Oddo, do Ipea: por que as pequenas empresas não crescem no Brasil
Pesquisador defende revolução capitalista no Brasil, cujo foco seja a transformação do mercado consumidor, e não do modo de produção
Carolina Riveira
Publicado em 19 de janeiro de 2018 às 15h32.
Última atualização em 22 de janeiro de 2018 às 16h34.
O Brasil tem startups promissoras como a fintech de cartões de crédito Nubank ou o aplicativo de transporte 99 (comprada recentemente pela chinesa Didi), mas não fica nada perto de ser um Vale do Silício ou mesmo de polos tecnológicos europeus. Por que nossas startups e pequenas empresas não conseguem crescer? Para Mauro Oddo, pesquisador do Ipea que se dedica a estudos sobre produtividade e empresas de pequeno porte, o principal problema brasileiro, além da falta de incentivo a inovação, é a ausência de um mercado consumidor. As pequenas empresas brasileiras entram no mercado despreparadas e produzem para um público de renda ainda muito baixa.
Mas desenvolver as pequenas empresas é primordial para a economia do país. Em seu livro Um Pirilampo no Porão: um pouco de luz nos dilemas da produtividade das pequenas empresas e da informalidade no Brasil, o pesquisador aponta que “a situação que se observa no Brasil seria análoga a de um trem cuja locomotiva e vagões iniciais apresentam bom desempenho, mas que acaba sendo travado pela maior parte dos outros vagões”. A solução não seria, portanto, transferir esses passageiros para os vagões da “vanguarda” do trem, porque não há espaço para todos, mas “capacitar os ‘vagões lentos'”, o que, segundo Oddo, significa pensar em políticas públicas voltadas aos pequenos empresários. Veja abaixo os principais trechos da conversa com EXAME.
Por que as pequenas empresas não conseguem prosperar no Brasil?
Primeiro, precisamos pensar no que é essa categoria pequena empresa. Imagine uma pequena empresa do varejo de alimentação, com 10 empregados: pode ser uma franquia da Starbucks no shopping Iguatemi de São Paulo ou uma birosca no interior do Amazonas. São negócios muito diferentes. Realidades, produtividades e até objetivos muito diferentes. Talvez o dono da franquia queira expandir, abrir outra, e o do interior só queira sustentar a família e seguir a vida dele. Então, o grande problema é ter políticas horizontais para todas essas empresas. É como dizer “vamos fazer uma política de preservação de mamíferos” – isso inclui baleia, ornitorrinco, cachorro e ser humano. Não pode colocar tudo no mesmo saco.
Então, diante dessa diversidade, qual é a principal dificuldade que as pequenas empresas enfrentam, em comparação com as grandes?
A grande questão é a produtividade. A disparidade de produtividade, ou seja, entre grandes e pequenas, é imensa. A produtividade de uma empresa brasileira é metade da de uma empresa na OCDE [organização dos países mais desenvolvidos do mundo] ou na Europa. Isso está associado sobretudo à ausência de mercado interno. Quem consome no Brasil é de 1 a 5% da população; claro, isso dá uma Bélgica, mas a questão é que as pequenas e médias empresas (PMEs) produzem para um mercado consumidor bem mais simples, e sem uma produção muito alta, porque é dessa forma que o mercado consome. É um círculo vicioso: não qualifica mão de obra, não há distribuição de renda, logo, não tem demanda e não há consumo. Cerca de metade dos trabalhadores brasileiros está no mercado informal e outros 25% estão em micro e pequenas empresas, um mercado muitas vezes semi-informal. Então, dá para estimar que 75% da mão de obra brasileira esteja em situação precária, com baixíssimo nível de renda. E isso influencia o mercado consumidor.
Por outro lado, em 2017, as PMEs acumularam saldo positivo de 486.000 novos postos de trabalho, enquanto as médias e grandes tiveram saldo negativo de 202.000. Então, elas não estariam contribuindo para gerar emprego e melhorar esse mercado consumidor?
Mas não necessariamente essa é uma boa notícia, porque o cara que trabalhava em uma empresa grande e foi demitido acaba aceitando trabalho em uma empresa menor e em condições piores. A desigualdade de trabalho entre a pequena e a grande empresa é muito alta. A pequena empresa é tão marginalizada quanto a mão de obra que ela emprega. O Brasil precisa fazer uma revolução capitalista: Ford mudou o mundo não porque inventou a produção em série, mas porque inventou o consumo em massa. Ele dizia que em 20 anos todo americano teria um carro, só que não bastava criar um sistema capaz de produzir, mas fazer com que cada um tivesse dinheiro para comprar um carro. E como ele fez isso? Pagou salários. O empresário brasileiro precisa entender que, quanto mais se precariza a relação de trabalho, mais se perde no sistema capitalista. E as grandes políticas nacionais têm de focar nisso.
Como pensar em políticas públicas para incentivar os diferentes tipos de empreendedores, em um país tão heterogêneo?
Política pública para país heterogêneo é fortalecer o elo fraco da cadeia. Quando falamos de financiamento à inovação, a grande empresa tem mais chance de chegar a um resultado final positivo. Financiar a pequena é mais arriscado, mas essa é a lógica do banco privado, que não pode correr risco. E é aí que entra o Estado; o papel do Estado é correr risco. É apoiar quem precisa de apoio.
O Brasil tem algumas políticas para pequenas empresas, como a tributação diferenciada do Simples e até mesmo um artigo da Constituição que estabelece que os pequenos negócios devem ter tratamento preferencial. Essas iniciativas vêm sendo suficientes?
Temos políticas de PME para todo lado. Você não vai encontrar uma única política pública que não cite pequena empresa. Mas qual a finalidade que isso tem? Não há um projeto de país. No processo de desenvolvimento da economia brasileira, as pequenas empresas são tratadas marginalmente. Jamais estão no cerne do processo. A maioria das políticas que atende PME acaba chegando às empresas que menos precisam. As que estão ligadas a grandes associações, que conseguem fazer lobby.
Nesse sentido de apoio do Estado, a falta de crédito para os pequenos empresários começarem é um problema?
A grande maioria dos pequenos empreendedores está longe do Estado e sequer sabe que existe crédito para ele. Porque o cidadão tem aversão ao Estado. Nada mais justo, em um país onde o símbolo da Receita Federal é o leão – quem vai fazer carinho no leão? Então, quando ele é incentivado a se formalizar, pensa “ah, agora estão me dando facilidades, mas amanhã vão botar regras”. Precisamos repensar nossa institucionalidade, a relação do Estado com a população, nosso projeto de país.