Revista Exame

Extensão de marcas vale para produtos bem diferentes?

Cada vez mais empresas testam o limite da estratégia de extensão de marca no Brasil ao lançar novos produtos de categorias totalmente diferentes da que deu origem ao negócio


	Sede da Apple, na Califórnia: a marca mais valiosa do mundo fracassou nos anos 90, ao tentar levar seu nome para equipamentos de videogame
 (Mohammad Kheirkhah/EXAME.com)

Sede da Apple, na Califórnia: a marca mais valiosa do mundo fracassou nos anos 90, ao tentar levar seu nome para equipamentos de videogame (Mohammad Kheirkhah/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 16 de janeiro de 2014 às 18h17.

São Paulo - Por mais de um século, os produtos que levam a marca da montadora americana Ford só poderiam ser encontrados num único lugar — uma concessionária de automóveis. Mas, desde setembro, tornou-se possível achá-los também em lojas de eletrodomésticos.

Hoje, a marca aparece estampada em aparelhos como batedeiras e fornos elétricos. Desenvolvidos no Brasil, os itens já estão disponíveis em 45 000 pontos de venda no país e, se os planos derem certo, a empresa deverá fechar o ano com 100 000 peças vendidas.

Por meio de parceiros, a ideia é levá-los para 30 países, como México e Alemanha. Os lançamentos deste ano são um mergulho mais fundo da Ford na tentativa de ganhar dinheiro com sua marca. Em 2012, a empresa começou a oferecer uma variedade de 96 equipamentos, como furadeiras e serras elétricas, em 70 lojas do país. 

A extensão de marca é uma estratégia cada vez mais adotada por grandes empresas no Brasil. Um estudo realizado pela consultoria especializada em gestão de marcas Troiano com 456 marcas líderes em 64 categorias no país mostra que 80% delas têm pelo menos um produto diferente com a mesma marca.

Há apenas três anos o índice era de 60%. E ainda há espaço para crescer. Nos Estados Unidos, esse índice é de 95%. “É possível encontrar lançamentos cada vez mais distantes dos produtos originais”, diz Cecília Russo, consultora da Troiano e coordenadora da pesquisa. 

Em boa parte das experiências mais radicais, existe um acordo de licenciamento com uma fabricante especializada. Para empresas que compram licenças, a vantagem é óbvia. Com o empréstimo de um nome famoso, emplacar um produto novo tende a ser muito mais fácil. Para as donas das marcas, o peso de um eventual prejuízo também cai bastante quando o investimento fica nas mãos de uma parceira.

No caso dos eletrodomésticos Ford, por exemplo, todo o risco é da empresa brasileira NKS, que faturou 200 milhões de reais em 2012. Com a intenção de entrar no segmento mais sofisticado, a NKS buscou um acordo global de licenciamento com a Ford para ter exclusividade na fabricação de 20 itens até 2020.

Para conseguir a licença, foram necessários dois anos de negociação e a inspeção técnica das fábricas por técnicos da matriz americana. No caso das ferramentas, o risco ficou com o empresário Gustavo Dedivits, dono da importadora paulista Nine.


“Vamos iniciar uma campanha publicitária para tentar transformar a marca Ford em sinônimo de ferramenta”, afirma Dedivits, que se comprometeu a investir pelo menos 2% das receitas em publicidade e conquistou o direito de negociar a marca na categoria de ferramentas em todo o mundo.

Segundo especialistas, os casos mais bem-sucedidos não perdem de vista o consumidor original e suas aspirações. “É preciso manter a coerência entre os atributos dos produtos e o que os consumidores esperam daquela marca”, afirma Daniella Giavina-Bianchi, diretora executiva da consultoria de marketing Interbrand.

Esse princípio norteou a diversificação do portfólio da catarinense Mormaii, criada em 1976 como uma fabricante de roupas para surfistas. Hoje, a Mormaii tem 44 contratos de licenciamento e está em embalagens de barra de cereal, violões e até tablets. No contrato mais recente, montou uma rede de franquias de academias de pilates Mormaii.

Até o meio de 2014, serão inauguradas dez academias em cidades como Rio de Janeiro, Florianópolis e São Paulo. Os aparelhos de exercícios também serão licenciados pela Mormaii e ficarão disponíveis para a venda para outras academias. Hoje, itens como relógios, chinelos, roupas de passeio e óculos escuros correspondem à metade dos 350 milhões de reais que a empresa fatura por ano.

Como em todo contrato do tipo, a licenciadora recebe os royalties da operação, que variam de 5% a 10%, dependendo do acordo. O fundador e presidente da empresa, Marco Aurélio Raymundo, decidiu por esse caminho há cerca de 20 anos. Na época, sua fábrica produzia roupas, chinelos e bolsas, e o faturamento andava de lado.

Naquele momento, ele decidiu parar de fabricar e se tornou apenas um gestor da marca — a exemplo do que a americana Nike fizera nos anos 80 —, o que permitiu a expansão para outras categorias. A unidade de tanta diversificação é o estilo de vida dos consumidores. “Hoje somos uma licenciadora de produtos de bem-estar”, diz Raymundo. Até 2018, a empresa espera faturar 150 milhões de reais só com academias.

Para adotar a estratégia de maneira cautelosa, uma saída é fazer projetos temporários. Foi o caminho seguido pelos executivos da Unilever responsáveis pelo sorvete Magnum ao fechar um acordo com a fabricante de calçados gaúcha Grendene, dona da marca Melissa. A nova coleção chegou ao mercado na segunda quinzena de novembro.

As peças ganharam um cheiro de chocolate e a etiqueta com o nome do sorvete. A princípio, a ideia é mantê-los à venda por dois meses. Apesar de temporário, não está descartado que o projeto volte ou mesmo se torne permanente. Em 2004, a Grendene criou uma parceria, que nasceu temporária, com os designers paulistas Humberto e Fernando Campana.


Os irmãos desenharam modelos de sapatilhas que se tornaram sucesso de vendas e até hoje estão entre os mais vendidos. “O resultado vai ajudar a definir as próximas ações”, diz Isabel Masagão, gerente de marketing da Unilever.

Só um nome não basta

Mesmo para grandes empresas, nem sempre é simples expandir o portfólio de produtos, sobretudo quando se aventuram num segmento desconhecido. Em 2005, nos Estados Unidos, a fabricante de alimentos e bebidas Pepsico fez um acordo para lançar um brilho labial com sua marca de salgadinho Cheetos. O produto com aroma de queijo sumiu do mercado meses depois de ser lançado.

No meio dos insucessos, até a marca mais valiosa do mundo, a Apple, já teve um revés. Em 1996, a companhia criadora dos iPads e do iPhone associou-se à produtora de brinquedos japonesa Bandai e lançou o videogame Apple Bandai Pippin. O projeto foi abandonado com menos da metade dos consoles vendidos, cuja previsão inicial era de 100 000 unidades.

Na época, o preço de 599 dólares e as poucas opções de jogos foram entraves para que a primeira e única investida da empresa no mundo dos ­videogames desse certo. O concorrente, o PlayStation, da Sony, vendeu 104 milhões de unidades na mesma época.

“A pressão por produtos novos todos os anos faz as empresas cometer ­erros”, afirma Marcos Bedendo, especialista em gestão de marcas e professor da ESPM. “Muitas imaginam que só o nome forte basta para que um licenciamento dê certo.” Mas, como se vê, a equação nem sempre é tão óbvia.

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