Pedro Herz, o vendedor de livros da Livraria Cultura
Pedro Herz era criança quando sua mãe abriu um negócio de aluguel de livros importados para imigrantes, a Livraria Cultura, que faturou 340 milhões de reais em 2011
Da Redação
Publicado em 8 de agosto de 2013 às 20h13.
São Paulo - O paulistano Pedro Herz, de 72 anos, cresceu numa casa cheia de livros. Seus pais - um casal de judeus que deixou a Alemanha pouco antes da Segunda Guerra Mundial - abriram um negócio de aluguel de obras em inglês e alemão para ajudar a pagar as despesas de casa. "Morávamos com meus tios, e não sobrava espaço para mais nada na casa”, diz ele. “Boa parte da clientela eram imigrantes que viviam em São Paulo ".
Foi esse o embrião da Livraria Cultura, um negócio que no ano passado faturou 340 milhões de reais. Herz está à frente da empresa desde a década de 60, quando o negócio passou a se chamar Livraria Cultura. Neste depoimento a Exame PME, ele conta a trajetória de expansão da empresa e quais seus planos para o futuro.
"Nasci em 1940. Sou filho de Eva e Kurt Herz, um casal de judeus alemães que veio para o Brasil em 1938, fugindo da Alemanha nazista. Eles se estabeleceram em São Paulo, onde meu pai ganhou a vida vendendo roupas.
Na minha infância, vivíamos numa pequena casa com uma tia, o marido dela e o filho deles, meu primo. Eram tempos difíceis. Tínhamos pouco dinheiro e era preciso economizar para não passar necessidade.
Havia muitos imigrantes numa situação parecida com a nossa. Eram pessoas cultas, que gostavam de ler, mas não conseguiam comprar muitos livros. Muitos não sabiam português direito, e as obras em alemão ou inglês custavam muito caro.
Foi quando minha mãe teve a ideia de juntar algum dinheiro, comprar livros importados e alugá-los para os amigos. Com isso, ela esperava ganhar uma renda extra para ajudar nas despesas de casa.
O aluguel de livros rapidamente fez sucesso entre os imigrantes. Às vezes, os clientes faziam fila na porta de nossa casa, onde o negócio funcionava.
Em 1953, já não havia mais espaço para guardar livros, e minha mãe mudou o negócio para uma salinha na rua Augusta. Muita gente também começou a fazer encomendas e a locadora, aos poucos, se transformou numa livraria.
Com os negócios indo bem, no final dos anos 60, já não mais alugávamos livros, só os vendíamos, e a maioria em português mesmo. A livraria cresceu e meus pais transferiram o negócio para uma loja no Conjunto Nacional, uma galeria recém-inaugurada na avenida Paulista.
Comecei a trabalhar na livraria após a mudança. Eu tinha crescido entre as prateleiras de livros e conhecia bem o negócio. Havia me formado em administração e assumi a gestão da empresa.
Para não aumentar os custos, propus à minha mãe que eu ficasse um tempo trabalhando sem receber. Ela não concordou mas, mesmo assim, meu salário era baixo. Na época, eu já era casado, minha mulher tinha um bom emprego e podíamos nos manter com o dinheiro dela.
Por causa da origem da empresa, conquistamos uma clientela culta, formada por pessoas fluentes em idiomas estrangeiros e que compravam livros importados. Uma de minhas primeiras atribuições foi visitar feiras na Europa, onde ficava sabendo dos principais lançamentos e conhecendo os autores mais promissores.
Nas viagens, fechava contratos com as editoras para importar livros recém-lançados no exterior antes que fossem traduzidos para o português.
Muitos dos livros que eu trazia do exterior eram proibidos naquela época. Vivíamos sob a ditadura militar. Algumas obras eram censuradas por terem sido escritas por autores de esquerda. Outras sofriam restrições apenas por vir de países comunistas, embora não tivessem nada a ver com política - era o caso de um livro de arte erótica chinesa.
O fato é que a repressão aumentava a procura. Por vender muitas obras censuradas, fui chamado várias vezes para ser interrogado pelos militares. Eu respondia que precisava manter aquele tipo de livro no estoque porque universidades, como a USP, pediam que os alunos os estudassem e, como empreendedor, eu não podia perder dinheiro.
Na metade dos anos 70, abri duas pequenas filiais em São Paulo - uma na estação do metrô no Largo de São Bento, no centro da cidade, e outra no campus da PUC. Os aluguéis eram baratos e achei que as lojas dariam certo. Foi quando descobri que é difícil manter livrarias muito pequenas.
Se o cliente vai à loja e não encontra o livro que procura, acaba não voltando. As filiais vendiam pouco e tive de fechá-las algum tempo depois. Passei a investir na matriz no Conjunto Nacional onde, com o tempo, criamos uma espécie de complexo cultural, com teatro, espaço infantil e café.
Só voltei a fazer planos de crescer com filiais nos anos 90. Recebi uma proposta para abrir uma loja no shopping Villa-Lobos, em São Paulo, e negociei com os administradores do shopping um espaço de mais de 3 000 metros quadrados, com café, auditório e um espaço infantil. Foi o começo de uma fase de grande crescimento.
Em 2003, abrimos uma filial em Porto Alegre. Hoje, temos 14 lojas, em capitais como Recife, Salvador, Fortaleza e Brasília. No ano que vem, vamos inaugurar uma em Manaus. Em 2012, a previsão é abrir uma loja no shopping Iguatemi, em São Paulo, e mais uma no Rio de Janeiro e em Recife.
Ainda nos anos 90, comecei a me interessar pelas mudanças que a tecnologia estava trazendo para nosso mercado. Em 1994, decidi investir na construção de um site para vender livros. Era um grande desafio porque, naquela época, a internet ainda era precária no Brasil.
No começo, a loja online dava muitos problemas, a conexão caía e os clientes reclamavam. Para funcionar direito, resolvi contratar profissionais de programação. Hoje, as vendas online representam 18% do faturamento.
Hoje em dia também vendemos e-books, livros eletrônicos para ler em tablets ou computadores. Acredito, no entanto, que o livro em papel ainda existirá por muito tempo. A tecnologia está obrigando as livrarias a se reinventar, mas o negócio não irá morrer.
Há dois anos, deixei o dia a dia da gestão. Formei um conselho de administração, do qual sou o presidente. Hoje, meus filhos estão à frente dos negócios - Sérgio, de 41 anos, comanda a Livraria Cultura, e Fábio, de 39, cuida da área de novos negócios, como a nova loja de livros e revistas em quadrinhos.
Decidimos que ninguém mais da família deve assumir cargos executivos. No conselho, discutimos assuntos estratégicos, como a oportunidade de aquisição de outras empresas. Também falamos sobre a abertura de capital, algo que planejamos fazer nos próximos três ou quatro anos.
A previsão neste ano é faturar cerca de 421 milhões de reais. Até 2018, acredito que as receitas da Livraria Cultura terão superado a marca de meio bilhão de reais. Teremos musculatura suficiente para entrar na bolsa.
Ainda vou para a livraria todos os dias. Gosto do cheiro de livro. Fico feliz em ver o que se tornou o negócio que minha mãe começou. Ela morreu em 2001, quando a Cultura já era uma grande livraria.
Meu sonho é que as crianças brasileiras leiam mais. Por isso, quando saio de carro, sempre levo alguns livros infantis para distribuir aos meninos e meninas que pedem dinheiro na rua. Precisa ver como os olhinhos delas se enchem de brilho ao recebê-los."
São Paulo - O paulistano Pedro Herz, de 72 anos, cresceu numa casa cheia de livros. Seus pais - um casal de judeus que deixou a Alemanha pouco antes da Segunda Guerra Mundial - abriram um negócio de aluguel de obras em inglês e alemão para ajudar a pagar as despesas de casa. "Morávamos com meus tios, e não sobrava espaço para mais nada na casa”, diz ele. “Boa parte da clientela eram imigrantes que viviam em São Paulo ".
Foi esse o embrião da Livraria Cultura, um negócio que no ano passado faturou 340 milhões de reais. Herz está à frente da empresa desde a década de 60, quando o negócio passou a se chamar Livraria Cultura. Neste depoimento a Exame PME, ele conta a trajetória de expansão da empresa e quais seus planos para o futuro.
"Nasci em 1940. Sou filho de Eva e Kurt Herz, um casal de judeus alemães que veio para o Brasil em 1938, fugindo da Alemanha nazista. Eles se estabeleceram em São Paulo, onde meu pai ganhou a vida vendendo roupas.
Na minha infância, vivíamos numa pequena casa com uma tia, o marido dela e o filho deles, meu primo. Eram tempos difíceis. Tínhamos pouco dinheiro e era preciso economizar para não passar necessidade.
Havia muitos imigrantes numa situação parecida com a nossa. Eram pessoas cultas, que gostavam de ler, mas não conseguiam comprar muitos livros. Muitos não sabiam português direito, e as obras em alemão ou inglês custavam muito caro.
Foi quando minha mãe teve a ideia de juntar algum dinheiro, comprar livros importados e alugá-los para os amigos. Com isso, ela esperava ganhar uma renda extra para ajudar nas despesas de casa.
O aluguel de livros rapidamente fez sucesso entre os imigrantes. Às vezes, os clientes faziam fila na porta de nossa casa, onde o negócio funcionava.
Em 1953, já não havia mais espaço para guardar livros, e minha mãe mudou o negócio para uma salinha na rua Augusta. Muita gente também começou a fazer encomendas e a locadora, aos poucos, se transformou numa livraria.
Com os negócios indo bem, no final dos anos 60, já não mais alugávamos livros, só os vendíamos, e a maioria em português mesmo. A livraria cresceu e meus pais transferiram o negócio para uma loja no Conjunto Nacional, uma galeria recém-inaugurada na avenida Paulista.
Comecei a trabalhar na livraria após a mudança. Eu tinha crescido entre as prateleiras de livros e conhecia bem o negócio. Havia me formado em administração e assumi a gestão da empresa.
Para não aumentar os custos, propus à minha mãe que eu ficasse um tempo trabalhando sem receber. Ela não concordou mas, mesmo assim, meu salário era baixo. Na época, eu já era casado, minha mulher tinha um bom emprego e podíamos nos manter com o dinheiro dela.
Por causa da origem da empresa, conquistamos uma clientela culta, formada por pessoas fluentes em idiomas estrangeiros e que compravam livros importados. Uma de minhas primeiras atribuições foi visitar feiras na Europa, onde ficava sabendo dos principais lançamentos e conhecendo os autores mais promissores.
Nas viagens, fechava contratos com as editoras para importar livros recém-lançados no exterior antes que fossem traduzidos para o português.
Muitos dos livros que eu trazia do exterior eram proibidos naquela época. Vivíamos sob a ditadura militar. Algumas obras eram censuradas por terem sido escritas por autores de esquerda. Outras sofriam restrições apenas por vir de países comunistas, embora não tivessem nada a ver com política - era o caso de um livro de arte erótica chinesa.
O fato é que a repressão aumentava a procura. Por vender muitas obras censuradas, fui chamado várias vezes para ser interrogado pelos militares. Eu respondia que precisava manter aquele tipo de livro no estoque porque universidades, como a USP, pediam que os alunos os estudassem e, como empreendedor, eu não podia perder dinheiro.
Na metade dos anos 70, abri duas pequenas filiais em São Paulo - uma na estação do metrô no Largo de São Bento, no centro da cidade, e outra no campus da PUC. Os aluguéis eram baratos e achei que as lojas dariam certo. Foi quando descobri que é difícil manter livrarias muito pequenas.
Se o cliente vai à loja e não encontra o livro que procura, acaba não voltando. As filiais vendiam pouco e tive de fechá-las algum tempo depois. Passei a investir na matriz no Conjunto Nacional onde, com o tempo, criamos uma espécie de complexo cultural, com teatro, espaço infantil e café.
Só voltei a fazer planos de crescer com filiais nos anos 90. Recebi uma proposta para abrir uma loja no shopping Villa-Lobos, em São Paulo, e negociei com os administradores do shopping um espaço de mais de 3 000 metros quadrados, com café, auditório e um espaço infantil. Foi o começo de uma fase de grande crescimento.
Em 2003, abrimos uma filial em Porto Alegre. Hoje, temos 14 lojas, em capitais como Recife, Salvador, Fortaleza e Brasília. No ano que vem, vamos inaugurar uma em Manaus. Em 2012, a previsão é abrir uma loja no shopping Iguatemi, em São Paulo, e mais uma no Rio de Janeiro e em Recife.
Ainda nos anos 90, comecei a me interessar pelas mudanças que a tecnologia estava trazendo para nosso mercado. Em 1994, decidi investir na construção de um site para vender livros. Era um grande desafio porque, naquela época, a internet ainda era precária no Brasil.
No começo, a loja online dava muitos problemas, a conexão caía e os clientes reclamavam. Para funcionar direito, resolvi contratar profissionais de programação. Hoje, as vendas online representam 18% do faturamento.
Hoje em dia também vendemos e-books, livros eletrônicos para ler em tablets ou computadores. Acredito, no entanto, que o livro em papel ainda existirá por muito tempo. A tecnologia está obrigando as livrarias a se reinventar, mas o negócio não irá morrer.
Há dois anos, deixei o dia a dia da gestão. Formei um conselho de administração, do qual sou o presidente. Hoje, meus filhos estão à frente dos negócios - Sérgio, de 41 anos, comanda a Livraria Cultura, e Fábio, de 39, cuida da área de novos negócios, como a nova loja de livros e revistas em quadrinhos.
Decidimos que ninguém mais da família deve assumir cargos executivos. No conselho, discutimos assuntos estratégicos, como a oportunidade de aquisição de outras empresas. Também falamos sobre a abertura de capital, algo que planejamos fazer nos próximos três ou quatro anos.
A previsão neste ano é faturar cerca de 421 milhões de reais. Até 2018, acredito que as receitas da Livraria Cultura terão superado a marca de meio bilhão de reais. Teremos musculatura suficiente para entrar na bolsa.
Ainda vou para a livraria todos os dias. Gosto do cheiro de livro. Fico feliz em ver o que se tornou o negócio que minha mãe começou. Ela morreu em 2001, quando a Cultura já era uma grande livraria.
Meu sonho é que as crianças brasileiras leiam mais. Por isso, quando saio de carro, sempre levo alguns livros infantis para distribuir aos meninos e meninas que pedem dinheiro na rua. Precisa ver como os olhinhos delas se enchem de brilho ao recebê-los."