Revista Exame

A batalha das reformas ficou concreta; veja o que elas propõem

Impopular e acossado por denúncias, o governo Temer tenta passar uma agenda ambiciosa de mudanças. Se falhar, a recessão vai voltar

vozes do contra: protestos nas ruas fazem parte da nova etapa da briga pelas reformas (Miguel Schincariol/AFP)

vozes do contra: protestos nas ruas fazem parte da nova etapa da briga pelas reformas (Miguel Schincariol/AFP)

LP

Luciano Pádua

Publicado em 19 de abril de 2017 às 14h27.

Última atualização em 19 de junho de 2017 às 19h02.

São Paulo – Após ficar meses restrita aos círculos de políticos, empresários e analistas, a discussão sobre uma agenda de reformas para o país começou a ganhar as ruas nas últimas semanas. Os ânimos foram insuflados especialmente com a aprovação no Congresso do projeto de lei que libera a terceirização de atividades das empresas, no dia 22 de março. Daí por diante, o que para muitos era mera abstração virou algo concreto.

No buscador do Google, o termo “terceirização” atingiu o pico histórico de pesquisa, e o barulho dos opositores à lei começou a se propagar. Sindicatos já haviam convocado um dia de greve geral na semana que antecedeu a aprovação da lei, afetando a vida de milhões de pessoas país afora. Em 31 de março, os manifestantes voltaram às ruas de diversas capitais para protestar contra as mudanças propostas por Temer.  Uma nova parada geral está sendo apontada para 28 de abril.

Enquanto as manifestações públicas ganham corpo, o governo corre contra o tempo para aprovar as reformas no Congresso — o prazo é até o fim do ano, antes que estoure de vez a disputa eleitoral de 2018. Em Brasília, a vitória apertada da terceirização na Câmara serviu de alerta. O resultado — 231 votos a favor e 188 contra — mostrou a necessidade de reforçar a articulação política para angariar apoio naquela que é considerada pelo governo sua principal batalha: a reformulação da Previdência Social, para a qual são necessários 308 votos entre 513 parlamentares.

Nas últimas semanas, os deputados, mesmo os da base aliada, vêm mostrando crescente desconforto com os termos da mudança no regime de aposentadorias. Mais de 160 emendas foram enviadas à comissão que trata da matéria. As negociações estão a todo vapor. “A reforma da Previdência é o centro de nossas prioridades e estamos dedicando todo o nosso empenho à sua aprovação”, diz o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. “Não admito a ideia de uma reforma ‘aguada’.” O discurso é afiado, mas a batalha para aprovar as reformas está mais dura do que inicialmente se pensava — e exigirá muito de Temer e seus aliados.

O que joga contra Temer? Tradicionalmente, cabe a presidentes eleitos e com ampla popularidade propor a agenda de reformas de um país. Em tese, como têm muito capital político com os parlamentares e contam com a força das urnas para levar à frente suas ideias, os recém-empossados teriam tudo para aproveitar o início de mandato fazendo mudanças ambiciosas. Como se sabe, a trajetória de Temer não tem nada a ver com a tradicional. Seu mandato veio por herança com o afastamento de Dilma Rousseff. Recaem sobre ele os riscos da Lava-Jato e o processo que pode levar à cassação da chapa de 2014 (junto com Dilma) no Tribunal Superior Eleitoral.

Apenas um em cada dez brasileiros aprova sua gestão, segundo a última pesquisa de opinião do instituto Ibope, divulgada em março — e o dado pode piorar com a previsão de que o desemprego atingirá picos históricos em meados do ano. Os políticos naturalmente hesitam em votar com o governo, uma vez que os resultados das reformas demoram a aparecer para cidadãos e empresas e a pressão nas ruas pode aumentar com a divulgação da lista de envolvidos nas delações da empreiteira Odebrecht na Lava-Jato.

Mas é preciso reconhecer: mesmo com tantos fatores contrários, Temer pôs em marcha uma agenda agressiva. O que motiva o ímpeto reformista é o senso de sobrevivência da classe política brasileira. O país ainda tenta superar os resquícios da maior crise econômica de sua história. Os últimos dados oficiais sacramentaram um encolhimento de 7,2% do produto interno bruto no conjunto de 2015 e 2016. O avanço da agenda de reformas é fundamental para o Brasil retomar o crescimento.

Sem elas, é certo que a crise voltará a se aprofundar. E, com isso, as chances de deputados, senadores e governadores ficarão mais limitadas nas eleições de 2018. “O custo de não fazer as reformas é tão grande para a classe política que gera um incentivo tremendo para que haja apoio a elas”, diz Christopher Garman, chefe de pesquisas para mercados emergentes da consultoria Eurasia. “Por isso atribuímos uma probabilidade alta à aprovação das principais medidas.”

Efeito cascata

Como disse o ministro Padilha, na lista de propostas do governo, a Previdência é a número 1. “Não fazer a reforma da Previdência significa jogar o Brasil novamente em recessão ainda em 2017”, diz Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados. A lógica é que, sem a reforma, o governo teria dificuldade em controlar as contas, e a dívida pública continuaria a crescer aceleradamente, aumentando o risco  de calote.

O efeito no curto prazo seria o aborto da incipiente volta da confiança dos investidores e das empresas. Investimentos ficariam congelados, levando a uma nova espiral de incerteza quanto ao futuro — desarranjo que o Brasil conheceu bem nos últimos dois anos. De acordo com uma estimativa da MB, com a reforma da Previdência, o Brasil poderia crescer 1% em 2017 e 2,6% em 2018. Sem ela, a economia recairia no negativo. Em março, a agência de classificação de risco Moody’s mudou a perspectiva da nota brasileira de negativa para estável. Foi uma promoção, mas, segundo a agência, a nota pode piorar se as autoridades não reverterem as condições que levaram ao crescimento da dívida pública.

Num cenário otimista, se as propostas de mudanças encaminhadas vingarem, mesmo com um mandato curto, o governo Temer se destacará entre os mais reformistas das últimas décadas. Desde o início dos anos 90, o Brasil passou por sucessivas reformas. A abertura comercial dos anos Collor, a estabilização da inflação iniciada no governo Itamar Franco e os programas de privatização de Fernando Henrique Cardoso foram fundamentais para modernizar o país.

Iniciativas mais pontuais também ajudaram a corrigir problemas crônicos. Por exemplo: a medida adotada em 2004, pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, para facilitar a retomada de um automóvel financiado, em caso de inadimplência, permitiu a redução dos juros no financiamento e a expansão do mercado de carros ao longo de uma década. Fazer reformas, portanto, significa liberar crescimento potencial represado. Cada uma das mudanças feitas foi importante, mas a lista de disfunções na economia brasileira pedia — e pede — muito mais conserto. E, pior, após a crise mundial de 2009, parte das conquistas recentes foi anulada.

“As reformas que estão sendo propostas tentam corrigir medidas equivocadas dos últimos dez anos”, diz o economista Marcos Lisboa, presidente da escola de negócios Insper e membro da equipe do Ministério da Fazenda que fez reformas microeconômicas no primeiro mandato de Lula. O afrouxamento de regras como a Lei de Responsabilidade Fiscal gerou uma nova crise nas finanças estaduais.

“Quem imaginaria que, em 2017, estaríamos novamente fazendo uma renegociação da União com os estados? Parece que voltamos aos anos 90”, diz o economista Celso Toledo, diretor da consultoria LCA e colunista do aplicativo EXAME Hoje. Agora, o governo Temer começa a ser comparado a um dos períodos mais produtivos em termos de reformas, o dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. EXAME esmiúça as principais propostas de reforma, sua chance de aprovação e os problemas que tentam solucionar.

A reforma trabalhista

A primeira fagulha que incendiou as discussões sobre as reformas veio do campo trabalhista. Em 31 de março, Temer sancionou uma mudança histórica: a regulamentação da terceirização. Segundo a nova lei, qualquer atividade de uma empresa pode ser terceirizada, acabando com a divisão entre atividade-fim e atividade-meio, peculiaridade brasileira que dá margem à insegurança jurídica. A aprovação da proposta gerou conflitos e motivou milhares de pessoas a protestar contra a medida. “Agora há mais segurança para terceirizar qualquer elo da cadeia produtiva, desde que não haja uma relação de subordinação entre o terceirizado e o contratante”, diz a advogada trabalhista Boriska Rocha, do escritório Lobbo & de Rizzo.

A nova lei também estendeu o período do trabalho temporário para seis meses, com possibilidade de renovação por mais três meses. O governo aposta que essa regra trará novos empregos. O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, tem afirmado que 5 milhões de postos poderão surgir em dois anos. A estimativa se baseia em dados da OCDE, organização que reúne países desenvolvidos, nos quais a taxa média de emprego temporário é de 16% da força de trabalho. No Brasil, segundo Nogueira, é de 6%. Para ele, as reformas permitiriam elevar esse tipo de contratação para 10% do mercado de trabalho com carteira assina-da, estimado em 50 milhões de postos no Brasil.

A terceirização faz parte de um pacote de mudanças. Outra proposta, que está numa comissão na Câmara, dá força de lei a acordos feitos por trabalhadores e sindicatos com empresas em 13 temas, entre eles jornada de trabalho, parcelamento de férias, intervalo de almoço e trabalho remoto. Esses pontos são motivo de incerteza para empregadores e empregados. “A tendência é que as empresas tenham mais segurança para celebrar acordos coletivos em temas controversos”, diz a advogada Cássia Pizzotti, sócia do escritório Demarest.

Hoje, os acordos já são previstos na lei, mas esbarram na rigidez da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Na prática, trabalhadores insatisfeitos com os acordos entram na Justiça de forma individual, fazendo valer a CLT e anulando o que foi combinado pela maioria dos colegas com os patrões. “A Justiça do Trabalho trata o empregado como vítima, como se fosse incapaz de saber o que é melhor para ele”, diz Almir Pazzianotto, ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Somente em 2015 a Justiça acolheu 844 000 ações sobre intervalo intrajornada e férias.

Até os sindicatos concordam com a premissa de que o negociado deve prevalecer sobre o legislado. “Temos de fortalecer a negociação e retirar a intervenção tão forte do Estado no assunto”, diz Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese, centro de pesquisa que auxilia sindicatos. “Mas, do jeito que está, o projeto vai deixar muita lacuna. Precisa de uma redação mais minuciosa.”

Até o fechamento desta edição, o governo pretendia embutir na proposta, cuja relatoria está a cargo do deputado federal Rogério Marinho, do PSDB, ajustes sobre a recém-aprovada terceirização. A previsão de entrega do relatório de Marinho é dia 12 de abril. Até lá, os ânimos devem continuar acirrados, uma vez que o parlamentar pretende incluir no texto o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, taxa paga por todos os trabalhadores aos sindicatos. “O Brasil tem 17 000 sindicatos, que arrecadaram 3,6 bilhões de reais em 2016. Esse dinheiro não é fiscalizado”, diz Marinho.

Há dúvida se as novas leis resultarão em menos disputas judiciais. Em relação à terceirização, diversas entidades da Justiça do Trabalho se posicionaram contra a proposta. Na questão dos acordos, é comum encontrar múltiplos entendimentos da Justiça sobre a mesma questão. Segundo a CLT, por exemplo, as empresas são obrigadas a pagar as horas de deslocamento dos funcionários quando não há transporte público até o local de trabalho.

Como o tempo no transporte varia por trabalhador, os acordos coletivos costumam estabelecer um pagamento médio e compensações caso a caso, como a redução da jornada. Um levantamento da Confederação Nacional da Indústria mostrou que, somente em relação a esse item, há 17 jurisprudências distintas em tribunais estaduais do Trabalho, a maioria invalidando acordos coletivos nesse tema.

Dar previsibilidade à questão trabalhista é essencial para alavancar a produtividade no país. Um levantamento da consultoria Economatica mostra que 64 empresas que divulgaram o balanço de 2016 provisionaram 27 bilhões de reais para fazer frente a possíveis perdas em processos trabalhistas e tributários — dinheiro que poderia ser alocado em investimentos. Os tribunais brasileiros já receberam, desde a década de 40, cerca de 87 milhões de processos trabalhistas.

Se os acordos coletivos passarem a valer de fato, as empresas terão segurança jurídica para operar nos moldes de países que fizeram mudanças, como a Alemanha. No início dos anos 2000, o país aprovou uma ampla reforma trabalhista e colheu bons frutos. Em 2005, o desemprego atingia 11% dos alemães. As mudanças permitiram contratações com jornada e salário reduzidos e, em 2014, o desemprego caiu para 5%.

Provavelmente, a reforma não será capaz de trazer os mesmos resultados no Brasil, uma vez que a Alemanha tem um dos maiores índices de produtividade do mundo. Mas é um importante passo à frente. “Essa reforma ajudaria a atacar a fortíssima insegurança jurídica, a produtividade estagnada e a dificuldade de geração de empregos”, afirma Emerson Casali, especialista em relações do trabalho.

As mudanças também parecem ecoar, em parte, a vontade popular. Uma pesquisa realizada pelo instituto Ibope/CNI mostrou que 71% dos brasileiros gostariam de ter horário de trabalho flexível, e 53%, de dividir o período de férias. Para a consultoria política Eurasia, a chance de aprovação da reforma trabalhista é de 55% a 70%. O governo quer colocar essa mudança em votação antes da previdenciária, ainda no primeiro semestre, por ser uma lei que requer maioria simples no Congresso. Seria uma forma de testar a base e cobrar os votos necessários para garantir a aprovação da “reforma das reformas”: a da Previdência.

A reforma da Previdência

Se a política econômica fosse um campeonato de futebol, seria seguro dizer que a reforma da Previdência é a final da Copa do Mundo para o governo. Sem sua aprovação, todo o arcabouço do ajuste fiscal proposto pela equipe econômica desmoronaria, inclusive a medida que limitou o crescimento das despesas públicas por 20 anos. Ou seja, a taça seria perdida na última etapa. Não à toa, o governo tem concentrado o capital político para angariar votos de aliados. A tarefa não é fácil.

“Diferentemente da PEC do Teto dos Gastos, cujo impacto a população tem dificuldade de entender, todo mundo se sente afetado pela reforma da Previdência”, diz Juliano Griebeler, diretor da consultoria Barral M Jorge. No Congresso, a confusão está instalada. Nos corredores, deputados da base aliada alegam não poder votar a favor da medida para não perder votos nas eleições de 2018. Ao mesmo tempo, parlamentares da oposição dizem que a proposta será alterada, mas passará no plenário. O parecer do relator do projeto, deputado Arthur Maia (PSDB-BA), deve ser anunciado em meados de abril.

Um estudo do banco Itaú calcula que, se fosse aprovada do jeito que foi enviada pelo governo, a reforma poderia gerar uma economia de gastos públicos de 2% do PIB em 2025. Ao analisar as alterações propostas pelo Congresso, o banco estima um recuo de 40% no impacto esperado nas contas do governo, para 1,2% do PIB em 2025. Metade do ganho projetado vem da fixação da idade mínima e das regras de transição, que estão sendo bombardeadas no Congresso. “Se a proposta aprovada for fraca, será preciso uma nova reforma em dez anos, enquanto no cenário original haveria um intervalo de 20 anos sem necessidade de mexer na Previdência”, diz o economista Pedro Schneider, do banco Itaú.

As premissas para a reforma do sistema de pensões são conhecidas. O Brasil vem passando por uma acentuada transição demográfica. Em 2000, havia oito pessoas no mercado de trabalho para cada aposentado. Em 2060, serão dois ativos para cada inativo. Por isso, a reforma ajudará a aliviar as contas públicas e a controlar a dívida. Segundo o economista Paulo Tafner, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, as despesas com o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) representaram 41% da receita líquida da União em 2015.

Numa simulação em que os gastos correntes do governo se mantêm estáveis e o PIB cresce 2% ao ano, as despesas com o INSS chegariam a 87% da receita em 2035. “Não vai ter dinheiro para construir estradas, escolas, hospitais nem para saneamento. Apenas para pagar a Previdência”, afirma Tafner. Diante do caos anunciado, o governo enviou um ambicioso projeto de reforma ao Congresso. Entre as medidas estão a unificação dos regimes privado e de funcionários públicos federais, a fixação da idade mínima de 65 anos para a aposentaria, um novo cálculo de pagamento dos benefícios e regras que evitam o acúmulo de pensões e aposentadorias.

Apesar da evidente necessidade, as novas regras vêm sendo fortemente criticadas por representantes dos trabalhadores, e o governo precisará garantir que sua ampla base de parlamentares não ceda à pressão popular. As maiores divergências estão nas normas sobre as aposentadorias rurais, no pagamento de benefícios assistenciais e nas regras de transição. Segundo a consultoria Eurasia, a reforma tem 70% de chance de ser aprovada, com mudanças na proposta original, o que aconteceria até setembro deste ano. Já o governo quer a aprovação no primeiro semestre.

Além do alívio fiscal, a reforma da Previdência poderá trazer impactos positivos também no crescimento do PIB. Um estudo do economista Bruno Ottoni, da Fundação Getulio Vargas (FGV), mostra que a aposentadoria precoce no Brasil reduz a geração de riqueza. Aqui, um terço dos aposentados permanece no mercado de trabalho, mas o restante passa a viver apenas com a pensão. Isso implica renda mais baixa e, em consequência, um crescimento menor da economia.

Nas contas de Ottoni, se os brasileiros passassem a se aposentar aos 65 anos, a economia brasileira teria potencial de crescer 0,4 ponto percentual a mais ao ano. Outro estudo da FGV mostra que, se o Brasil adotasse um sistema misto de previdência, incluindo um regime de capitalização como o do Chile, onde cada trabalhador tem uma conta individual de poupança, a taxa de juros real de longo prazo cairia 1 ponto percentual.

Potencialmente, 53 milhões de pessoas serão afetadas pelas novas regras — 78% dos brasileiros que contribuem para o INSS. Inicialmente, estavam de fora da reforma apenas militares, policiais militares e bombeiros estaduais, que somam 760 000 pessoas país afora. Em março, o governo federal recuou e, para facilitar as negociações no Congresso, retirou da proposta os funcionários públicos estaduais e municipais — um total de quase 10 milhões. O governo deve deixar que cada estado e cada município façam a própria reforma em até seis meses após a aprovação da mudança federal. Caso não consigam, terão de seguir as novas regras federais.

Nos estados, a situação previdenciária é caótica porque a maioria dos servidores tem direito a aposentadoria especial. No Rio de Janeiro, 66% dos servidores estão nessa condição. Com a crise nas finanças de estados como Rio, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, mudanças nos regimes estaduais também devem ser aceleradas. Somente em São Paulo o governo estadual desembolsa 15 bilhões de reais por ano para arcar com as contas dos aposentados.

No ano passado, o governo paulista pagava para os inativos quase o mesmo valor que para os servidores da ativa. Se nada tivesse sido feito, em 20 anos, a folha dos aposentados e pensionistas seria três vezes superior à dos que estão trabalhando. Por isso, o governo de São Paulo tem feito um pente-fino nas contas. Desde 2009, vem recadastrando os beneficiários e refazendo o cálculo das pensões e aposentadorias.

Conseguiu reduzir, por exemplo, o número de herdeiras que se diziam solteiras para receber pensão pela morte do pai ou da mãe que eram servidores. A quantidade caiu de 35 000 para 27 000 pessoas nessa situação, gerando uma economia de 1 bilhão de reais por ano. São Paulo também criou uma previdência complementar. Antes, os servidores se aposentavam com o último salário da ativa. Agora vão receber até o teto nacional do INSS, sendo que o restante deve ser acumulado numa previdência complementar. Sinal de tempos de mudanças.

A reforma tributária

Enquanto a reforma da previdência é o foco do governo, as mudanças na legislação tributária devem ir mais devagar. O ministro Eliseu Padilha garante que até o segundo semestre alguma reforma tributária será feita. Mas não se sabe exatamente qual seria. A ideia na área tributária é dividir a tarefa em três fases. Primeiro, viria a redução do número de alíquotas do programa de integração social (PIS). Depois, o mesmo se daria com a contribuição para o financiamento da seguridade social (Cofins). Essas duas mudanças ocorreriam ainda no primeiro semestre.

Por fim, o governo tentaria unificar o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) no segundo semestre, para acabar com a guerra fiscal entre estados. Esse é o item mais complicado. “Por uma questão de tempo, não acho possível fazer logo uma reforma tributária envolvendo estados, municípios e União”, diz Mansueto de Almeida, secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda. “Ela deve ser a grande agenda do próximo governo.” De acordo com a consultoria Eurasia, as mudanças no PIS e na Cofins têm boas chances de ocorrer, uma vez que o projeto já estava feito e independe dos estados. O restante é incerto.

A pressão por mudanças profundas na estrutura tributária é grande. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, um grupo de empresários e especialistas que aconselham o governo federal, defende que a mudança seja mais ambiciosa, com a criação imediata de um imposto de valor agregado federal. Esse imposto juntaria os tributos e as contribuições sobre produção e consumo até o fim de 2018. Na Câmara, uma proposta do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) segue nessa direção e pode ser apresentada até o fim do mês. Nela, está prevista a unificação de sete tributos, a junção do imposto de renda sobre a pessoa jurídica com a contribuição social sobre o lucro líquido e a criação de um tributo especial para itens como bebidas e cigarros.

No início, o deputado considerou reduzir a contribuição previdenciária das empresas e criar um imposto sobre a movimentação financeira. Depois da repercussão negativa em torno da proposta, voltou atrás. “A ideia era corrigir distorções do sistema, mas não quero estragar a proposta por causa disso”, diz Hauly. “Passadas as reformas trabalhista e da Previdência, pode vir a tributária. Mas tem de ser tudo neste ano.”

Um dos maiores benefícios da reforma tributária seria a melhoria da produtividade, reforçando o crescimento. Segundo o Centro de Cidadania Fiscal, o PIB poderia crescer 1 ponto percentual a mais ao ano por uma década com a criação de um imposto sobre o valor agregado que substituísse os tributos atuais. “A reforma tributária é a agenda mais poderosa para aumentar a produtividade da economia num horizonte de dez a 15 anos”, diz Bernard Appy, diretor do Centro.

Na atual situação, qualquer mudança na estrutura tributária é bem-vinda. A complexidade do pagamento de impostos no Brasil é ímpar. Enquanto na Europa o software de gestão utilizado por uma multinacional de bens de consumo para recolher tributos tem 50 linhas de programação, o programa usado no Brasil tem 20 000 linhas. Quem paga imposto a mais na Nova Zelândia recebe crédito ou reembolso em 15 dias úteis. No Brasil são anos de espera.

“E, se o contribuinte errar na declaração ou numa obrigação acessória, pode pagar multa de 1% do faturamento anual ou até 300% do valor do imposto devido”, diz Marcus Vinicius Gonçalves, sócio da área de impostos da consultoria KPMG. “Em países desenvolvidos, as penalidades são concentradas em casos de fraude.”

A empresa catarinense Meu Móvel de Madeira, que vende móveis pela internet, mantém quatro dos 60 funcionários voltados apenas para emissão e pagamento de guias de tributos. Como vende em todo o país, a empresa está submetida a 27 legislações diferentes, com alíquotas distintas para cada tipo de produto. “É mais simples uma loja online alemã vender para um cliente em Portugal do que uma loja online de Santa Catarina vender para um consumidor no Paraná”, diz Ronald Heinrichs, dono da empresa.

As microrreformas

Uma forma de dar pequenos impulsos à economia é andar com a agenda de reformas microeconômicas, com o poder de melhorar o ambiente de negócios e atrair investimentos em setores específicos. O leque de ajustes em leis e programas governamentais é extenso e corre em paralelo às grandes mudanças. “A literatura econômica mostra que, quando se faz um conjunto de grandes reformas sem reformas complementares na sequência, o processo não funciona como esperado”, afirma Mansueto de Almeida, do Ministério da Fazenda.

Entre elas está a alteração de regras da lei de falências e recuperação judicial. Um dos problemas para as empresas nessa situação está nas dívidas com o Fisco, que não são incluídas no plano de recuperação e precisam ser pagas em até 84 meses, prazo considerado curto pelos devedores. Ainda estão na lista de microrreformas leis que facilitam o processo de licenciamento ambiental, propõem novas regras nas concessões do setor de telecomunicações e melhoram a estrutura das agências reguladoras. Há nove medidas no radar do governo, sendo sete com boa chance de aprovação no início do ano que vem. A maior vantagem desse tipo de mudança é que enfrenta pouca resistência política no Congresso, pois envolve questões que repercutem pouco entre os eleitores e exigem apenas aprovação com uma maioria simples.

Mas, afinal, dará tempo de fazer tantas mudanças, sejam elas grandes ou complementares? É certo que a janela de oportunidade para as reformas é limitada. Essa agenda perde impulso à medida que as atenções se voltam para as eleições de 2018. O fato é que, mesmo que sem a certeza de que tudo sairá — e com a possível aprovação de mudanças menos parrudas do que o governo gostaria —, a expectativa de reformas já ajuda no curto prazo.

O mercado financeiro tem reagido com otimismo, mesmo sem indicadores firmes de melhora na economia real: a bolsa brasileira está no patamar dos 65 000 pontos — 35% mais do que o registrado há um ano. Nas empresas, o comportamento é de observação e preparação. A Racional Engenharia, construtora paulista que atende grandes empresas do setor privado, está envolvida na elaboração de projetos de shoppings, hospitais e indústrias. A empresa já nota uma animação no mercado. Tem vários projetos na fase chamada de pré-construção, quando são avaliadas a viabilidade econômica e a estrutura de financiamento. A partir de 2018, devem virar obras.

“À medida que as reformas avançam e a taxa de juro cai no país, o ambiente de negócios melhora e os empresários se sentem motivados a tirar os projetos do papel”, diz Newton Simões, presidente da Racional. O ambiente externo também ajuda o Brasil a capitalizar os dividendos das reformas. Entre os emergentes, o país é um dos poucos com um ciclo reformista em andamento — até porque seus pares não passaram por uma recessão do tamanho da brasileira, que ampliou a necessidade de fazer mudanças emergenciais e estruturais.

Há um ambiente externo de financiamento de capital mais favorável, com a elevação dos juros nos Estados Unidos ainda no início. Se Temer conseguir avançar em tudo que está propondo, deixará outro país para seu sucessor. Mais importante, pavimentará a retomada de um crescimento sustentado que há anos não se vê por aqui. Dar duro na batalha faz todo sentido.

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