Revista Exame

Bloqueiros na web: quanto vale a opinião deles

Como as empresas estão fazendo aliados entre blogueiros — uma nova safra de formadores de opinião capaz de influenciar milhares de consumidores

Os blogueiros Tiago Dória, Caio Novaes e Ricardo Cobra: presentes, convites e produtos exclusivos (Germano Lüders/EXAME.com)

Os blogueiros Tiago Dória, Caio Novaes e Ricardo Cobra: presentes, convites e produtos exclusivos (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 29 de março de 2011 às 11h45.

O paulista Tiago Dória já se acostumou a passar pela portaria do prédio onde mora, no bairro do Sumaré, na zona oeste de São Paulo, e sair abarrotado de pacotes. Recentemente recebeu, por exemplo, uma barraca enviada pela Fiat. Neste ano, sua caixa de mensagens eletrônicas também passou a ficar atulhada com convites para eventos como festas, happy hours e seminários, vindos de empresas como a fabricante de celulares Nokia e a distribuidora de energia CPFL. Tanto interesse em torno de Dória, um jornalista de 28 anos, não se explica por seu potencial de consumo. Por trás do assédio insistente está outro atributo mais poderoso, iniciado de maneira despretensiosa há cinco anos e que hoje se tornou sua profissão: um blog sobre tecnologia e mídia. Dória entrou no radar de algumas corporações que se tornaram especialistas em rastrear blogueiros populares. O mesmo aconteceu com Caio Novaes, um estudante de publicidade de 24 anos que escreve sobre temas variados, como decoração e videogames, e na última semana de outubro recebeu de presente da Kellogg uma caixa especial com 3 quilos de Sucrilhos, suficiente para alimentá-lo nos cafés da manhã por quase cinco meses. E com Ricardo Cobra, de 33 anos, autor do blog Homem na Cozinha e presenteado pela Brastemp com um microondas feito exclusivamente para ele.

Dória, Novaes e Cobra simbolizam a transformação provocada pela internet no relacionamento entre empresas e consumidores. Num meio tão democrático quanto a web — em que cada um pode falar o que quiser, inclusive sobre produtos e serviços —, os blogueiros representam uma nova safra de formadores de opinião. Segundo estimativa do BlogBlogs, o maior indexador de blogs em língua portuguesa, existem hoje no Brasil cerca de 2 milhões de sites pessoais, volume que pelo menos dobra a cada ano. O que eles escrevem é lido por 12,3 milhões de brasileiros, mais da metade dos internautas do país. “Em todo o mundo, as companhias ainda estão descobrindo a melhor maneira de lidar com a internet”, diz Janet Shaner, diretora da área de marketing do programa de MBA da escola suíça de negócios IMD. “E elas estão vendo que os blogs são uma maneira eficiente de atingir os consumidores.” No Brasil, só recentemente as empresas enxergaram a tendência e começaram a cortejar os blogueiros. As companhias agora querem esses internautas como aliados, e a sedução pode vir em forma de brindes, viagens ou eventos (veja quadro).

O grande objetivo é pegar carona na credibilidade que os blogueiros têm com os leitores — e conquistar espaço nos posts publicados por eles. “O post é como o horário nobre da televisão, porque é a voz do autor, e não um simples anúncio”, diz Gustavo Fortes, sócio e diretor da agência de marketing Espalhe. Mas ganhar uma menção não é tarefa simples. É preciso convencer os blogueiros de que um novo produto, por exemplo, vale uma citação — e torcer para que o post seja positivo. (Blogueiros, em geral, não têm papas na língua para tecer críticas.) É um processo bem diferente em relação ao conduzido normalmente por marqueteiros, no qual todos os detalhes — desde a mensagem até a veiculação — são calculados. Por isso, jogar pelas regras dos blogs não é para qualquer um. “Um produto ruim é facilmente detonado por blogueiros”, diz Lucas Mello, sócio e diretor da agência de marketing LiveAd. Só em 2008, a agência desistiu de envolver blogs em campanhas de pelo menos dez produtos, considerados vulneráveis à acidez da blogosfera.

“Estamos delegando poder aos blogueiros”, diz Jerome Cadier, diretor de marketing da Whirlpool, dona da marca Brastemp. “É algo que nos deixa com receio, porque não temos controle sobre o resultado.” Em 2008, a Whirlpool investiu, pela primeira vez, no relacionamento da empresa com os blogs. Em junho, a companhia organizou um concurso entre internautas que pretendia selecionar estampas para uma série de adesivos para microondas. Para divulgar a competição, a Whirlpool e a agência Espalhe escolheram 22 blogs de culinária, design e cultura geral e produziram adesivos personalizados para cada um deles. Os desenhos disputaram o páreo de popularidade — o blogueiro que tivesse sua estampa eleita como a mais bonita numa votação entre internautas ganharia um microondas decorado com um adesivo da estampa. O resultado foi uma corrida entre blogueiros para angariar votos. “Deixei o post sobre o concurso como manchete do blog por dez dias”, diz o vencedor, Ricardo Cobra. A competição somou 70 000 acessos de internautas em dois meses. “Deu certo, mas o receio sempre existe”, diz Cadier.


Uma estratégia para se aproximar ainda mais dos blogueiros é abrir as portas da empresa e municiá-los de informação relevante. É o caso da Nokia. Cerca de 15 blogueiros recebem sob empréstimo os lançamentos da fabricante de celulares até dois meses antes de os modelos chegarem às lojas. Assim, eles podem testar e resenhar os produtos, o que ajuda a criar expectativa em torno do lançamento. A Microsoft reúne até 20 blogueiros em eventos sobre tecnologia realizados em sua sede, em São Paulo, e conduzidos por executivos da companhia. (O presidente da subsidiária brasileira, Michel Levy, já participou de um deles.) Em janeiro, a companhia chegou a pagar a viagem de um blogueiro para acompanhar a CES, maior feira de eletrônicos do mundo, nos Estados Unidos. O responsável pelo contato com a blogosfera é Galileu Vieira, gerente de novas tecnologias. Além de organizar encontros, Vieira faz conferências pela internet com blogueiros para esclarecer dúvidas em horários pouco ortodoxos. “Começamos às 9 horas da noite e podemos ir até a meia-noite, porque muita gente que faz blog também estuda e trabalha”, diz. Durante o dia, Vieira mantém contato com 15 blogueiros pelo MSN, programa de mensagens instantâneas da Microsoft.

A realidade da blogosfera é que mesmo ações bem recebidas por blogueiros e leitores não estão livres de críticas. Em setembro, a Kellogg promoveu uma campanha para lançar um novo sabor de Sucrilhos. Seis blogs foram convidados a participar da promoção, como o Brogui, do paulistano Caio Novaes, lido por jovens de 16 a 20 anos. Os blogueiros pediram aos leitores que enviassem uma foto de si mesmos ao acordar. Aqueles que estivessem no estado mais deplorável ganhariam um suprimento de quase 3 quilos de Sucrilhos. Os blogueiros também receberiam o prêmio. “Topei porque tanto eu quanto meus leitores ganharíamos”, diz Novaes. Em alguns dos blogs, a promoção foi anunciada diariamente. Segundo estimativas da agência LiveAd, 1,4 milhão de pessoas leu os textos sobre a promoção durante dez dias — quase 800 mensagens, entre fotos e comentários, foram enviadas pelos leitores. A empresa, porém, penou um período de maledicência na internet no fim de outubro, depois de um mês de encerrado o concurso. Como nenhum dos vencedores havia recebido seu quinhão, um blogueiro publicou uma queixa, o que iniciou protestos de leitores. A Kellogg respondeu que, pelo regulamento, teria até 31 de outubro para realizar a premiação — e os Sucrilhos chegaram aos 60 leitores e seis blogueiros premiados, segundo a companhia, dentro do prazo.

Seja qual for a estratégia, o fator crucial é evitar que a abordagem pareça um interesse em “comprar” o blogueiro. Pagar pelo espaço num post é algo que muitas empresas fazem e muitos blogueiros aceitam, mas é encarado com preconceito na blogosfera. Prova disso é a polêmica que se formou em torno do lançamento da bebida i9, da Coca-Cola, em julho. A empresa enviou uma minigeladeira e uma garrafa de i9 a nove blogueiros. A oferta foi noticiada por um site, que caracterizou os participantes como “blogs de aluguel”. O caso virou bate-boca virtual. Além de posts indignados, blogueiros publicaram um manifesto em defesa de sua independência editorial. Para a Coca, que nega ter feito qualquer pressão sobre os blogs por uma repercussão positiva, o episódio não reduziu o interesse pela blogosfera. “A espontaneidade dos blogueiros dá uma credibilidade que não conseguimos em outras mídias”, diz Ricardo Fort, diretor de marketing da Coca-Cola. “Saímos dessa ainda mais animados.”

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