrapasse os 2 graus Celsius neste século. Até agora a temperatura da Terra foi elevada em 0,8 grau na comparação com o período anterior à industrialização.
Segundo os cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), se nada for feito para frear o aquecimento em curso, esse aumento poderá ultrapassar 4 graus até 2100.
Um estudo do Banco Mundial sobre o tema, lançado no ano passado, alerta para consequências graves, como queda na produtividade agrícola, mudança dos recursos hídricos, novas faixas de doenças e elevação dos níveis do mar.
“Não há mais dúvida sobre o aquecimento global, agora é hora da ação prática”, diz Rachel Biderman, diretora do World Resources Institute no Brasil — instituto global de pesquisas sobre recursos naturais com sede nos Estados Unidos. Segundo especialistas, boa parte das oportunidades para o Brasil se concentra em duas áreas principais — o uso da terra e as energias renováveis.
Um dos nichos mais promissores é a exploração comercial das florestas. Elas geram automaticamente um ativo que deverá se tornar cada vez mais escasso e necessário no mundo: o crédito de carbono. Embora as emissões de carbono ainda não tenham um preço padronizado, os especialistas creem que, em pouco tempo, a tonelada de gases poluente terá um valor global.
Por enquanto existem mercados locais, insuflados por governos que determinam limites de emissões para suas empresas. Nesses casos, quem está acima do patamar recorre a quem se tornou mais eficiente e tem créditos de sobra. Hoje, 40 países e 20 estados e cidades já adotam mecanismos de precificação de carbono. Entre eles estão México, França e Japão.
Na minoria dos casos — 30% deles —, o governo estabelece uma taxa a ser paga pela tonelada de carbono emitida. Só no ano passado os governos receberam 15 bilhões de dólares por meio desses sistemas.
“O mercado de carbono é um dos melhores exemplos de como o governo não precisa necessariamente investir para estimular o desenvolvimento sustentável”, diz José Penido, presidente do conselho de administração da Fibria, maior fabricante de papel e celulose do país e membro da Coalizão Brasil. “Basta criar os incentivos certos.”
Dependendo do avanço das negociações em Paris, a escala desse mercado poderá crescer de maneira exponencial. Num levantamento recém-concluído, o Banco Mundial estima que, caso o mecanismo seja adotado globalmente, o volume negociado poderá chegar a 500 bilhões de dólares em 2050.
“O sistema força as empresas a realocar seu capital em tecnologias de baixo carbono”, diz Alexandre Kossoy, especialista sênior do Banco Mundial. No Brasil, uma safra de startups começa a surgir tendo em vista o potencial desses mercados. Uma delas é a Biofílica, empresa de investimento ambiental cujo nicho é ganhar dinheiro ao manter florestas intactas.
O mecanismo utilizado para isso é a chamada Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal. O conceito veio à tona na conferência do clima de Bali, na Indonésia, em 2007. Como se verificou que quase 25% das emissões mundiais eram provenientes do desmatamento de florestas tropicais, criou-se um instrumento financeiro para acabar com a destruição.
Desmatar 1 hectare de floresta amazônica, por exemplo, equivale a lançar 500 toneladas de dióxido de carbono na atmosfera. O princípio consiste em vender os créditos gerados pela floresta em pé a empresas que querem compensar suas emissões, garantindo a conservação das áreas no longo prazo. Eis o negócio da Biofílica.
Até agora, a empresa vendeu aproximadamente 300 000 toneladas em créditos de carbono a empresas como a operadora de telefonia celular TIM e a varejista de moda Renner. A companhia não é dona de uma única árvore. Seu negócio consiste em aproximar os compradores dos vendedores — proprietários de terra em áreas de Amazonas, Amapá, Rondônia e Pará.
Por enquanto, o faturamento da companhia, criada em 2008, é de cerca de 1 milhão de reais. “Se o governo impusesse metas de emissões, esse mercado multiplicaria rapidamente”, afirma o administrador Plínio Ribeiro, cofundador e presidente da Biofílica. “Seria um incentivo enorme para atingir a meta de desmatamento zero.”
Outro incentivo para manter a floresta em pé é o desenvolvimento do mercado legal de madeira nativa. Estima-se que 80% desse mercado no Brasil seja ilegal. Uma pequena parcela pode ter sua origem rastreada — o que fragiliza o controle do desmatamento e, por consequência, dos níveis de emissões por queimadas. Dentro do mercado ilegal, de 30% a 40% da madeira não tem nenhum tipo de documentação.
O restante carrega documentação “esquentada”, ou seja, autorizações compradas ou falsas. “O madeireiro ilegal tem metade do custo que a empresa legalizada tem. Como competir com ele?”, diz Roberto Waack, presidente da Amata, empresa do setor florestal que atua em toda a cadeia da madeira.
Em atividade há pouco menos de dez anos, a Amata tem quatro áreas de manejo em Rondônia, Pará, Mato Grosso do Sul e Paraná, e cultiva espécies de árvores que dão origem a compensados, lâminas, madeiras para piso e para a construção civil. Vencer o desmatamento ilegal hoje é seu maior entrave.
É um desafio que tem sido combatido numa ação conjunta entre governo, ONGs e empresas — em outra área, o da pecuária, atualmente a maior vilã da Amazônia (veja reportagem na pág. 108). A situação só mudou para valer quando o topo da cadeia — grandes frigoríficos e redes de varejo — assumiu a responsabilidade por combater criadores que desmatam.
“No caso da madeira, não existe a mesma postura por parte dos compradores”, afirma Waack, que defende a criação de taxas para quem não compra madeira rastreada. Não restam dúvidas de que, quando o assunto é energia limpa, o Brasil é um dos poucos países a deter vantagem diante do cenário internacional. O grande potencial hidrelétrico foi e continua sendo altamente explorado no país.
Quase 40% das fontes de energia do Brasil são renováveis, enquanto a média mundial é de apenas 13,6%. Ainda assim, entramos na corrida por outras fontes renováveis com certo atraso. Em tempos de seca, como o atual, são as centrais termelétricas, mais poluentes, que garantem o funcionamento do Sistema Interligado Nacional.
Em geral, esse tipo de fonte energética detém uma fatia de 15% da geração brasileira — mas atualmente o percentual beira os 30%. Neste ano, a presidente Dilma Rousseff comprometeu-se, ao lado do presidente Barack Obama, a elevar a participação das fontes renováveis não hidrelétricas a 20% da matriz até 2030 — um patamar duas vezes maior do que o atual.
O estudo da Coppe projeta chegar a 29% no mesmo período. Acelerar nessa direção significa acompanhar uma mudança profunda na matriz energética global. Atualmente, dois terços dessa matriz baseia-se em combustíveis fósseis. Até 2040, mais da metade dela deverá vir de fontes limpas.
Para inverter o retrato atual, o mundo vai concentrar dois terços dos investimentos globais de 12,2 trilhões de dólares em energias renováveis. No Brasil, já há dados concretos que mostram a viabilidade econômica da tecnologia.
De 2009 para cá, quando a energia eólica passou a disputar leilões públicos, o preço caiu de cerca de 365 reais por megawatt para aproximadamente 130 reais, o que tornou a fonte a segunda mais competitiva do país, atrás apenas das hidrelétricas. Não faltam investidores interessados em ampliar a oferta.
Segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica, só no ano passado o setor investiu 14 bilhões de reais — e mais 60 bilhões de reais serão aplicados até 2018.
“Para dar conta das necessidades do país, temos de dobrar nossa capacidade instalada e aumentar a participação das fontes renováveis”, afirma Wilson Ferreira, presidente da empresa de energia CPFL, que investirá 2,3 bilhões de reais em energias limpas até 2019.
Na esteira do avanço da energia eólica está também a geradora paulista Renova, que opera o maior complexo desse tipo na América Latina, no sudoeste da Bahia. “Se só pensarmos no curto prazo, apertamos o botão das térmicas e pronto. Ter energia limpa e inteligente requer planejamento”, diz Mathias Becker, presidente da Renova.
Apesar de avanços pontuais, há consenso de que o país está longe do protagonismo que poderia ter. O potencial eólico do continente brasileiro chega a 350 gigawatts. É mais que o dobro da capacidade total de geração de energia no Brasil, consideradas todas as fontes.
No caso da energia solar, até vizinhos menores avançam mais rápido. O Chile, por exemplo, prepara-se para inaugurar em 2019 a maior usina de energia solar do mundo, capaz de gerar 260 megawatts. Apressar-se para sair à frente nessa corrida será bom para o Brasil — e para o planeta.