Revista Exame

"A economia mundial não vai parar", diz economista do FMI

Segundo Olivier blanchard, economista-chefe do FMI, o PIB mundial crescerá em 2014 e, até o fim desta década, voltará a ter o ritmo de antes da crise


	Olivier Blanchard: “Os fatores que atrapalharam o crescimento mundial nos últimos anos estão perdendo força”
 (Stephen Jaffee/AFP)

Olivier Blanchard: “Os fatores que atrapalharam o crescimento mundial nos últimos anos estão perdendo força” (Stephen Jaffee/AFP)

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Da Redação

Publicado em 14 de fevereiro de 2014 às 12h51.

São Paulo - Quando assumiu o posto de economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) em 2008, Olivier Blanchard já era considerado um dos profissionais mais brilhantes de sua geração.

Autor de livros-textos usados em cursos de economia de todo o mundo, o francês, então com 59 anos, tinha no currículo uma longa carreira em universidades americanas — Harvard por seis anos e MIT por quase três décadas.

Em 2001, chegou a declinar do convite para ocupar o segundo cargo mais importante do FMI. Numa daquelas ironias do destino, finalmente mudou-se para Washington, sede da organização, poucos dias antes da quebra do banco Lehman Brothers.

Desde então, Blanchard tem mantido intacta sua fama de um dos grandes entre os economistas. Até mesmo o Nobel Paul Krugman, que não costuma poupar ninguém das críticas incessantes que dispara, tem se referido a Blanchard como sensato e inteligente. Da sede do FMI, pelo telefone, Blanchard deu a seguinte entrevista a EXAME. 

EXAME - Nos últimos anos, o FMI tem feito previsões sobre a economia mundial que acabaram se provando otimistas demais. A economia global não corre o perigo de uma estagnação?

Olivier Blanchard - De fato, nos últimos dois anos e meio tivemos de revisar para baixo nossas estimativas. Os freios do crescimento, em particular o alto endividamento e a situação de fragilidade dos bancos, foram mais fortes do que prevíamos. Por causa da alta dívida pública, os governos viram-se obrigados a apertar os cintos.

Em razão do endividamento das famílias, os consumidores passaram a comprar menos. Nesse contexto, as empresas acabaram freando os investimentos. Os bancos, por sua vez, enfraquecidos, reduziram o crédito.

Todo esse movimento foi mais forte do que esperávamos primeiramente. Mas, olhando para a frente, vemos que esses fatores vão perdendo força. Não prevemos estagnação para a economia mundial.

EXAME - O potencial de crescimento do mundo caiu nos últimos anos?

Olivier Blanchard - Não muito. Estamos prevendo cerca de 4% de crescimento do PIB mundial para 2018, percentual em linha com o que vimos de 2000 a 2007. Claro que nem tudo será igual. O papel dos países emergentes será maior do que antes porque a participação deles no PIB global cresceu.

As economias avançadas não vão conseguir compensar tudo o que foi perdido devido à crise, mas suas taxas de crescimento deverão voltar, mais ou menos, aos níveis anteriores a 2007. 


EXAME - Na última edição da publicação Panorama Econômico Mundial, anunciada em outubro, o FMI estimou que o PIB global vai crescer 3,6% em 2014. Os Estados Unidos deverão avançar 2,6%, a União Europeia e o Japão deverão crescer 1,2%, a China, 7,2%, e o Brasil, 2,5%. Esses números serão modificados na revisão que será feita em janeiro?

Olivier Blanchard - Estamos no meio do processo de computar todos os números. Portanto, é cedo demais para falar em revisões. No geral, tudo está ­caminhando, mais ou menos, como o esperado. O crescimento americano está sólido. Lento devido à grande consolidação fiscal, é certo, mas as coisas deverão melhorar um pouco em 2014. A demanda privada está forte.

Na Europa, o pior já passou, e devemos ver crescimento em 2014. O país que nos surpreendeu positivamente desde outubro foi o Reino Unido, onde o crescimento tem sido mais forte do que prevíamos. As notícias que vêm do Japão são boas. Claro que a depreciação do iene e o estímulo fiscal ajudaram, mas a confiança dos consumidores também está aumentando.

Um dos principais problemas que o Japão precisa enfrentar é o ritmo do ajuste fiscal. A dívida é alta, e o déficit fiscal, muito elevado. Mas, se as autoridades decidirem reduzir o déficit de forma muito rápida, poderão matar o crescimento econômico. Caso sejam muito lentas, correrão o risco de perder a credibilidade. Dito isso, por enquanto, as notícias são boas. 

EXAME - Recentemente, o crescimento tem caído nos países emergentes. Essa queda é cíclica ou é resultado da redução do potencial de crescimento do PIB dessas nações?

Olivier Blanchard - Ainda não está claro. Se tivesse de adivinhar, com base nos dados que tenho em mãos hoje, diria que o potencial de crescimento dos emergentes será no futuro menor do que o que vimos de 2000 a 2010. Na primeira década deste século, o ambiente global estava bastante favorável.

Tínhamos juros baixos, preços de commodities bastante altos e, até o estouro da crise econômica global, crescimento relativamente forte nos países ricos. Olhando para o futuro, essas condições não serão tão boas e, por isso, o crescimento potencial será um pouco menor.

De quanto será essa queda é difícil dizer. Quanto da atual queda do crescimento econômico dos emergentes está relacionado a fatores cíclicos e quanto tem a ver com o potencial de crescimento, isso depende de cada país.

EXAME - Com base nos dados e nas informações que o senhor tem, qual seria o caso do Brasil?

Olivier Blanchard - A economia brasileira cresceu muito em 2010 e depois desacelerou. Isso claramente foi cíclico. Mas, examinando a situação da economia brasileira num escopo maior de tempo, é possível dizer que o país tem tido um crescimento relativamente baixo.

A principal causa é, provavelmente, sua baixa taxa de investimento. Mesmo comparado a outros países com o mesmo nível de desenvolvimento, o Brasil investe pouco. Parte da explicação para isso é a infraestrutura deficitária.


Por isso, as medidas recentemente tomadas pelo governo para ampliar a infraestrutura são positivas. Além de ampliar o investimento direto, também servem como mola propulsora para os investimentos privados.

EXAME - O governo brasileiro diz, em sua defesa, que baixou as tarifas do setor de energia, reduziu impostos e concedeu aeroportos e rodovias para a iniciativa privada. Por outro lado, a confiança no meio empresarial segue em baixa. O que explica isso?

Olivier Blanchard - Acredito que a falta de confiança do setor empresarial não está relacionada a medidas específicas, mas a incertezas na condução das políticas. Existe a impressão de que o país está patinando um pouco nos aspectos fiscais e há dúvidas sobre a atuação dos bancos estatais.

EXAME - Até que ponto a credibilidade da política fiscal do Brasil foi enfraquecida?

Olivier Blanchard - A estrutura fiscal brasileira é, no geral, sólida. No passado recente, entretanto, houve certa dúvida sobre como o governo alcançou o superávit primário. Quanto a isso, há duas coisas a dizer. Seria bom ter um superávit um pouco maior, o que colocaria a dívida numa clara tendência de queda.

E, claro, seria bom que isso ocorresse sem medidas extraordinárias, como foi o caso no passado recente. Essas medidas lançaram algumas dúvidas sobre o grau de comprometimento do governo brasileiro com a responsabilidade fiscal.

EXAME - O Brasil está preparado para enfrentar a saída de investidores atraídos pelo mercado americano?

Olivier Blanchard - Com o anúncio da mudança na política monetária americana, tivemos volatilidade nos fluxos de capital. Está claro que parte dos capitais que foram para o Brasil e para outros países mudará de direção por causa da perspectiva de aumento de juros nos Estados Unidos. Esse processo não acontecerá sem sobressaltos.

Paí­ses como o Brasil devem estar preparados para que sua moeda se desvalorize — embora eu ache que uma parte significativa dessa desvalorização já tenha ocorrido. Mas é preciso dizer que, entre os emergentes, o Brasil está em uma boa posição.

O país lidou bem na época em que os capitais estavam entrando em grandes quantidades. Hoje, tem grandes reservas e ferramentas para lidar com a pressão gerada pela saída de dólares.

EXAME - A China, principal destino dos produtos brasileiros, parece estar numa fase de transição. O modelo de crescimento chinês está perdendo a força?

Olivier Blanchard - A China pode continuar crescendo fortemente. Talvez não os 10% anuais de outros tempos, mas algo em torno de 7% ou 8% é factível. Não estamos prevendo nenhuma catástrofe. A China deve equilibrar seu crescimento, com menos peso para as exportações e mais para o mercado doméstico.

O plano quinquenal agora em curso e as reformas anunciadas recentemente vão nessa direção. Se de fato a China conseguir fazer a transição nos próximos dez anos, o mundo inteiro sentirá os efeitos. Numa economia mais voltada para o consumo e para o setor de serviços, a demanda por commodities cai, o que, em se tratando da China, afeta os preços globais.

EXAME - Como essa queda dos preços das commodities afetará o Brasil?

Olivier Blanchard - Primeiro é preciso falar na dimensão desse fenômeno. Se houvesse uma grande redução no crescimento da China, o que achamos que não vai acontecer, poderia ocorrer uma grande queda nos preços das commodities, e a América Latina definitivamente sentiria muito. Como acreditamos num reequilíbrio da economia chinesa, achamos que os preços das commodities deverão cair pouco.

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