Revista Exame

As raízes do nosso fracasso educacional

Um livro-reportagem investiga as causas de crianças e adolescentes aprenderem tão pouco nas escolas brasileiras

Unidade da Escola Viva, no Espírito Santo: ensino público integral com atividades extras (Fred Loureiro/Secom-ES/Divulgação)

Unidade da Escola Viva, no Espírito Santo: ensino público integral com atividades extras (Fred Loureiro/Secom-ES/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 13 de setembro de 2018 às 05h31.

Última atualização em 13 de setembro de 2018 às 05h31.

Não resta dúvida de que vivemos uma crise fiscal e de crescimento econômico no Brasil. O déficit nas contas públicas e a perspectiva de termos mais uma década perdida certamente são patentes para o leitor de EXAME. No entanto, existe outra crise no país que merece tanto ou mais atenção. Ela é estrutural, histórica e limita o nosso potencial: a crise de aprendizagem. Precisamos parar de falar de educação de forma genérica e ir para os pontos que mais importam. O problema do Brasil é que as crianças e os adolescentes vão à escola e aprendem muito pouco. Nosso sistema educacional falha no que deveria ser sua missão principal: ensinar.

Esse fato não é novo, mas foi confirmado pelos dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), divulgados no início de setembro. No final do ensino fundamental, quando os estudantes têm em geral 14 ou 15 anos, o desempenho médio em matemática permaneceu estagnado: houve uma irrelevante variação de 0,8% desde 2015. E estacionamos num nível inaceitável. O aluno médio no 9o ano do ensino fundamental não sabe somar o preço de dois produtos que custam 15,90 e 3,60 reais. Quatro em cada cinco jovens no final do ensino fundamental não conseguem calcular um desconto de 20% em um produto que custe 50 reais.

Situação pior é a do ensino médio. Mais de 40% dos jovens não terminam o ciclo até os 19 anos. Ou seja, perdemos uma parte expressiva de nossos estudantes antes do final da educação básica. E os que chegam ao fim não estão muito melhor: eles sabem apenas um pouco mais do que quem termina o ensino fundamental. Esse desempenho está estagnado há mais de 20 anos. Vejamos um exemplo de língua portuguesa. O típico aluno que termina o ensino médio não consegue “reconhecer opiniões divergentes sobre o mesmo tema em diferentes textos”. Cerca de 70% deles não conseguiriam entender que o assunto deste artigo é o insucesso de nossa educação básica. O mesmo percentual não compreenderia um infográfico simples.

Afinal de contas, por que se aprende tão pouco nas escolas brasileiras? Esse é o tema principal do livro-reportagem País Mal Educado, que a Editora Record lança neste mês de setembro. O livro investiga as raízes de nossa crise de aprendizagem e mostra as alavancas que alguns estados e municípios brasileiros mexeram para conseguir aumentar de forma sustentada o aprendizado nas salas de aula. A boa notícia é que não nos faltam exemplos de quem consegue avançar — como os novos dados do Saeb novamente reforçam.

O Ceará tem um caso emblemático de sucesso. Seguindo muito do aprendizado das reformas educacionais de Sobral, a cidade mais bem colocada nos indicadores educacionais do país, o estado passou a apoiar intensivamente seus municípios na alfabetização. Nos últimos anos, começou a transformar as escolas de ensino médio, seguindo fórmula semelhante à de Pernambuco, também adotada pelo Espírito Santo com o conceito chamado de Escola Viva, de turno integral, com refeições. Com ensino fundamental e médio, a rede Escola Viva oferece, além do currículo obrigatório, atividades extras, de teatro a robótica, para preparar o aluno com competências “para a vida e o mercado”.

Os vizinhos pernambucanos criaram e difundiram um modelo de escola em tempo integral que foca o aprendizado no projeto de vida dos estudantes. O caso de Pernambuco está detalhado no livro. Ali, o leitor depara com a história de um executivo da multinacional holandesa Philips que decidiu largar tudo para criar e expandir um modelo de escolas em tempo integral. O livro inclusive compara essa política com o programa de escolas em tempo integral mais conhecido do país: os Centros Integrados de Educação Pública, criados no Rio de Janeiro por Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, ainda nos anos 80, e que fracassaram em melhorar o aprendizado ao longo dos anos 90.

Mas, além de difundir nossos exemplos de sucesso, precisamos olhar para a experiência de outros países. Não para copiar, mas para nos inspirar sobre mudanças estruturais que o Brasil precisa adotar. Nenhuma é tão crucial quanto as reformas para melhorar a atração, a seleção e a formação de professores. Afinal, pesquisas como as do professor de economia em Stanford Eric Hanushek mostram que não há outro fator dentro da escola que influencie o aprendizado tanto quanto a habilidade do professor. Singapura, Coreia do Sul e Finlândia tornaram o ingresso na carreira docente mais concorrido e mais seletivo. Também garantiram formação mais prática. Essa é a maior semelhança entre esses países que lideram rankings internacionais de educação.

Gustavo Capanema | Folhapress

No Brasil, só metade das vagas de pedagogia é preenchida. Entra na carreira quem quiser. Nas outras licenciaturas há queda contínua de inscritos. E estão sendo atraídos para essa carreira os estudantes com o pior desempenho na educação básica. Segundo o Movimento Todos pela Educação, 70% dos matriculados em pedagogia tiveram notas abaixo da média nacional no último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Pesquisas citadas no livro, como as da acadêmica Bernardete Gatti, mostram que apenas 4% do currículo de pedagogia é dedicado a teorias didáticas. Os maiores blocos de tempo estão com sociologia da educação e história da educação, disciplinas completamente distantes da prática de sala de aula. Pode parecer que apenas sistemas educacionais muito mais avançados que os nossos estejam investindo em melhorar a qualidade dos professores estruturalmente, mas o Chile é outro exemplo que tem apostado na capacitação do corpo docente.

O país andino vem fazendo esforços coordenados para melhorar a formação dos professores desde 2003. Entre outras ações, foi estabelecido um sistema de certificação de faculdades de educação condicionado à adoção de um currículo mais conectado com a prática, foi criado um sistema de avaliação dos profissionais que envolve a observação de aulas filmadas e iniciados programas para estimular estudantes mais bem posicionados no vestibular a ingressar nos cursos que levam à docência. Essas medidas foram tomadas por governos à esquerda, como Michelle Bachelet e Ricardo Lagos, mas também à direita, como Sebastian Piñera. E, de modo geral, não foram descontinuadas nas transições. Por aqui, alguns dos maiores casos de sucesso já documentados foram quase desmontados, como o Programa de Intervenção Pedagógica, em Minas Gerais, que de 2006 a 2014 oferecia tutores para apoiar a alfabetização, e as melhorias de gestão (2010-14) da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, sob a liderança do executivo Wilson Risolia, hoje presidente da consultoria Falconi.

Nossa incapacidade de sair do mesmo patamar no aprendizado dos estudantes demonstra que atingimos um teto. O Brasil precisa destravar seu potencial em educação. Para piorar, esse teto é baixo demais. E nosso atraso histórico é tamanho que requer ganhos acelerados no desempenho dos estudantes. Se houvesse uma corrida da qualidade da educação, o Brasil largaria bem depois de outros países. Afinal, a universalização do ensino fundamental aconteceu, no Brasil, 100 anos depois dos Estados Unidos. Nós adiamos a massificação do ensino público durante todo o século 20.

Em País Mal Educado, não se ignora a história. Por trás da relutância no Brasil em distribuir educação para toda a população pobre está uma visão tacanha de que uma elite intelectual guiaria a vida nacional e emanaria conhecimento para o restante da população. É assim que pensava o ministro da Educação mais longevo que o Brasil já teve, Gustavo Capanema, que ocupou o cargo durante os 11 anos finais da primeira passagem de Getúlio Vargas pela Presidência (portanto de 1934 a 1945).

Outra visão excludente era a de que seria necessário fazer uma prova de acesso ao ginásio, o que seria o equivalente ao segundo ciclo do ensino fundamental hoje. Crianças de 11 ou 12 anos eram impedidas de prosseguir estudando porque havia uma espécie de vestibular na rede pública para avançar. Some-se a isso toda a cultura de repetência, que tratava o aluno como culpado por não aprender. Em 1930, o Brasil reprovava sete em cada dez crianças no 1o ano do ensino fundamental. Cinquenta anos depois, pouco havia mudado: em 1980, reprovávamos seis em cada dez. Eram crianças de 7 anos de idade. Houve no país um cenário de exclusão educacional institucionalizada ao longo de todo o século 20.

É com a força desses dados que o livro tenta demolir mitos sobre a educação. Neste último exemplo, o mito derrubado é o de que a educação pública no passado era muito melhor. Ela era, na verdade, para poucos. Há muitos outros, como o de que o ambiente escolar não combina com as melhores práticas de gestão, que basta aumentar as horas na escola para oferecer educação integral e que a inteligência é inata — uns nascem com ela e outros não. Esses malentendidos, proliferados por todo o espectro político-ideológico, colaboram para que o Brasil tenha uma discussão pública rasa sobre o que fazer com suas escolas. A expectativa é que o livro ajude a jogar luz sobre os temas que verdadeiramente impactam o aprendizado. Afinal, em educação, esta é a pergunta que devemos sempre fazer: os nossos jovens estão, de fato, aprendendo?

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