Cunha e Leandro, donos da Mantiqueira (Germano Lüders / EXAME)
Da Redação
Publicado em 10 de abril de 2013 às 12h15.
São Paulo - O mineiro Leandro Pinto costuma dizer que as crises no agronegócio não duram mais de 6 horas. “É o tempo que a gente leva para ter fome depois de uma refeição e a voltar a consumir alimento”, afirma ele.
Em pouco mais de duas décadas, Leandro transformou uma pequena granja no interior de Minas Gerais numa das maiores produtoras de ovos do mundo. Hoje a empresa abriga em seus galpões 10,8 milhões de galinhas.
No ano passado, suas receitas chegaram a 330 milhões de reais, segundo estimativas. Neste depoimento a Exame PME, Leandro conta um pouco de sua trajetória, como atraiu um sócio que ajudou a empresa a mudar de patamar e o que está fazendo para profissionalizar a gestão.
Parece até que era meu destino virar avicultor. Quando nasci, minha família tinha um galinheiro no quintal de casa, em Itanhandu, no interior de Minas Gerais. A vida não era fácil, e meu pai vendeu adubo feito com os dejetos das galinhas para comprar meu enxoval. Comecei a trabalhar ainda menino. Fui engraxate, lavador de carros e office boy. Aos 17 anos, abri meu primeiro negócio, uma loja de máquinas agrícolas. Eu era muito inexperiente, e em menos de dois anos a empresa estava quebrada.
Foi quando as galinhas voltaram a cruzar o meu caminho. Um amigo tinha uma granja de 30 000 aves em Itamonte, cidade vizinha a Itanhandu. Ele sofreu um enfarte e decidiu parar de trabalhar. Por isso, me ofereceu o negócio. Fiquei interessado, mas fui franco — disse que estava quebrado e sem dinheiro para comprar a granja.
Ele não viu nenhum problema nisso. Eu podia comprar só as galinhas e pagar um aluguel pelos galpões, que continuariam pertencendo a ele. Vendi um caminhão velho e um Fiat Uno para levantar uma quantia hoje equivalente a 50 000 reais. Dei o dinheiro como entrada e assumi a granja.
A granja tinha uma clientela pequena, mas fiel. Eram feirantes, donos de padarias e de pequenos restaurantes. Para sobrar algum dinheiro no final do mês, eu fazia tudo. Tirava os pedidos, comprava a ração para as galinhas e entregava os ovos de caminhão. Nos primeiros dois anos, trabalhei muito e descansei pouco. Minha mulher, a Rogéria, me dava um bocado de apoio. Ela é fisioterapeuta, mas ajudava na granja nas horas de folga. Na época, a produção era pequena. Demorava meia semana para encher um caminhãozinho de ovos.
O ano de 1989 foi muito importante. O Brasil vinha de um período de dois anos de crise. A produção de alimentos caiu e o país passou a enfrentar um cenário de desabastecimento. Muitos de meus concorrentes quebraram. A Granja Mantiqueira só resistiu por ter uma estrutura muito enxuta.
Com poucos ovos no mercado, os preços dobraram. A empresa atravessou bem esse período difícil, e consegui ganhar muito dinheiro. Na época, com a venda de uma caixa de ovos dava para comprar cinco sacos de cimento. Em valores de hoje, era como se uma caixa de ovos valesse aproximadamente 100 reais.
Usei o dinheiro para expandir a Mantiqueira. Construí novos galpões, e a produção quadruplicou. Em 1994, dei um passo ainda maior. Ergui mais um galpão com um novo tipo de estrutura, em que as gaiolas ficavam suspensas. Eu tinha visto algo parecido na granja de um amigo no interior de São Paulo.
Tomei um susto poucos dias depois da inauguração. Cheguei em casa e minha mulher me deu um recado — haviam ligado da granja para avisar que o novo galpão tinha caído. Na hora pensei ter perdido todo o investimento. O pior: as galinhas podiam ter morrido. Fui para lá e vi que, por causa de um declive no terreno, algumas gaiolas haviam tombado. As aves estavam vivas. Só tivemos de tirá-las de lá e remontar as gaiolas.
No ano seguinte, viajei à Europa para conhecer um fabricante de equipamentos para automatizar a produção nas granjas. Era o máximo. Desde o momento em que a galinha bota o ovo até a embalagem, ninguém precisava pôr a mão. Decidi implantar o sistema no Brasil e fiz uma proposta ao vendedor da empresa.
Combinei que eu pagaria pelo equipamento para automatizar um galpão e ele me entregaria dois. Dali a algum tempo, eu pagaria o segundo e ele me entregaria o terceiro — ou seja, sempre ficaria devendo um galpão, mas o ajudaria a abrir o mercado brasileiro. Fechamos negócio. Hoje essa empresa espanhola tem 90% do mercado para esse tipo de equipamento no Brasil.
Quando a Mantiqueira já estava com um tamanho razoável, conheci o Carlos Cunha. A família dele era dona de uma rede de supermercados no Rio de Janeiro, e meu sonho era tê-los como clientes. Convenci o Carlos a visitar a Mantiqueira. Mostrei as instalações e trocamos telefones.
Tempos depois, numa manhã de sábado, ele me ligou. Disse que fecharia contrato com a Mantiqueira para abastecer todos os supermercados da família, mas havia uma condição: eu teria de me comprometer a manter os preços competitivos e a ajudá-los a ter os ovos mais baratos do Rio de Janeiro. Eu ainda nem tinha produção suficiente para atender totalmente a rede da família do Carlos. Mas achei melhor não demonstrar fraqueza e durante um tempo comprei ovos dos concorrentes para honrar os pedidos.
Em 1999, a família do Carlos vendeu os supermercados. Fiquei preocupado. Tratava-se de um cliente importante, e não dava para saber como os novos donos iriam lidar com os fornecedores. Chamei-o para uma conversa e propus que ele comprasse 50% da empresa. Carlos conhecia bem o varejo, tinha experiência comercial e administrativa e poderia me ajudar a levar a Mantiqueira a vários outros mercados e a conquistar novos clientes.
Usei o dinheiro que o Carlos colocou na sociedade para pagar dívidas e ampliar a produção. Em três anos, saímos de 400 000 ovos por dia para 2,4 milhões. Ele já é meu sócio há 13 anos. Algumas vezes divergimos, mas nunca brigamos. Tudo na nossa sociedade é muito claro, dividimos meio a meio até a conta do almoço e do estacionamento.
Em 2007, viajei para Primavera do Leste, em Mato Grosso, para comprar uma máquina para nossas fazendas. Vi que era um bom local para instalar uma granja. O clima era propício e a cidade estava no coração de uma região produtora de soja e milho — dois ingredientes fundamentais da ração das aves e que correspondem à maior parte do custo de produção dos ovos. Contei para o Carlos a ideia de construir uma nova unidade da Mantiqueira. Ele concordou. Em 2008, compramos uma área de 209 hectares em Primavera do Leste e começamos a construir os galpões.
Em Primavera do Leste, temos hoje nossa maior unidade, com mais de 50 galpões e um depósito para milho com capacidade suficiente para estocar ração por pelo menos 12 meses. Uma pesquisa de uma consultoria americana classificou a Mantiqueira como a maior granja de ovos da América do Sul e a 11a do mundo, atrás apenas de empresas dos Estados Unidos, do México e da Ucrânia. Nas nossas duas unidades, temos 10,8 milhões de galinhas. Em média, elas botam 5,4 milhões de ovos por dia — são quase
2 bilhões por ano. Vendemos para indústrias de alimentos, exportamos para a África e para o Oriente Médio, distribuímos para supermercados de todo o país e produzimos ovos com as marcas próprias de varejistas como Pão de Açúcar, Prezunic e Carrefour.
Agora que temos volume, nossa prioridade é cortar custos e profissionalizar a gestão da Mantiqueira. A cumplicidade entre mim e meu sócio e o apoio de nossas famílias foram fundamentais para chegarmos até aqui. Para ajudar nessa nova fase, chamamos a consultoria Prodap, especializada em gestão de negócios agroindustriais. Contratamos profissionais de finanças e de controladoria no mercado. Já temos um comitê de gestão, e nada mais precisa sair apenas da cabeça dos sócios. Antes de qualquer decisão importante, reunimos o pessoal e fazemos um toró de “parpites”, que é como chamamos esse negócio de brainstorm aqui na Granja.
Com reportagem de João Werner Grando