Revista Exame

A China para o mundo ver

Embarcamos em uma viagem à China, gigante asiático que já foi mais conectado a visitantes e a negócios internacionais. Vimos um país que segue na ponta em tecnologia, mas que tenta encantar o Ocidente também com cultura e tradições

Bund: região turística com prédios ocidentais  (Leandro Fonseca/Exame)

Bund: região turística com prédios ocidentais (Leandro Fonseca/Exame)

Publicado em 18 de outubro de 2024 às 06h00.

Após quase 36 horas de viagem, a equipe da EXAME desembarca em Hangzhou, a capital da província de Zhejiang, no leste da China. A região é pouco conhecida no Brasil. Mas deste estado chinês saem mais de 500 bilhões de dólares de produtos para todo o mundo por ano. Estamos aqui a convite do China Media Group, conglomerado de comunicação chinês, para apresentar o modelo de desenvolvimento do país tendo em vista os 50 anos de relação entre Brasil e China.

De Hangzhou, a EXAME ruma para Yiwu. Os importadores a conhecem muito bem. “É uma fábrica de milionários”, diz o brasileiro Claus Malamamud, o Mr. China, que atua na cidade há 15 anos. Essa cidade “pequena” de 2 milhões de habitantes abriga o maior centro comercial de pequenos produtos do mundo. Dali saem um de cada quatro brinquedos que estão nas lojas do mundo e 80% das decorações de natal. O complexo comercial de 4.000 metros quadrados da cidade reúne 75.000 lojas, quase todas plugadas a fábricas locais, em cinco distritos que vendem de tudo, e materializa a frase “Made in China”. Cada prédio tem até cinco andares de altura, e cada piso comporta 1.100 lojas. A cidade, como quase tudo na China, é nova. Yiwu tem uma das maiores rendas per capita do país entre cidades com seu porte — na China, há sete níveis administrativos, de província a vila. Nas ruas, Ferraris, Porsches e Teslas desfilam pelas vias de trânsito organizado. Já nas vielas labirínticas do mercado internacional, chamam a atenção comerciantes de origem árabe e russa — e muitos latinos. Uma pequena loja era forrada, do teto ao chão, de ímãs de geladeira e outros souvenirs. Ali, três colombianos negociavam os detalhes de sua próxima encomenda para a rede de lojas que detêm em Medelín. “Estamos aqui de três em três meses aproximadamente”, disse à EXAME um deles. Casos assim são comuns. Agora os negócios da cidade buscam ir além da produção em massa e tentam criar marcas poderosas para competir internacionalmente com produtos do Ocidente. É o caso da empresa Jortan, que fabrica câmeras de vigilância. Eles exportam 2 milhões de unidades anualmente ao Brasil, maior comprador da mercadoria e responsável por 40% da receita. A venda para cá começou há 20 anos, e a companhia projeta uma meta agressiva de chegar a 3 milhões de unidades vendidas ao país em 2024, com uma nova linha de produção.

De Yiwu e sua efervescência, vamos a Youbu, uma vila milenar que se tornou estância turística. O vilarejo é famoso pelo café da manhã que acontece em suas ruas. Fornos antigos, feitos de barris de madeira e nos quais pães eram assados colados às laterais, inundam o ambiente com cheiro de gergelim torrado.

De lá, rumamos para outra vila histórica, a Zhuge Liang Bagua. Mas, no caminho, visitamos a fábrica da ZX Packing, uma empresa que transforma o bagaço da cana-de-açúcar em descartáveis, como copos e pratos. A empresa tem contrato para fornecer 2 bilhões de tampas de copo de café por ano para o Starbucks. Hoje, as tampas dos célebres copos de café ainda usam plástico. Na unidade, chama a atenção uma foto, logo na entrada, do presidente chinês Xi Jinping em uma visita. Os executivos garantem que têm planos para estabelecer operações no Brasil. A companhia iniciou como uma processadora de bagaço de cana, e viu nas tendências de proibição de plástico na União Europeia e em outros lugares do mundo uma oportunidade de negócio promissora.

Contrastamos o frenesi produtivo dessas unidades com a vila Zhuge Liang Bagua. Com 200 casas tradicionais, construídas por herdeiros do filósofo Zhuge Liang há 400 anos, pode-se sentir um pouco da vida da época. Liang foi um importante doutrinador chinês há 2.000 anos. Seguimos viagem para os estúdios Hengdian, a “Hollywood da China”. Trata-se de um complexo de entretenimento de 500.000 metros quadrados, com 30 cidades cenográficas e 130 estúdios internos onde foram filmadas superproduções como Herói, de 2002. O complexo recebe 20 milhões de turistas anualmente e fatura 3 bilhões de dólares. Mais de 80.000 figurantes trabalham nas produções locais anualmente. A principal atração é uma réplica em tamanho real da Cidade Proibida, uma das principais atrações turísticas chinesas.

De lá, dirigimos 300 quilômetros em direção a Xangai, a capital financeira da China. Nas imediações da metrópole, visitamos a fábrica da Feipeng UAV, o braço civil do conglomerado chinês aeroespacial. Eles se especializam em drones. A equipe da EXAME foi recebida por um dos drones, que trouxe bebidas de uma cafeteira local a alguns quilômetros de distância. Com instalações de grande porte e alta tecnologia, saem dali alguns dos drones mais modernos do planeta. A empresa vê bastante potencial de exportá-los ao Brasil, sobretudo para uso no campo. A fábrica é o primeiro passo para Xangai. Na metrópole, pode-se ver a pujança da economia chinesa, com arranha-céus, construções modernas e muitos carros elétricos. Impressionam a organização do trânsito e o silêncio. Além dos automóveis elétricos, é proibido buzinar — hábito que há algumas décadas tornava a qualidade de vida em zonas urbanas chinesas insuportável. Na cidade, conhecemos o distrito de Yangpu, um antigo cinturão industrial decadente onde o governo construiu um hub de inovação. Ali, um centro de cooperação entre empresas brasileiras e chinesas busca ser “uma janela” entre os dois países. Temos também a oportunidade de visitar as sedes de empresas brasileiras com grandes operações na China, como a Vale e a Suzano.

O próximo destino é Pequim, a capital da China. E o caminho não poderia ser mais interessante: percorremos os 1.200 quilômetros entre Xangai e Pequim de trem-bala em menos de quatro horas. No coração administrativo do país, novamente passeamos entre o inovador e o tradicional. Visitamos a sede do Apollo Go, o braço de carros autônomos do gigante de tecnologia Baidu. Embarcamos no carro sem motorista, que percorre 10 quilômetros com a EXAME e mostra que a tecnologia parece confiável. Já há 1.000 veículos da empresa rodando em Wuhan. De Pequim, a equipe do Apollo monitora em tempo real as viagens. A empresa busca parcerias para levar sua tecnologia para outros países. No centro urbano da capital, uma enxurrada de bicicletas elétricas serve como um dos principais meios de transporte da população — além do metrô da capital, com 27 linhas. Nossa estadia se encerra com uma visita à Muralha da China, o cartão-postal mais famoso do país. O passeio nos lembra que o gigante asiático é uma civilização com 5.000 anos, que se apoia nessa tradição para tentar construir um futuro e manter o nível de prosperidade.

A china tem muitos desafios. A população envelhece rapidamente, o que diminui a oferta de trabalhadores e pressiona o sistema previdenciário. Assim, o próximo avanço terá de vir da produtividade econômica. Em nossa viagem, vimos inúmeras tentativas de estar na ponta da tecnologia. Ao mesmo tempo, a centralização econômica no Estado é constantemente criticada por analistas. Na maior parte das empresas que visitamos, há alguma participação estatal — e as fotografias de membros do Partido Comunista estão por todos os lados. Até aqui, o país investiu pesadamente em infraestrutura e no setor imobiliário. Nas estradas, vimos alguns complexos residenciais que, à noite, tinham todas as luzes apagadas, sugerindo que não havia pessoas morando ali. Mais de 30% do PIB chinês está concentrado no setor de construção, que mostra sinais de esgotamento. Apesar dos obstáculos, a China se movimenta com força. Na esteira dos 50 anos das relações entre Brasil e China, a grande expectativa entre os chineses é a visita de Xi Jinping a Brasília e ao Rio de Janeiro, em novembro, quando irá ao G20 e terá encontros bilaterais com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Esperam-se anúncios de peso entre os países na ocasião. Para o Brasil, são muitas as lições de casa que vêm da China. Mas, como comentou à EXAME o embaixador brasileiro na China, Marcos Galvão, talvez o primeiro desafio é sermos conhecidos no gigante asiático para além do futebol e da soja.

* Os jornalistas viajaram a convite do China Media Group

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