Exame Logo

Plano de negócios não resolve tudo

O economista John Kay explica por que tantos planos levam as empresas para muito longe de onde se queria chegar

Fábrica da Boeing: comer, respirar e dormir o mundo da aeronáutica (Divulgação)
DR

Da Redação

Publicado em 26 de outubro de 2011 às 05h00.

São Paulo - Existe uma boa razão para que A Beleza da Ação Indireta — Por Que a Linha Reta nem Sempre É a Melhor Estratégia, do economista inglês John Kay, mereça a atenção dos pequenos e médios empresários se o livro não diz o que fazer para achar a estrada para o crescimento? Sim, e a razão é exatamente essa: a ausência de receitas fáceis que leva à reflexão cada vez que se vira a página.

Kay, um ex-professor da London Business School e da Universidade de Oxford que hoje escreve semanalmente uma coluna no jornal Financial Times, destrói uma ilusão comum entre empreendedores — a de que, para uma empresa dar certo, basta fazer um bom plano de negócios e executá-lo direito. Não é que ele seja contra o planejamento.

O problema é que, ao não dar o devido valor às incertezas, gerações de empreendedores e executivos têm subestimado a importância de manter a flexibilidade para rever os planos diante do inesperado.

Em seu livro, Kay diz que sobram evidências de que não existe planejamento, por mais detalhado que seja, capaz de dimensionar corretamente o peso de fatores sobre os quais não se pode ter controle. Aliás, muitas vezes não dá nem para ter certeza se acaso algum aspecto muito importante acabou ficando de fora.

Kay está convencido de que os casos em que atiramos no que vemos e acertamos o que não vemos são a regra, e não a exceção. Por isso, diz ele, seria mais sensato que as decisões de negócios fossem tomadas mais por métodos que ele chama de "oblíquos" (que incorporam as incertezas conforme elas se tornam menos incertas) do que por métodos "diretos" (aqueles em que determinada meta, vinculada a uma estratégia lógica e cuidadosa, é perseguida com obstinação).


"Em geral, abordagens oblíquas aproveitam melhor o aprendizado imprevisível, e rico, que provém da busca pelos objetivos", escreve Kay. "É preciso olhar para trás e enxergar as descobertas, antes invisíveis, para então seguir adiante."

Frequentemente, na abordagem oblíqua, para chegar a determinado lugar deve-se seguir por algum caminho que, em certos trechos, vai numa direção diferente da que levaria ao destino.

É uma ideia paradoxal, mas com o aval da realidade — batalhas decisivas na história das guerras, por exemplo, incluíram táticas diversionistas para enganar o inimigo e logística complexa para superar obstáculos geográficos. Assim, diz Kay, também é no mundo dos negócios.

No livro, o autor fornece exemplos de contraste entre a abordagem oblíqua e a direta. Ele conta que no começo da década de 90 costumava afirmar em suas aulas na London Business School que o domínio da Boeing no setor de aviação a tornava umas das empresas mais potentes do mundo.

Como a Boeing chegara àquela posição? Quando lhe perguntavam qual objetivo a empresa perseguia, Bill Allen, que presidiu a Boeing entre 1945 e 1968, dava uma resposta muito diferente de "aumentar o valor da empresa para os acionistas" — uma das metas mais prometidas, cobradas e pouco compreendidas nas últimas décadas.

Ele dizia: "Eu e meus executivos somos guiados pelo espírito de comer, respirar e dormir o mundo da aeronáutica". Em sua gestão foram desenvolvidos o Boeing 737 e o Jumbo 747, dois dos modelos mais bem-sucedidos da história da aviação e que ajudaram a levar a Boeing à liderança do mercado da aviação comercial.

No final dos anos 90, depois da aquisição da rival McDonnell Douglas, a cultura decisória havia mudado — ou, pelo menos, o discurso havia mudado. O presidente, Phil Condit, declarou que, a partir dali, a estratégia  seria concentrar-se em baixos custos para aumentar os retornos sobre os investimentos e, assim, o valor para os acionistas.

Investimentos de alto risco foram redirecionados para projetos do Exército americano que envolviam riscos mais baixos. Ficou decidido então que os altos executivos seriam transferidos de Seattle para Chicago por ser mais perto de Washington, de onde proviam os fundos do governo.


Tudo muito lógico e planejado, mas no que deu? A estratégia de se aproximar do Pentágono terminou em acusações de corrupção, e os resultados não apareceram. Em março de 2004, quando Condit foi demitido, as ações da empresa eram cotadas em 34 dólares — quase 40% abaixo do patamar depois da fusão.

A Boeing retomou o foco na aviação civil e, em 2008, voltou à liderança, perdida para a francesa Airbus — uma derrota dos métodos diretos, portanto, na visão de Kay.

Quem não concordar com a supremacia da obliquidade também tirará proveito do livro. Isso porque sua leitura é uma experiência um tanto... oblíqua — pode-se não aceitar as conclusões de Kay, mas é impossível ignorar seus argumentos e chega-se à última página inquieto do mesmo jeito.

Uma das ideias perturbadoras é que mesmo as decisões precedidas de muito estudo têm grande probabilidade de fracassar devido ao altíssimo grau de incerteza e complexidade do mundo: os problemas nem sempre são claros, o que torna difícil estipular metas para resolvê-los.

Além disso, as circunstâncias estão sempre mudando. O setor, a economia, as pessoas envolvidas mudam — o que muda, outra vez, as circunstâncias. É impossível antecipar o resultado dessa interdependência toda; e os métodos decisórios diretos, segundo Kay, são inflexíveis demais para lidar com tanta turbulência.

As consequências dessas interações podem ser complicadas. É o caso, por exemplo, de políticas de remuneração baseadas em prêmios por resultados. Dependendo do formato do plano e do ambiente externo, os funcionários podem se sentir estimulados a levar a empresa a enfrentar riscos insuportavelmente altos.

Kay acha que muitos exemplos de sucesso tidos como resultado direto de estratégias visionárias foram, na verdade, fruto de uma trajetória enviesada — ou pelo menos que não há como provar o contrário. Um exemplo: nos anos 90, o americano Jack Welch se tornou um executivo idolatrado — em sua gestão, a General Electric proporcionou bons resultados aos acionistas.

Ele se desfez dos negócios em setores em que a GE não era líder nem vice-líder. Dizia-se, na época, que sua grande estratégia era aumentar o retorno para os acionistas. "Essa é a ideia mais idiota do mundo", disse na década seguinte, já aposentado, ao Financial Times: "Retorno para o acionista é um resultado, não uma estratégia".

Veja também

São Paulo - Existe uma boa razão para que A Beleza da Ação Indireta — Por Que a Linha Reta nem Sempre É a Melhor Estratégia, do economista inglês John Kay, mereça a atenção dos pequenos e médios empresários se o livro não diz o que fazer para achar a estrada para o crescimento? Sim, e a razão é exatamente essa: a ausência de receitas fáceis que leva à reflexão cada vez que se vira a página.

Kay, um ex-professor da London Business School e da Universidade de Oxford que hoje escreve semanalmente uma coluna no jornal Financial Times, destrói uma ilusão comum entre empreendedores — a de que, para uma empresa dar certo, basta fazer um bom plano de negócios e executá-lo direito. Não é que ele seja contra o planejamento.

O problema é que, ao não dar o devido valor às incertezas, gerações de empreendedores e executivos têm subestimado a importância de manter a flexibilidade para rever os planos diante do inesperado.

Em seu livro, Kay diz que sobram evidências de que não existe planejamento, por mais detalhado que seja, capaz de dimensionar corretamente o peso de fatores sobre os quais não se pode ter controle. Aliás, muitas vezes não dá nem para ter certeza se acaso algum aspecto muito importante acabou ficando de fora.

Kay está convencido de que os casos em que atiramos no que vemos e acertamos o que não vemos são a regra, e não a exceção. Por isso, diz ele, seria mais sensato que as decisões de negócios fossem tomadas mais por métodos que ele chama de "oblíquos" (que incorporam as incertezas conforme elas se tornam menos incertas) do que por métodos "diretos" (aqueles em que determinada meta, vinculada a uma estratégia lógica e cuidadosa, é perseguida com obstinação).


"Em geral, abordagens oblíquas aproveitam melhor o aprendizado imprevisível, e rico, que provém da busca pelos objetivos", escreve Kay. "É preciso olhar para trás e enxergar as descobertas, antes invisíveis, para então seguir adiante."

Frequentemente, na abordagem oblíqua, para chegar a determinado lugar deve-se seguir por algum caminho que, em certos trechos, vai numa direção diferente da que levaria ao destino.

É uma ideia paradoxal, mas com o aval da realidade — batalhas decisivas na história das guerras, por exemplo, incluíram táticas diversionistas para enganar o inimigo e logística complexa para superar obstáculos geográficos. Assim, diz Kay, também é no mundo dos negócios.

No livro, o autor fornece exemplos de contraste entre a abordagem oblíqua e a direta. Ele conta que no começo da década de 90 costumava afirmar em suas aulas na London Business School que o domínio da Boeing no setor de aviação a tornava umas das empresas mais potentes do mundo.

Como a Boeing chegara àquela posição? Quando lhe perguntavam qual objetivo a empresa perseguia, Bill Allen, que presidiu a Boeing entre 1945 e 1968, dava uma resposta muito diferente de "aumentar o valor da empresa para os acionistas" — uma das metas mais prometidas, cobradas e pouco compreendidas nas últimas décadas.

Ele dizia: "Eu e meus executivos somos guiados pelo espírito de comer, respirar e dormir o mundo da aeronáutica". Em sua gestão foram desenvolvidos o Boeing 737 e o Jumbo 747, dois dos modelos mais bem-sucedidos da história da aviação e que ajudaram a levar a Boeing à liderança do mercado da aviação comercial.

No final dos anos 90, depois da aquisição da rival McDonnell Douglas, a cultura decisória havia mudado — ou, pelo menos, o discurso havia mudado. O presidente, Phil Condit, declarou que, a partir dali, a estratégia  seria concentrar-se em baixos custos para aumentar os retornos sobre os investimentos e, assim, o valor para os acionistas.

Investimentos de alto risco foram redirecionados para projetos do Exército americano que envolviam riscos mais baixos. Ficou decidido então que os altos executivos seriam transferidos de Seattle para Chicago por ser mais perto de Washington, de onde proviam os fundos do governo.


Tudo muito lógico e planejado, mas no que deu? A estratégia de se aproximar do Pentágono terminou em acusações de corrupção, e os resultados não apareceram. Em março de 2004, quando Condit foi demitido, as ações da empresa eram cotadas em 34 dólares — quase 40% abaixo do patamar depois da fusão.

A Boeing retomou o foco na aviação civil e, em 2008, voltou à liderança, perdida para a francesa Airbus — uma derrota dos métodos diretos, portanto, na visão de Kay.

Quem não concordar com a supremacia da obliquidade também tirará proveito do livro. Isso porque sua leitura é uma experiência um tanto... oblíqua — pode-se não aceitar as conclusões de Kay, mas é impossível ignorar seus argumentos e chega-se à última página inquieto do mesmo jeito.

Uma das ideias perturbadoras é que mesmo as decisões precedidas de muito estudo têm grande probabilidade de fracassar devido ao altíssimo grau de incerteza e complexidade do mundo: os problemas nem sempre são claros, o que torna difícil estipular metas para resolvê-los.

Além disso, as circunstâncias estão sempre mudando. O setor, a economia, as pessoas envolvidas mudam — o que muda, outra vez, as circunstâncias. É impossível antecipar o resultado dessa interdependência toda; e os métodos decisórios diretos, segundo Kay, são inflexíveis demais para lidar com tanta turbulência.

As consequências dessas interações podem ser complicadas. É o caso, por exemplo, de políticas de remuneração baseadas em prêmios por resultados. Dependendo do formato do plano e do ambiente externo, os funcionários podem se sentir estimulados a levar a empresa a enfrentar riscos insuportavelmente altos.

Kay acha que muitos exemplos de sucesso tidos como resultado direto de estratégias visionárias foram, na verdade, fruto de uma trajetória enviesada — ou pelo menos que não há como provar o contrário. Um exemplo: nos anos 90, o americano Jack Welch se tornou um executivo idolatrado — em sua gestão, a General Electric proporcionou bons resultados aos acionistas.

Ele se desfez dos negócios em setores em que a GE não era líder nem vice-líder. Dizia-se, na época, que sua grande estratégia era aumentar o retorno para os acionistas. "Essa é a ideia mais idiota do mundo", disse na década seguinte, já aposentado, ao Financial Times: "Retorno para o acionista é um resultado, não uma estratégia".

Acompanhe tudo sobre:gestao-de-negociosplanos-de-negocios

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de PME

Mais na Exame