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Com a globalização, o mundo produz mais, diz Scheinkman

Para o economista José Alexandre Scheinkman, a integração econômica aumenta a produtividade e melhora as condições de vida no mundo

Scheinkman: “A globalização só aumenta a necessidade de o Brasil fazer aquilo que precisa fazer há muito tempo” (Lia Lubambo/Exame)

Scheinkman: “A globalização só aumenta a necessidade de o Brasil fazer aquilo que precisa fazer há muito tempo” (Lia Lubambo/Exame)

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Flávia Furlan

Publicado em 1 de fevereiro de 2018 às 05h07.

Última atualização em 10 de outubro de 2019 às 16h46.

Um dos mais respeitados economistas brasileiros no exterior, o carioca José Alexandre Scheinkman afirma que a maior integração global traz benefícios que nem sempre são percebidos. Hoje, o fato de as empresas serem capazes de aproveitar o que cada país oferece de melhor, formando uma cadeia de produção global, aumenta a produtividade e favorece a todos. Para ele, que é professor na Universidade Colúmbia e professor emérito na Universidade Princeton, nos Estados Unidos, os países precisam investir na qualificação dos trabalhadores que perderam o emprego nesse processo. “As pessoas se esquecem de que estamos produzindo mais com menos quantidade de trabalho. Isso é bom para a sociedade como um todo”, diz.

Qual é a maior contribuição da globalização?

Um dos aspectos mais importantes é a facilitação do comércio internacional e do investimento. Isso permite que os países aproveitem suas vantagens comparativas, ou seja, ampliem as atividades que fazem bem e reduzam as que fazem mal. O comércio internacional também possibilita uma divisão da produção, o que leva a um ganho de escala e permite que investidores e firmas estrangeiras tragam para o país técnicas e métodos de produção mais eficientes. É algo muito benéfico para a economia.

Por que esse benefício não chega a toda a população?

Os economistas imaginavam que, havendo um ganho líquido, seria possível compartilhá-lo. Mas na prática isso nem sempre acontece, prejudicando uma parcela da população. Nos Estados  Unidos, esse grupo é formado por pessoas menos escolarizadas que ganhavam salários altos em comparação com trabalhadores de outros países. Nos anos 60, um americano que terminava o ensino médio e morava em Detroit poderia conseguir emprego numa montadora e ter uma vida próspera. Hoje, ele ficaria com os empregos de pior qualidade. Por isso, muitos estão decepcionados. Mas as pessoas se esquecem de que estamos produzindo mais com menos quantidade de trabalho. Isso é bom para a sociedade como um todo. O ideal é que os governos compensem aqueles que perderam o emprego, ajudando-os a estudar ou a se aposentar. Mas isso não foi feito, com algumas exceções.

Quais são as exceções?

Luxemburgo é um exemplo. O país tinha uma economia baseada na produção do aço. De repente, por causa da competição japonesa, nas décadas de 60 e 70, a indústria perdeu competitividade. O país, então, investiu em treinamento e se estabeleceu como um centro financeiro mundial, uma espécie de backoffice da Europa.

Por que os demais países não seguiram o exemplo?

No caso americano, há uma resistência forte a todo tipo de  intervenção do Estado. O governo americano teria de aumentar os gastos e cobrar mais impostos para ajudar as pessoas prejudicadas. Mesmo no Brasil, que é muito menos globalizado, houve setores que sofreram a concorrência estrangeira, e o país não fez nenhum programa de recolocação de trabalhadores.

O Brasil perdeu ou ganhou com a globalização?

Os países que mais se beneficiam são aqueles que estão ativamente perseguindo uma integração com o resto do mundo. Os países perdedores são os que não fizeram esse movimento. No caso do Brasil, não é que o país perca com isso, mas ganha menos do que poderia porque faz menos esforço para se integrar com o resto do mundo.

Qual seria o melhor caminho para o Brasil?

Deveria se integrar mais à economia mundial. Infelizmente, essas coisas acontecem em ondas. Houve uma época em que era relativamente fácil se integrar ao resto do mundo. Hoje, com Donald Trump na Presidência,  a impressão é que os Estados Unidos estão muito menos interessados em ampliar sua integração mundial. Eu não perderia tempo tentando fazer acordos comerciais com os Estados Unidos agora. Não parece um bom uso do tempo. Há, evidentemente, como fazer acordos com outros paí-ses, como os da União Europeia ou o Reino Unido. No fundo, a globalização só aumenta a necessidade de o Brasil fazer aquilo que precisa fazer há muito tempo: educar a população, criar um sistema de produção de tecnologia e oferecer condições para que as pessoas possam investir e produzir bem.

Estamos atrasados?

Há setores que conseguiram fazer isso bem, como o agronegócio. O agronegócio é eficiente, é altamente tecnológico e consegue competir com o mundo inteiro. Mas isso não surgiu de repente. É resultado de investimento em pesquisa. Acho que o Brasil precisa repetir o que fez na agricultura em outros setores.

Por que há tanta resistência?

Vários setores se beneficiam do fato de o Brasil se manter um país fechado, e eles têm muito poder político. A indústria automobilística brasileira é um exemplo. Ela defendeu várias medidas protecionistas para proteger sua produção local. Não é uma surpresa. Em qualquer país do mundo, existem setores assim. Mas certos sistemas políticos conseguiram diminuir a dependência desses setores.

É mais fácil fazer essas reformas agora que o mundo voltou a crescer?

Todo momento é bom para tomar essas medidas. Agora talvez seja o momento mais fácil. À medida que os países crescem, aumenta a arrecadação de recursos pelos governos. Se eles souberem gastar esses recursos de uma maneira melhor, poderão de fato fazer mais pelas pessoas, para enfrentar uma fase de transição.

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