Revista Exame

A aposta do Assaí para atrair as classes A e B para o atacarejo

A rede Assaí mais do que dobrou sua receita nos últimos cinco anos, surfando a onda dos atacarejos. Agora vai para cima da última fronteira do setor: o público mais abastado que também quer economia. O momento não poderia ser mais propício

Loja do Assaí na zona leste de São Paulo: vendas em alta com mais gente das classes A e B em busca de descontos (Germano Lüders/Exame)

Loja do Assaí na zona leste de São Paulo: vendas em alta com mais gente das classes A e B em busca de descontos (Germano Lüders/Exame)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 19 de maio de 2022 às 06h00.

Última atualização em 19 de maio de 2022 às 11h46.

Até pouco tempo atrás a imagem típica de um supermercado do tipo atacarejo era de uma loja com iluminação fraca, empilhadeiras com produtos largadas pelos corredores, fardos imensos de caixas de leite, pacotes de feijão ou latinhas de cerveja espalhados pelo chão e aquela sensação de pouca variedade de marcas no ambiente.

A depender da vontade do Assaí, segunda maior bandeira de varejo dedicada ao atacarejo no Brasil, com receitas de 45 bilhões de reais no ano passado, esse jeitão ficou definitivamente no passado. Um bom exemplo disso vem de uma das maiores lojas da rede, localizada no bairro de Aricanduva, na zona leste de São Paulo, com mais de 8.000 metros quadrados.

Ali, o cliente encontra corredores espaçosos como os de um supermercado de bairro nobre. A lâmpada de fato ilumina os rótulos dos produtos à venda. Uma cafeteria permite um descanso em meio às compras. O sortimento da loja chega a 9.000 produtos — 30% acima do patamar de oito anos atrás. Nos momentos de reposição com empilhadeira, o corredor inteiro é isolado para evitar transtornos. A fila está grande? Os atendentes têm um aparelho portátil para agilizar o check-out já na fila. Faltou um item? O mesmo aparelho rastreia o estoque em busca de opções para não deixar o cliente na mão.

Belmiro Gomes, CEO do Assaí há 11 anos: em busca de pontos em bairros nobres em grandes centros (Germano Lüders/Exame)

A loja do Aricanduva está longe de ser uma exceção no Assaí. Na Barra da Tijuca, bairro nobre do Rio de Janeiro, uma unidade aberta em dezembro do ano passado vai além: ela também tem açougue com carnes nobres, corredor de vinhos, empório de frios e seção de importados. Na inauguração, o campeão de vendas foi o uísque Blue Label Johnnie Walker — cada garrafa custa 750 reais.

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Com essas melhorias, e uma ajudinha da inflação, responsável por empurrar muitos consumidores de classe média aos atacarejos antes procurados somente por clientes com renda mais curta, esse tipo de varejo focado em vendas promocionais, e o Assaí em particular, tem ganhado cada vez mais espaço num público mais abastado disposto a economizar sem abrir mão de uma boa experiência de compra. “Quando melhoramos a ambientação e ampliamos o sortimento de produtos, conseguimos quebrar a barreira de resistência das classes mais elevadas com o modelo do atacarejo”, diz Belmiro Gomes, presidente do Assaí há 11 anos. 

(Arte/Exame)

O avanço para atingir esse público ganhou um reforço em outubro do ano passado com a compra pelo Assaí de 70 pontos comerciais da bandeira Extra Hiper, até então do Grupo Pão de Açúcar, num negócio de 5,2 bilhões de reais. Boa parte das unidades fica em bairros adensados (e valorizados) de grandes capitais, onde encontrar um terreno para erguer do zero um atacarejo do tipo operado pelo Assaí seria missão quase impossível. As lojas estão nesses locais há décadas.

Com isso, a rede ataca um dos maiores gargalos para o avanço dos atacarejos entre o público de maior renda: a localização. Após as conversões, o ­Assaí vai estrear em bairros nobres, como os arredores do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e o Belvedere, em Belo Horizonte. “Estamos avançando na última fronteira do atacarejo, que não é o Amapá ou o Acre, e sim as regiões mais adensadas das grandes capitais”, diz Gomes.

O Assaí corre para fazer as conversões quanto antes. Atual­mente, são 40 unidades em obras, algumas delas complexas. Apesar de os espaços já abrigarem hipermercados, em tese uma operação parecida com a de um atacarejo, a reforma exige mudanças estruturais do chão ao teto. A maior delas é no reforço do piso. Num atacarejo, o chão precisa suportar até 4 toneladas de produtos por metro quadrado — quase quatro vezes acima do usual num supermercado comum. Caso contrário, pode ceder com o peso de tantos produtos empilhados.

Por isso, o solo carece de pelo menos 20 centímetros de concreto. Feita em 2016, a conversão de uma loja do Extra Hiper em São Vicente, no litoral paulista, exigiu um reforço de mais de 1.000 estacas no solo. Embora complexa, a obra traz bons resultados. As lojas convertidas a Assaí quando a marca ainda fazia parte do Grupo Pão de Açúcar, em média, triplicaram as vendas após a mudança de bandeira. “A produtividade das lojas do Assaí é a maior do setor”, diz Lívia Rodrigues, analista de research da Ativa Investimentos. “Acreditamos que a conversão será positiva, com expansão do faturamento de forma rápida.”

Ao atender com mais força as classes A e B, o nó do Assaí daqui para a frente será manter seu diferencial: preços baixos. A compra no atacarejo é, em média, de 10% a 15% mais em conta do que num supermercado comum. Ao operar em bairros nobres e investir num serviço mais gourmetizado, o risco é deixar a operação mais cara. “O desafio é melhorar a experiência no sortimento de produtos e, ao mesmo tempo, manter o preço inferior ao de outros canais do varejo”, diz Roberto Butragueño Revenga, diretor da consultoria de varejo Nielsen IQ. “Essa será a grande questão do atacarejo nos próximos anos.”

Por isso, o Assaí tem no controle de custos uma obsessão. O estoque das lojas, em média com 2.000 metros quadrados, comporta vendas para até 30 dias. Assim, a rede economiza na logística da mercadoria entre o centro de distribuição e a loja em si. Com 217 unidades, o Assaí tem somente quatro centros de distribuição, dedicados basicamente às primeiras lojas da rede, menores que as demais. As mais recentes são abastecidas diretamente pelos fornecedores.

Fachada do Costco, nos Estados Unidos: mercado cash & carry, equivalente ao atacarejo do Brasil, também cresce por lá (Steve Heap/Getty Images)

Em outra ponta, o Assaí lançou mão de alternativas para melhorar a experiência de compra sem elevar custos. As lojas têm fachadas de vidro para facilitar a entrada de luz solar e a iluminação é feita com lâmpadas LED, mais econômicas. Em sete lojas a energia vem de miniusinas solares instaladas nelas mesmo. O ar-condicionado é do tipo termoacumulador, mais econômico.

O piso usa um concreto polido, que dispensa grandes manutenções. Tudo isso colocou o custo operacional de uma loja Assaí em 9% da receita média gerada pela unidade. Num hipermercado, a fatia supera 20%. Além de manter os preços baixos para os recém-chegados ao atacarejo, o esforço para domar custos é fundamental para fidelizar o cliente pessoa jurídica: até 50% das vendas vão para donos de pequenos mercadinhos de bairro, bares, restaurantes e lanchonetes, um público para o qual a economia é questão de sobrevivência do negócio.

(Arte/Exame)

Os esforços para manter a essência do atacarejo colaboraram para um ritmo de expansão acelerado no Assaí. A receita cresceu, em média, 25% ao ano nos últimos cinco anos. No período, o lucro triplicou: hoje está em mais de 1,6 bilhão de ­re­ais. A bonança coincidiu com uma presença física maior. O número de lojas saltou de 126 para 212 em 2021 e para 217 no primeiro trimestre de 2022. Só em 2021, foram 28 lojas novas. Para este ano, a meta é abrir mais 50, das quais 40 serão conversões de hipermercados Extra a serem inaugurados com a bandeira Assaí no segundo semestre. É um recorde na história da rede. 

Fundado na zona leste de São Paulo pelo empresário Rodolfo Jungi Nagai, comerciante local com experiência na venda de alimentos e bebidas, o negócio tinha 14 lojas quando o Grupo Pão de Açúcar adquiriu 60% da empresa, em 2007. Em três anos, a varejista fundada pela família Diniz comprou a empresa toda. Em 2011, Belmiro Gomes assumiu como CEO após 22 anos no Atacadão, maior rede de atacarejo do país, atualmente controlado pelo Carrefour. Com a chegada de Gomes, o Assaí passou a trabalhar com o modelo de lojas maiores e mais atraentes. Trata-se de um modelo aperfeiçoado com o tempo — as lojas recentes estão na 18a versão. 

De lá para cá, a rede abriu unidades em 24 estados e ficou maior que a própria bandeira Pão de Açúcar. Hoje são mais de 65.000 funcionários. Para garantir uma presença relevante mesmo longe da sede, na capital paulista, o jeito foi adotar um modelo de gestão por regionais. Atualmente são 11 equipes dedicadas às ­áreas comercial e de marketing em suas regiões. O sistema garante, por exemplo, que o sortimento de produtos e ofertas esteja alinhado com o desejo de consumidores em cada praça com presença da rede. “Concorremos com as redes locais, então preciso ter uma visão local para anunciar aos clientes de lá”, diz Anderson Castilho, vice-presidente de operações do Assaí.

Centro de distribuição da Amazon, em Cajamar (SP): vendas online ampliam a concorrência para o atacarejo (Leandro Fonseca/Exame)

Em 2017, o Assaí se tornou a bandeira de maior faturamento do Casino, grupo francês controlador do Grupo Pão de Açúcar, o que levantou a discussão sobre a separação dos negócios. A divisão foi concretizada em março do ano passado, e o Assaí passou a ser negociado na B3 com a sigla ASAI3. O Casino permaneceu como controlador das duas empresas.

Hoje o Assaí vale cerca de 20 bilhões de reais na bolsa brasileira, enquanto o Grupo Pão de Açúcar vale 5,7 bilhões de reais. Agora independente, o Assaí ganhou agilidade na tomada de decisão e foco em seu modelo de negócios, vantagens em relação aos concorrentes. O Atacadão, o maior do setor, com 250 lojas e receita de 59 bilhões de reais, está sob o guarda-chuva do Carrefour, dono de diversas bandeiras e com atuação em hipermercados, supermercados e mercados de conveniência. 

Outros players menores também seguem esse modelo, como é o caso do Max Atacadista, parte do grupo Muffato, um dos principais do Paraná, e do Mix Mateus, do Grupo Mateus, com presença forte no Nordeste. O Assaí não pretende entrar em outros modelos de mercado por ora, e vai focar em continuar a crescer no que já sabe fazer bem.

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Operar só no modelo de atacado é vantajoso em um período de inflação alta, porém pode ser menos atraente em períodos de economia mais mansa, quando o consumidor pode buscar mais conveniência do que preço. “Em um momento de inflação alta, o consumidor olha demais para o preço. Se os preços ficarem mais estáveis, ele poderá voltar a comprar mais no mercado de bairro”, diz Jéssica Costa, sócia da consultoria de varejo AGR Consultores. 

(Arte)

A aposta do Assaí é que, com uma rede mais próxima do consumidor e uma experiência de compra positiva o suficiente, a rede vai se manter na rota de compras do cliente, mesmo daquele com maior poder aquisitivo. Para isso, além da expansão de lojas, a rede tem avançado, de forma ainda tímida, nas vendas online. Recentemente, fechou parcerias com os apps de delivery Rappi e Cornershop para entregas de produtos comprados nas lojas. É uma forma de fazer frente à concorrência crescente de grandes players do comércio eletrônico, como a varejista Amazon. A direção do Assaí, contudo, tem alguma clareza de onde quer chegar.

A meta é ser como a rede americana Costco, que funciona no modelo de assinatura e vende para diferentes classes sociais nos Estados Unidos. Com mais de 800 lojas em 11 países, a rede teve 192 bilhões de dólares em vendas em 2021, um crescimento de 18% em relação a 2020. O setor de cash & carry (nome em inglês para “atacado de autosserviço”, outro nome do atacarejo) vem crescendo no Brasil e no mundo. Por aqui, o segmento quase dobrou de tamanho nos últimos cinco anos, e movimentou 99,6 bilhões de reais em 2021, segundo dados da Euromonitor. Para 2026, a expectativa é chegar a 145 bilhões de reais. Atualmente dois terços dos domicílios brasileiros compram no atacarejo, e 21,5% dos lares das classes A e B já usam o modelo, segundo dados da Nielsen IQ.

Posto de gasolina no Rio de Janeiro: inflação alta empurra classes A e B a atacarejos (Buda Mendes/Getty Images)

O momento de alta tem acirrado a disputa por território entre as grandes redes do país, em especial Atacadão e Assaí. Enquanto o Assaí aposta nas lojas do Extra para alavancar seu crescimento, o Atacadão fez algumas aquisições recentes importantes: em 2020, comprou 29 lojas do Makro, por 1,96 bilhão de reais, e em março de 2021 seu controlador Carrefour comprou o Grupo Big, por 7,5 bilhões de reais. Ambas as redes projetam um faturamento de 100 bilhões de reais para 2024. Nos últimos anos o ritmo de crescimento do Assaí foi mais rápido, mas ainda assim o Atacadão vem mantendo a dianteira. Apostar no atacarejo classe A é parte da estratégia do Assaí para virar esse jogo.  


AS FORTALEZAS DO ASSAÍ

LOGÍSTICA

O que a empresa faz: tem poucos centros de distribuição, apenas para as lojas mais antigas, que são menores. Nas demais, os produtos são entregues diretamente pela indústria. Para manter essa operação,
o Assaí possui grandes estoques em cada loja

O resultado: grandes estoques nas lojas, gerando economia na logística, pois não é preciso fazer o transporte dos produtos entre o centro de distribuição e as lojas

ENERGIA

O que a empresa faz: o sistema de ar-condicionado das lojas usa termoacumulador, mais eficiente do que o sistema comum; as lojas novas têm fachada de vidro, beneficiando a iluminação natural, além de iluminação 100% com lâmpadas LED. O Assaí também tem sete usinas solares fotovoltaicas para a geração de energia

O resultado: redução do custo de operação das lojas — as despesas operacionais são, em média, menos de 10% da receita das lojas — e alinhamento com metas de sustentabilidade

GESTÃO AMBIENTAL

O que a empresa faz: possui 11 diretorias regionais, que cuidam localmente das compras, de operações e de marketing, o que faz com que essas áreas sejam descentralizadas na rede

O resultado: as lojas possuem produtos e marcas típicos de suas regiões e conversam melhor com os fornecedores e consumidores locais, além de terem agilidade para tomar decisões


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