Raios, trovões e uma ideia
A catarinense Indústria Frahm é um dos poucos exemplos nacionais a compartilhar com grandes empresas de tecnologia americanas como Amazon e Apple o curioso fato de ter nascido nos fundos de uma garagem. Isso porque, assim como as empresas de Steve Jobs e Steve Wozniak e Jeff Bezos, a pequena Frahm nasceu do sonho ambicioso de um jovem com um pequeno espaço para manuseio de peças e algumas ferramentas à mão para o conserto de aparelhos eletrônicos.
A jornada da Frahm começa ainda na década de 1950, quando Norberto Frahm, um jovem de 18 anos, reservou um espaço na casa de seus pais para consertar aparelhos de rádio que queimavam durante as trovoadas. Frahm morava na cidade catarinense de Rio do Sul, próxima ao Vale do Itajaí, região conhecida por ser frequentemente castigada pelas fortes chuvas e tempestades.
Na época, não existiam muitas alternativas para os proprietários de aparelhos de rádio que recebiam descargas elétricas durante as trovoadas. Restava recorrer ao conserto dos aparelhos danificados um a um, sempre que o clima resolvesse castigar os moradores e seus itens domésticos. Apaixonado por música e eletrônica, Norberto Frahm decidiu dedicar parte de seu tempo para socorrer exclusivamente os aparelhos de rádio. Ele percorria longas distâncias de bicicleta para ir “ao resgate” dos itens e, então, levá-los até sua oficina.
O produto “à prova de raios”
Em 1961, depois de anos da sua oficina de rádios de garagem, ele deu o primeiro passo para transformar a Frahm em um negócio formal, com o lançamento do primeiro produto oficial da empresa: um rádio de madeira (fabricado em parceria com um colega marceneiro) dotado de uma placa eletrônica composta de um circuito ‘à prova de raios’. Nascia, assim, a indústria Frahm, que logo se tornaria uma das principais fabricantes de aparelhos sonoros do país.
Nas últimas seis décadas, o apetite por inovação vem fazendo com que a Frahm dê braçadas para lidar com as rápidas mudanças do mercado, uma árdua missão que exige a criação de produtos capazes de acompanhar as diferentes maneiras como as pessoas ouvem música década após década.
Durante a era de ouro do rádio e da popularidade incontestável das radionovelas, esse esforço se traduziu em rádios de madeira de frequência AM. Anos depois, com a iminência dos tocadores de CDs e até mesmo aparelhos de MP3, isso se deu em lançamentos de produtos como caixas de som e amplificadores com entradas USB e até mesmo a incursão de conexão via bluetooth.
“Esse desejo por trazer diferenciais, de não ficar parado, faz parte da nossa essência”, diz André Teixeira Frahm, diretor de pesquisa e desenvolvimento e marketing da Frahm e neto de Norberto.
Desde 2001, com a morte de seu fundador, o negócio é liderado pelas gerações seguintes — de filhos e netos de Frahm. Os filhos de Norberto deixaram o conselho administrativo em 2014 após um processo de sucessão que contou com a ajuda de uma consultoria empresarial dedicada ao tema. Além de André, a empresa tem hoje outros cinco sócios.
Como a China quase quebrou o negócio
Por três décadas, a Frahm se debruçou em um portfólio extenso, com produtos que iam de caixas de som multiuso a amplificadores vendidos em grandes redes varejistas como o Magazine Luiza e Casas Bahia. O foco no grandes magazines se explica, em parte, pelo aumento da competição com empresas que despontavam na indústria nacional pela fabricação em escala das mesmas caixas de som, mas de plástico — o que, por consequência, tornava a precificação das caixas um desafio crescente para a Frahm, que ainda tinha a madeira como sua matéria-prima principal.
O ponto de virada da empresa veio nos anos 1990. Com a redução das tarifas de importação, uma consequência da implementação da política monetária do Plano Real, um número crescente de fabricantes passou a importar produtos com custo reduzido, desafiando as margens da Frahm e suas caixas de som retangulares de madeira a partir da venda de caixas inteiras vindas da Ásia. Naquela época, despontavam marcas como Gradiente, Multilaser e Mondial.
A disputa acirrada com o mercado chinês, beneficiado por políticas de importação no mercado brasileiro, interrompeu a esteira de múltiplos lançamentos na empresa catarinense, que logo passou a adotar uma estratégia monoproduto.
Antes disso, a empresa encarou uma lenta recuperação, passando pelo fechamento de fábricas e um processo de concordata, similar a uma recuperação judicial.
“Tivemos de remodelar o negócio e voltar às origens ao fabricar apenas caixas de som. Foi como começar do zero. Assumimos o risco de ser o oitavo player do mercado nacional, quando éramos um dos primeiros”, lembra André.
"Todos os nossos produtos viraram commodities”.
O novo salto do negócio aconteceria em 2004, dez anos depois, com o lançamento da linha MF, de caixas de plástico — e que também simbolizava a inclinação da Frahm em finalmente abandonar aos poucos a madeira em seus produtos. “Entendemos que exista uma lacuna no mercado por itens como aqueles que eram vendidos pela concorrência, mas com um nível de qualidade superior”, diz.
Segundo André, o ponto de partida foi também uma pesquisa feita com músicos que identificou que a grande maioria dos equipamentos careciam de potência, tinham muitos ruídos e microfonia. “Foi o fôlego que precisávamos para voltar a investir no negócio”, diz.
Em 2014 passaram a fabricar apenas as caixas de som multiuso de plástico e, em 2017, a empresa passou a importar caixas de som multiuso plásticas, também da China. “Foram três anos em que resistimos em trazer esse produto, que entendemos que era de menor qualidade. Então encaramos todo um processo de testes rigorosos de qualidade antes de qualquer venda”, diz.
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Quais são os planos de crescimento
Os planos de manter os produtos como carros-chefe da empresa, porém, mudaram. Os diretores perceberam uma nova tendência e decidiram aumentar as fichas no mercado de sonorização de ambientes que vão de residências a igrejas, empresas e consultórios médicos — vertical que agora corresponde a 80% do faturamento da Frahm.
De lá para cá, a companhia investiu mais de R$ 20 milhões na transformação de sua linha de produção, substituindo as caixas multiuso por caixas com tecnologia para sonorização de ambientes internos e externos, especialmente amplificadores. Para isso, inauguraram uma nova linha de montagem para placas eletrônicas e investiram em maquinário. Atualmente, o parque fabril da Frahm, em Rio do Sul, tem 36 mil metros quadrados de área e mais de 250 funcionários diretos.
O esforço deu resultado. Em poucos anos, a Frahm saltou de apenas um modelo de caixa e um modelo de amplificador para mais de 50 variações, incluindo caixas de som que podem ser embutidas em estruturas de gesso. Atualmente, segundo André, a Frahm cresce 30% ao ano. Em 2022, a receita foi de R$ 130 milhões.
Para o futuro, a Frahm pretende crescer ainda mais. A meta é, no mínimo, dobrar de tamanho nos próximos três anos e se consolidar como líder no mercado de sonorização de ambientes no Brasil. “Hoje, não existe um top of mind nesse mercado. Queremos esse espaço”, diz.
Para isso, uma das estratégias será o lançamento de um centro de treinamento profissional voltado para técnicos de som que deve capacitar e homologar mais de 250 profissionais instaladores e técnicos em todos os 26 estados e no Distrito Federal.
Um investimento em marketing também está nos planos. “Nosso trabalho será expor a marca como um pilar na jornada de escolha do consumidor. Queremos ser reconhecidos e conhecidos”, conclui Frahm. No que depender da disposição de Frahm e os demais sócios em inovar e do flerte com o mercado internacional e tendências de tecnologia, a empresa sexagenária ainda deve figurar por mais algumas décadas entre os exemplos bem acabados de sucessão familiar e revolução da indústria nacional.
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Créditos
Maria Clara Dias
Repórter de Negócios e PME
Graduada em Jornalismo e pós-graduada em Marketing pela ESPM. Trabalhou na Autoesporte, Época e Gazeta do Povo. Desde 2020 cobre startups e PME na EXAME. É vencedora do Prêmio de Destaque em Franchising na categoria de Jornalismo de Revista