Revista Exame

Café, sustentabilidade e mudanças climáticas: a estratégia net zero da Nespresso

Guillaume Le Cunff, presidente global da Nespresso, conversou exclusivamente com a EXAME em sua última visita ao Brasil

Guillaume Le Cunff, presidente global da Nespresso (Leandro Fonseca/Exame)

Guillaume Le Cunff, presidente global da Nespresso (Leandro Fonseca/Exame)

Marina Filippe
Marina Filippe

Repórter de ESG

Publicado em 16 de fevereiro de 2023 às 06h00.

Última atualização em 16 de fevereiro de 2023 às 07h34.

Em uma quente manhã de janeiro, o ritual de abertura da Nespresso no Shopping Rio Sul, com alguns poucos funcionários, foi modificado. Um grupo de cerca de dez funcionários, de diferentes cargos, utilizou o espaço para tomar café com Guillaume Le Cunff, presidente global da Nespresso, que estava acompanhado de Ignacio Marini, CEO da companhia no Brasil. “Algumas das pessoas que estão aqui eu vejo online semanalmente, mas nada se compara ao momento em que você se conecta fisicamente, fala de planos e demonstra sua gratidão”, disse Le Cunff, que não visitava o Rio de Janeiro havia 20 anos. Nos quatro dias em que esteve no Brasil, além da agenda no Rio de Janeiro, o executivo visitou três fazendas parceiras na região de Uberlândia, em Minas Gerais. Todas são referência em baixa emissão de carbono, e uma delas é até negativa em carbono, além de não utilizar pesticidas. 

A diminuição das emissões de carbono é uma das iniciativas do Programa Nespresso AAA de Qualidade Sustentável, iniciado há 20 anos para garantir uma produção de café que contribua com a preservação do meio ambiente. O programa hoje é parte central da estratégia net zero da empresa que massificou o café em cápsulas, e fazem parte dele as 1.289 fazendas que fornecem para a companhia no Brasil, o que faz do país um mercado estratégico. Mas há outros desafios além das emissões, cuja redução é fundamental para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. O aumento da reciclagem das cápsulas, o desenvolvimento de produtos mais sustentáveis e o engajamento dos consumidores nas pautas ESG são alguns deles. Confira os detalhes das ações na entrevista exclusiva para a EXAME. 

O programa de qualidade e sustentabilidade nas fazendas completa 20 anos em 2023. Quais são os aprendizados nessa jornada?

Estamos orgulhosos do que fizemos nos últimos 20 anos ao oferecer ferramentas e métricas para a melhoria das fazendas e da remuneração dos produtores de café. Mas a sustentabilidade é de fato uma jornada, e temos de acelerar algumas frentes. Por exemplo, planejamos ter zero emissão de carbono na produção de café até 2030, pois acreditamos que a economia de baixo carbono é o caminho a seguir, inclusive na produção das máquinas e em outros momentos do negócio para além das fazendas. Outro pilar importante é o da economia circular: reciclar o alumínio é uma forma, fazer cápsulas compostáveis é outra, e o desafio é ser totalmente circular. 

De todo modo, nos últimos 20 anos muita coisa tem acontecido. Desde 2009, por exemplo, reduzimos a pegada de carbono de um copo de Nespresso em 25%. E nossas ações auxiliam a Nestlé no objetivo de ser net zero até 2050 com base em metas alinhadas ao Science Based Targets initiative (SBTi) em referência também ao Acordo de Paris. Isso significa que, ao mesmo tempo, aumentamos a ambição de aonde queremos chegar.

O que o senhor tem visto de boas práticas no Brasil?

Nesta visita pude conhecer três fazendas, na região de Uberlândia, com pegada de carbono menor do que a média, sendo que a de uma delas negativa. São exemplos de que é possível atuar de forma cada vez mais sustentável. O trabalho que fazemos com esses parceiros é de assistência para que eles vejam valor na sustentabilidade, pois somos comprometidos com o processo de evolução ao acompanharmos todas as 140.000 fazendas AAA no mundo, coletar dados e medir os progressos. Essa fazenda que citei, negativa em pegada de carbono, tem práticas como a não utilização de pesticidas e outras ações sustentáveis. Ela está conosco há cinco anos, e é fascinante a troca de aprendizados entre nós. Além disso, a visita ao país é extremamente importante porque ele tem o maior volume de produção de café e é um dos maiores em hectares. 

(Leandro Fonseca/Exame)

As fazendas trabalham exclusivamente com a Nespresso?

Elas não trabalham exclusivamente com a Nespresso e podem vender o café para quem quiserem, mas preferem vender para nós porque há mais benefícios. Cerca de 95% do café compramos a um preço igual ou superior ao mínimo do mercado. Nos comprometermos a recompensar melhor os agricultores é também um plano para manter a próxima geração no negócio. Na fazenda que visitei, uma jovem de 13 anos disse que sabia que o que está sendo feito ali é o certo, que está preocupada com as mudanças climáticas, mas também sabe que há soluções.

Em 2021, pagamos um total de 45 milhões de francos suíços em despesas técnicas, suporte e prêmios para as participantes do Programa AAA. Além de pagar prêmios, uma boa maneira de impulsionar os rendimentos dos agricultores é por meio do apoio à agronomia, com uma equipe de mais de 490 agrônomos que fornecem assistência técnica para melhorar a gestão das fazendas. 

Isso é um compromisso de longo prazo para a evolução da sustentabilidade, e 90% das propriedades ficam com a gente porque estamos fazendo a coisa certa, em busca, por exemplo, da economia regenerativa. Pretendemos aumentar a produção do café nível bronze de qualidade de boas práticas de agricultura regenerativa pela Rainforest Alliance, que hoje representa 67% do total, para 95% até 2030. Outro ponto é que vamos escalar nossa agrofloresta ao plantar mais de 32 milhões de árvores até 2030 em parceria com a International Union for the Conservation of Nature para um papel de liderança na proteção e restauração da biodiversidade em áreas onde ocorre a cafeicultura.

Qual é o impacto das mudanças climáticas na produção de café, e como a Nespresso trabalha com esse desafio?

A mudança climática se tornou o maior desafio do agricultor. No Brasil, estamos falando de questões como a variação da temperatura e das chuvas. Na Colômbia, por exemplo, chove muito. Por isso, temos um trabalho para reviver as plantações de café. Um exemplo aconteceu em Porto Rico, quando o Furacão Maria, em setembro de 2017, atingiu mais de 80% dos cafezais. De lá para cá, um programa de regeneração da cafeicultura tem sido a força motriz por trás da linha Nespresso Reviving Origins, lançada em 2019. O programa visa oferecer treinamento para cafeicultores, a fim de aumentar a produtividade agrícola, e o apoio às usinas de processamento, conseguindo aumentar a qualidade do produto e a sustentabilidade das operações.

Com o Furacão Fiona impactando Porto Rico apenas cinco anos após o Furacão Maria, nos reunimos com parceiros para entender como podemos apoiar os esforços de socorro e recuperação, mas já percebemos menores danos desta vez. Objetivamente, não dá para dizer que o impacto atual foi 100% por causa do que fizemos, mas é inegável que a ação tem valor. Além disso, ao todo, cerca de 11.700 fazendas já foram, de alguma forma, beneficiadas pelo Reviving Origins.

O senhor disse que a circularidade é tão importante quanto o acompanhamento das fazendas. Como tem sido o trabalho nessa frente?

Sabemos da importância da reciclagem das cápsulas e que ainda não somos perfeitos nessa missão: reciclamos cerca de 25% do total produzido no mundo, mas a circularidade é uma obsessão. Para ter uma ideia, 40% das emissões de carbono são da produção do café; 20%, da energia ao utilizar a máquina; e 10%, das embalagens das cápsulas — o restante vem da produção da máquina, da distribuição etc. Todos os clientes da Nespresso têm a opção da reciclagem das cápsulas usadas, seja em um dos 300 pontos de coleta no Brasil e 100.000 no mundo, via logística reversa, seja pelo correio. Para aumentar os indicadores de reciclagem, precisamos que as pessoas sejam leais no retorno do resíduo. Outra questão sobre as cápsulas é que com elas não há café desperdiçado, diferentemente de outras formas de consumir a bebida, por exemplo. Isso é importante ao considerar os dados de emissões de carbono na produção. 

Como tornar o consumidor leal no processo de reciclagem?

O desafio é engajar o consumidor. Fazemos comunicações, promoções e ações que incentivam a devolução, pois temos um potencial grande para melhorar. Pensando nisso, fazemos parcerias também com governos. Um exemplo é o recém-anunciado programa SP+B, que é parte de um movimento para acelerar o desenvolvimento sustentável e engajar o setor privado nos desafios da cidade de São Paulo. Este é o primeiro ano de operação efetiva do SP+B, e o foco será convidar empresas para a autoavaliação do Sistema B, do qual já fazemos parte e, neste caso, participamos com foco em abraçar o pilar de economia circular para entender como acelerar mais essa agenda na cidade e reciclar tudo o que vendemos. 

Para além da reciclagem, a Nespresso está testando formatos como a cápsula de papel. Como é essa novidade?

No fim de 2022 anunciamos o lançamento de cápsulas compostáveis, feitas de papel. Inicialmente, as vendas ocorrem na França e na Suíça. Começamos esse projeto em 2020 e levamos esse tempo para desenvolver tecnologias, máquinas e tudo mais que fosse necessário para manter a qualidade da Nespresso em uma cápsula de papel.

Apesar de 80% do material da cápsula tradicional ser reciclado, percebemos essa demanda a partir de dados como o de que cerca de 45% dos franceses fazem compostagem doméstica de um ou mais tipos de resíduos biodegradáveis. Assim, fizemos pesquisas para definir o formato ideal da cápsula, o material utilizado e mais. Agora, entre o primeiro e o segundo trimestre deste ano, vamos começar a ouvir os feedbacks dos consumidores, especialmente a partir das conversas com os times nas butiques. Escolhemos fazer o piloto em dois países na Europa, mas assim que pudermos vamos ampliar para outras regiões.

(Leandro Fonseca/Exame)

Os consumidores, globalmente, estão realmente interessados na sustentabilidade?

Sim, e estamos aqui para prover mais opções para os consumidores. Além disso, não queremos que os produtos considerados sustentáveis sejam mais caros do que os modelos até então tradicionais. Muitos consumidores esperam que as marcas façam a coisa certa, e essa é mais uma oportunidade para engajar e explicar quem somos e como trabalhamos.

Além da visita às fazendas, o senhor esteve com alguns funcionários no Rio de Janeiro. Qual é sua agenda na cidade?

Minha última vez na cidade foi há 20 anos. Estamos nos reunindo online com frequência, mas nada se compara com o momento em que você se conecta pessoalmente com as pessoas e mostra sua gratidão. Todos tivemos momentos difíceis na pandemia, e esta é a hora de dizer “obrigado”. Quando a covid-19 começou, nos conectamos com os consumidores, os funcionários e as fazendas. Monitoramos todas essas frentes e nos mantivemos próximos para entender como ajudar em um momento tão delicado, em que cada um passou por algo diferente. As butiques fecharam, mas as fazendas e fábricas não pararam, e precisamos entender como estar presente e atender as necessidades de cada um deles. É bom estar de volta pessoalmente. 

Obviamente, esse momento também é importante para comentarmos resultados. Acabamos de divulgar nosso relatório de sustentabilidade. Fechamos um capítulo e fizemos um reforço da nossa visão de futuro. Não gosto muito da ideia de metas, mas precisamos deixar claro aonde queremos chegar e o que pretendemos fazer para isso. 

Como engajar os funcionários para que se envolvam com a sustentabilidade e repassem a mensagem aos consumidores?

Temos treinamentos regulares para os funcionários em butiques, assim como para toda a companhia. É uma questão de cultura. Somos uma empresa do Sistema B — certificada por visar o desenvolvimento social e ambiental no modelo de negócios — e, quando começamos esse processo há três anos, reforçamos o engajamento interno. É interessante perceber como, por exemplo, as pessoas das novas gerações são comprometidas porque trabalham numa empresa do Sistema B e entendem que estamos trabalhando para um mundo melhor, e explicar o que fazemos é parte disso. Para engajar e educar os funcionários, a Nespresso possui uma estratégia de treinamento, desde a imersão até a parte teórica. Ao longo do ano, organizamos agendas para levá-los às nossas fazendas, onde há uma experiência para entender como o café é cultivado e colhido, além dos diferenciais que o Programa Nespresso AAA de Qualidade Sustentável agrega e garante no sentido da proteção ambiental, do cuidado com as pessoas e da entrega de um produto de qualidade. Também realizamos visitas ao centro de reciclagem, durante as quais é possível entender todo o processo, além de promover o Nespresso Challenge, uma campanha de incentivo à reciclagem de cápsulas entre funcionários.

Além disso, temos uma agenda de treinamentos teóricos obrigatórios na plataforma de ensino digital da Nestlé, para educar os funcionários sobre os certificados que recebemos. O mais recente foi o que classifica a marca como uma Empresa B Certificada, com informações sobre todas as ações e dados avaliados sobre as práticas de impacto positivo que credenciaram a companhia.

Estamos falando do engajamento para a sustentabilidade entre os funcionários, mas o CEO tem um papel fundamental para mostrar a importância do tema. Como o senhor se dedica a isso?

Sustentabilidade é grande parte da minha agenda porque está de fato na estratégia de negócios. Tenho alguns momentos de olhar especificamente para o tema. Um deles é durante as reuniões do conselho de sustentabilidade. E há 26 funcionários em tempo integral na equipe de sustentabilidade na sede da Nespresso e em programas como o AAA. De todo modo, tenho conversas regulares do que precisa ser feito para ampliarmos nossas ambições e firmarmos parcerias com organizações que nos ajudem nos objetivos, como é o caso da Rainforest Alliance. 

Quando falamos dos pilares ESG e dos impactos climáticos, não podemos deixar de considerar temas como diversidade e inclusão. Como a Nespresso trabalha esse aspecto?

Esse é um assunto muito importante para nós. Não há como fazer a diferença no mundo sem abraçar a diversidade. Há uma prática diária que considera os desafios locais, visto que o Brasil tem uma realidade diferente da Suíça, por exemplo. No Brasil, 60% dos funcionários se identificam com o gênero feminino, e 74% da liderança é feminina. Além disso, fazemos parte de políticas da ­Nestlé, como uma revisão anual para o pagamento justo, eliminando diferenças ocasionadas exclusivamente por gênero. Outro ponto é que são 113 nacionalidades diferentes nas operações da marca. 

A diversidade é considerada também nas fazendas. Assim, a partir de 2023, o Índice de Igualdade de Gênero medirá o progresso em relação a dez principais indicadores, como o percentual de mulheres na agricultura, o percentual de mulheres liderando esses negócios e mais. 

De modo geral, nesse tema e nos demais do ESG, nossa meta para este ano é ser melhor do que fomos nas últimas décadas. Estamos orgulhosos do que fizemos, mas ainda não é o suficiente para termos o mundo que almejamos. Estamos atentos à economia mundial, continuamos inovando e lançando produtos, sempre pensando em como superar momentos desafiadores e gerar impacto positivo.  

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon