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A Alemanha só cresce. O perigo é ela atropelar os vizinhos

Perto de conquistar o quarto mandato, a chanceler alemã, Angela Merkel, enfrenta o desafio de manter o crescimento do país sem prejudicar os vizinhos

Apoiadores de Angela Merkel, em Berlim: o partido da chanceler é o favorito para vencer as eleições no dia 24 de setembro (Omer Messinger/Getty Images)

Apoiadores de Angela Merkel, em Berlim: o partido da chanceler é o favorito para vencer as eleições no dia 24 de setembro (Omer Messinger/Getty Images)

RS

Raphaela Sereno

Publicado em 21 de setembro de 2017 às 05h30.

Última atualização em 21 de setembro de 2017 às 05h30.

São Paulo — Não existe uma liderança política mais invejada no Primeiro Mundo do que a da chanceler alemã, Angela Merkel. Com uma aprovação de 65%, Merkel chega à eleição geral do país, em 24 de setembro, com um favoritismo tão grande para obter o quarto mandato que a imprensa alemã passou as últimas semanas apenas especulando quais partidos concorrentes teriam mais chance (e sorte) de integrar a coalizão liderada pela União Democrata-Cristã (CDU, na sigla em alemão), de Merkel. Nada mau para uma chanceler mais conhecida pela cautela do que pelo carisma.

Aos 63 anos, Merkel está no poder desde 2005 e espera colher nas urnas os frutos dos expressivos indicadores da economia alemã. O PIB cresceu 1,9% em 2016 e, se mantiver o ritmo do segundo trimestre, poderá fechar 2017 com um crescimento acima de 2% — o melhor resultado em seis anos. O índice de desemprego, de 3,7%, é o menor desde a queda do Muro de Berlim, há 28 anos, e seu governo acumula superávits orçamentários desde 2014. Com o país crescendo há 12 trimestres consecutivos, a Alemanha já responde por 30% da economia da União Europeia.

Num discurso em julho que foi muito comentado, Merkel disse que os alemães vivem “na melhor Alemanha que já existiu”. A chanceler tem razão. Mas a ironia é que o avanço ocorreu por fatores anteriores ao seu governo. Um deles foi uma redução dos custos de produção, fruto de uma reforma trabalhista. A lei, adotada em 2003 pelo social-democrata Gerhard Schröder, antecessor de Merkel, definiu que as negociações salariais fossem feitas entre empresas e empregados, eliminando a intermediação de sindicatos — uma proposta que o presidente francês, Emmanuel Macron, tenta emplacar na França.

Outro fator decisivo na virada alemã partiu do setor privado. Quando a economia interna patinava no início dos anos 2000, as empresas do país miraram os mercados emergentes, em especial no Leste Europeu, para onde transferiram parte da produção. Desde 2003, mais de 1.800 empresas alemãs abriram 3.500 fábricas e escritórios nesses países, muitos deles em processo de integração com a União Europeia, criando 650.000 empregos.

Quando Merkel assumiu a chefia de governo, as empresas alemãs já estavam prontas para desfrutar o boom econômico dos anos 2000. As exportações de carros da Alemanha para a China, maior mercado das montadoras do país, cresceram 18 vezes desde 2001. A Índia multiplicou por 8 as importações de maquinário alemão. Hoje, as exportações da Alemanha representam 46% do PIB. “A participação de Merkel na melhora da economia é menor do que parece. Em 12 anos de poder, ela não adotou nenhuma reforma estrutural no setor produtivo alemão”, diz Christian Odendahl, economista-chefe do Centro para Reforma da Europa, instituto de pesquisa com sede em Londres.

Diferenças regionais

Se os anos Merkel não podem ser atribuídos à boa fase da economia, a chanceler pelo menos leva o mérito de não ter atrapalhado nem mudado as reformas feitas antes dela. O resultado é a volta de um cresci-mento mais robusto, que, segundo economistas, tem beneficiado muito não só a Alemanha mas também os demais países da zona do euro. No primeiro semestre, o crescimento médio do PIB dos 19 países que adotam a moeda superou o dos Estados Unidos. O aumento das exportações — ajudado pelo câmbio favorável — é a maior razão desta fase de prosperidade. Só de janeiro a julho, elas chegaram a 1,2 trilhão de euros, um recorde para o período.

Existe, porém, o outro lado da moeda. Ao mesmo tempo que impulsiona a economia dos vizinhos, o crescimento da Alemanha também aumenta a distância em relação aos demais países da zona do euro. A Itália é um exemplo. Em 1999, quando a moeda única europeia foi criada, a renda per capita italiana correspondia a 90% da alemã. Hoje, ela não chega a 75%. Outra diferença está no mercado de trabalho. Enquanto a Alemanha registra as menores taxas de desemprego em décadas, outros países europeus ainda têm uma alta taxa. Na Itália, ela é de 11%. Na Espanha, 17%. E, na Grécia, de 21%. “Após a eleição, a União Europeia continuará sendo uma prioridade para Merkel, pois vários países da zona do euro seguem com um crescimento econômico baixo”, diz Christian Breunig, especialista em políticas públicas da Universidade de Konstanz, no sul da Alemanha.

No plano interno, Merkel só não comemorou uma vitória antecipada por causa do complexo sistema eleitoral que, na prática, impede um partido de fazer maioria absoluta no Parlamento. Prudente, ela evitou correr riscos e isolou os rivais. O líder social-democrata Martin Schulz, do SPD — segunda força do país, que integra o governo atual —, chegou a crescer nas pesquisas ao criticar o aumento de gastos militares defendido por Merkel, mas perdeu força depois de uma derrota inesperada nas eleições regionais de maio. Até o dia 18, a CDU, de Merkel, tinha 36% das intenções de voto, ante 22% do SPD.

Os demais partidos lutam para crescer. Um exemplo é o Alternativa para a Alemanha (AfD), criado pelos nacionalistas de extrema direita. Na última eleição, em 2013, o AfD não atingiu o mínimo de 5% dos votos para assegurar a participação no Parlamento, mas agora cresceu ao adotar a bandeira de combate aos imigrantes e refugiados. Com 11% das intenções de voto, o AfD pode assegurar um inédito terceiro lugar. A chanceler alemã, porém, descarta incluir a extrema direita em seu governo. É mais provável que faça uma coalizão com outros partidos: os liberais democratas pró-mercado do FDP e os Verdes, com 9% e 8% nas pesquisas, respectivamente.

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A formação do governo de coalizão poderá obrigar Merkel a tocar em temas polêmicos evitados durante a campanha. Um deles é a reforma do euro, defendida por Macron e que prevê a unificação fiscal dos países que adotam a moeda única e a nomeação de um ministro da Economia para o bloco. O avanço dessa agenda vai depender da composição partidária do governo alemão. “Os sociais-democratas do SPD apoiam a reforma, mas ela poderá empacar se Merkel incluir os liberais-democratas na coligação, que rejeitam mexer na moeda”, diz o pesquisador Lars Miethke, especialista em temas europeus da London School of Economics. A julgar pelas dificuldades já superadas, Merkel deverá se sair bem usando as mesmas armas de sempre: pragmatismo, firmeza e oportunismo político.

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