PME

Os empreendedores estrangeiros estão entre nós

Conheça a trajetória de estrangeiros que abandonaram sua carreira para empreender no Brasil e aproveitar as oportunidades de uma economia que não para de crescer

Contrariando expectativas, empreendedores deixaram seus países de origem para investir no Brasil (Wikimedia Commons)

Contrariando expectativas, empreendedores deixaram seus países de origem para investir no Brasil (Wikimedia Commons)

DR

Da Redação

Publicado em 26 de junho de 2011 às 08h00.

Já é quase lugar-comum dizer que é muito, muito difícil, fazer negócios no Brasil. Frequentemente, rankings de com­petitividade entre os países — como o elaborado anualmente pelo Fórum Econômico Mundial — nos colocam em posição inferior a nações com economias menores, pouco dinâmicas e menos diversificadas, como Cabo Verde ou Namíbia.

Mas nem mesmo os enormes obstáculos estruturais têm sido suficientes para abalar a confiança de empreendedores no crescimento e no potencial do mercado brasileiro. A novidade é que, agora, eles vêm de todas as partes do mundo — sobretudo de economias desenvolvidas, com mercados saturados e vergadas pela última crise global.

É o caso do alemão Raphael Rottgen, fundador da Sagace, empresa que ajuda a classe média emergente a encontrar o financiamento mais adequado para comprar imóveis, ou de seu conterrâneo Bernd Seelhorst, dono da Nickol, que vem crescendo ao ajudar empresas a reduzir custos com controle ambiental.

Há também histórias como a do holandês Pieter Lekkerkerk, sócio da corretora de seguros Escolher Seguros, e a do suíço Lukas Fischer, que construiu a SmartLife, marca de energéticos e alimentos funcionais. Ambos deixaram um emprego bem remunerado em multinacionais para correr o risco de empreender.

O caos gerado pela burocracia, o emaranhado tributário e a falta de infraestrutura continuam a complicar a vida de qualquer empresário — especialmente dos pequenos. Mas a trajetória desses empreendedores, contada nas próximas páginas, parece revelar que as oportunidades podem ser ainda maiores do que os riscos.


Energia em pílulas

O suíço Lukas Fischer criou um negócio em expansão ao desenvolver energéticos — muito populares nas baladas — para quem estuda e trabalha durante o dia

O empreendedor suíço Lukas Fischer, de 40 anos de idade, não costuma servir um cafezinho a quem visita seu escritório, no bairro de Moema, na zona sul de São Paulo.

Dono da SmartLife, Fischer prefere oferecer uma dose de um de seus principais produtos,  uma cápsula com aproximadamente 60 miligramas de cafeí­na, extrato de guaraná e vitaminas, ou um copinho de energético. “Ambos contêm cafeí­na numa quantidade equivalente a três xícaras de café”, afirma ele.

Nos últimos cinco anos, as vendas de energéticos no Brasil mais do que triplicaram, de acordo com dados da As­sociação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Be­bidas Não Alcoólicas. A expansão desse mercado estimulou o crescimento das receitas da SmartLife, que chegaram a 5 milhões de reais, o dobro de 2009.

Fischer, um ex-executivo que se mudou para o Brasil em 2001 para trabalhar no marketing da subsidiária brasileira da Nestlé, percebeu a oportunidade pouco depois de chegar ao país. “Na época, poucos brasileiros consumiam energéticos”, diz ele. “A bebida era cara e vista mais como um aditivo para quem queria aproveitar festas e baladas com mais entusiasmo.”

Era um comportamento bastante diferente do que Fischer conhecera na Europa, onde cápsulas e bebidas eram usadas também como estimulantes para melhorar o rendimento no trabalho ou nos estudos. “O Brasil era o terceiro maior mercado da Nestlé, mas os brasileiros não consumiam energético”, afirma. “Havia claramente um enorme potencial a ser explorado.”

Em 2006, Fischer pediu demissão da Nestlé para se tornar empreendedor e levar adiante o projeto de colocar de pé a empresa de energéticos.


O primeiro desafio foi se posicionar de modo a fugir da disputa com grandes concorrentes, como a austríaca Red Bull, que hoje detém em torno de 40% desse mercado.

“Foi por isso que meu primeiro produto foi o energético em cápsulas, que era pouco conhecido dos brasileiros”, diz. Os energéticos em lata, mais ligados ao consumo com bebidas alcoólicas, sempre tiveram forte apelo entre os frequentadores de baladas —Fischer buscou atrair um público diferente, que se preocupa com saúde  e bem-estar.

“Procurei associar minha marca a situações cotidianas, como trabalho, exercício físico, estudo e lazer”, afirma.Só em 2009 a SmartLife lançou a versão líquida de seu energético, em embalagens de 60 mililitros — pouco mais do que um copinho de café.

No início, para chegar aos consumidores, Fischer colocou os produtos nas mãos de uma equipe de representantes e concentrou os esforços para atender pequenos varejistas, como empórios de produtos naturais, lojas de conveniência, revendedores de suplementos alimentares e padarias de São Paulo.

Ao mesmo tempo, começou a distribuir cápsulas em parques, praças com quadras de esporte e pistas de corrida e em locais frequentados por executivos de bancos, empresas de tecnologia e escritórios de advocacia.

Hoje, os energéticos da Smart­Life já são vendidos em grandes redes de farmácias e supermercados, como Carrefour e Walmart.

Fischer agora faz planos para continuar crescendo ao produzir alimentos funcionais, capazes de regular o metabolismo. Neste ano, a SmartLife deve lançar uma bebida que promete acelerar a eliminação de toxinas do organismo, e cápsulas de uma substância que, de acordo com estudos, queimaria gordura localizada.

Fischer também pretende aproveitar o fato de seus produtos usarem cafeína extraída do guaraná para vender a SmartLife lá fora. “Quero levar o conceito da energia da Amazônia para o dia a dia europeu”, diz ele. “A meta é continuar dobrando as receitas a cada ano até 2014.”


Um mercado em construção

Após percorrer países emergentes, o alemão Raphael Rottgen encontrou no Brasil a oportunidade para crescer na esteira do aquecimento do mercado imobiliário 

No início de 2007, o alemão Raphael Rottgen, de 39  anos, desembarcou em São Paulo com uma ideia fixa: abrir um negócio num mercado em ascensão para aproveitar a onda do crescimento brasileiro.

Era o fim de uma jornada que começara dois anos antes, quando Rottgen, então executivo de um fundo de investimentos londrino, começou a pesquisar oportunidades de negócios em países emergentes. “Visitei várias vezes o Brasil, a China, a Rússia e a Índia”, diz. “Encontrei no mercado brasileiro as melhores condições para empreender como eu queria.”

No Brasil, Rottgen fundou a Sagace, uma consultoria de investimentos que vem crescendo na esteira da expansão do mercado imobiliário. Seu negócio é ajudar quem compra um imóvel a escolher a linha de financiamento mais vantajosa.

“Fazemos uma análise que leva em conta a melhor taxa de juro e o valor da parcela mais adequado a cada cliente”, diz. Metade das receitas da empresa, que devem chegar a 1 milhão de reais neste ano, vem de comissões pagas pelos bancos que emprestam dinheiro.

O restante é fruto das taxas cobradas pela Sagace de construtoras como Cyrela e Gafisa, que, após entregar uma obra, repassam aos bancos os financiamentos de imóveis vendidos na planta.

O recente aquecimento no mercado imobiliário pesou um bocado na decisão de Rottgen se instalar no Brasil. Ele também se sentiu pouco atraído pelos outros países emergentes

. Rottgen viu um país ainda fechado aos estrangeiros na China, desigualdades que atrasam o desenvolvimento mais rápido do mercado de consumo na Índia e incertezas na política russa.


“Achei o ambiente de negócios no Brasil muito melhor do que nos outros países que visitei”, afirma. “Também vi que me adaptaria mais facilmente à cultura do país.”

O modelo de negócios da Sagace é semelhante ao de empresas que Rottgen conheceu na Europa. Quando trabalhava no mercado financeiro, ele participou da negociação de investidores com uma consultoria de financiamento, a Interthyp.

“Num mercado imobiliário vigoroso como o que está se formando no Brasil, esse tipo de serviço tem forte potencial para se valorizar e atrair investidores”, diz ele.

A maior dificuldade de Rottgen para começar seu negócio foi fazer com que os bancos compreendessem o tipo de serviço prestado pela Sagace.

Muitos executivos não viam sentido em pagar comissões para alguém que aconselhava os compradores de imóveis a decidir onde buscar financiamento. Durante meses, ele peregrinou pelos escritórios dos gestores de crédito imobiliário de alguns dos principais bancos brasileiros.

Nos encontros, Rottgen argumentava que o mercado de imóveis estava se tornando cada vez mais complexo. “Uma empresa como a minha não tinha razão de existir no Brasil até pouco tempo atrás, quando praticamente todos os recursos para financiar imóveis vinham da Caixa Econômica Federal”, diz.

“Mas, atualmente, mais de 30 bancos oferecem crédito para comprar imóveis, e cada um deles tem, em média, dez opções de juros e prazos diferentes.” Só no final de 2009 Rottgen conseguiu fechar o primeiro contrato, com o HSBC. Hoje, quase dois anos depois, 17 bancos são clientes da Sagace.


No Brasil, apenas 50% das vendas de imóveis são financiadas, percentual bem inferior ao de mercados mais maduros, como o europeu, em que os empréstimos bancam 98% das transações.

Para Rottgen, esses números indicam o potencial que sua empresa tem para crescer nos próximos anos. “Quando vim para o Brasil, muitos de meus amigos achavam que eu estava maluco”, afirma. “Agora, frequentemente recebo e-mails de gente querendo morar e investir aqui.”

Negócios com os pés no chão

O alemão Bernd Seelhorst chegou ao Brasil em 1996 com planos de abrir um negócio na área ambiental — mas precisou esperar até que o mercado estivesse maduro

Solo contaminado por produtos químicos em áreas industriais é um problema grave para muitas empresas instaladas no Brasil. Companhias que não tomam o devido cuidado com o chão onde estão instaladas correm sério risco de pagar multas pesadas e responder a processos por crimes ambientais.

O alemão Bernd Seelhorst, de 44 anos, encontrou uma oportunidade para crescer ao reduzir os custos com o tratamento necessário para descontaminar o solo.

Ele é dono da Nickol, que usa uma tecnologia importada da Alemanha para aquecer a terra até que substâncias tóxicas, como solventes e combustíveis, se vaporizem — processo que, segundo ele, custa 30% menos e é pelo menos dez vezes mais rápido do que o método tradicional disponível no mercado.

“A Alemanha é uma referência nesse setor”, diz Seelhorst. “No passado, nós contaminamos demais nossos solos e tivemos de aprender como corrigir o erro que cometemos.”


Seelhorst chegou ao Brasil em 1996, após fazer carreira trabalhando com projetos ligados ao meio ambiente em empresas alemãs. Depois de conversar com executivos e representantes do governo para saber se havia espaço para uma consultoria ambiental, ele se deu conta de que ainda era muito cedo para investir nesse mercado.

Seelhorst só veio a abrir sua empresa quatro anos mais tarde, em Cotia, na Grande São Paulo, depois de concluir um doutorado em geografia.

Na época, muitas companhias começavam a ensaiar um discurso ecológico e comprometido com o meio ambiente — mas, na prática, pouquíssimas realizavam estudos de contaminação de solo e o tema da sustentabilidade ainda estava longe de ocupar o topo das prioridades. Ainda assim, Seelhorst decidiu seguir em frente.

“Tinha certeza de que o negócio deslancharia, só não sabia em quanto tempo. Minha mulher, que é brasileira, insistia para eu abandonar o projeto de abrir a empresa, mas felizmente não fiz o que ela dizia.”

No ano passado, a Nickol faturou 3 milhões de reais, o dobro das receitas de 2009, atendendo clientes industriais que vão de grandes multinacionais a pequenas fabricantes de tintas do interior do país.

Os negócios estão sendo impulsionados pelo crescente rigor das leis ambientais e pelo aperto na fiscalização brasileira. Mas os primeiros anos da Nickol foram duros. Boa parte da legislação ambiental era ignorada no mundo dos negócios.

Em São Paulo, por exemplo, já existia uma lei obrigando postos de gasolina a realizar estudos de contaminação do solo, mas havia pouca procura por esse tipo de serviço.

A situação só começou a melhorar em 2005, quando a empresa de monitoramento ambiental de São Paulo, a Cetesb, passou a exigir laudos de impacto ambiental para empresas que precisassem renovar sua licença de operação. “Depois disso, a demanda por nossos serviços disparou e passamos a dobrar o faturamento a cada ano”, diz Seelhorst.


Recentemente, Seelhorst inaugurou uma nova empresa, a GB Eco Solutions, braço da Nickol dedicado a alugar e vender equipamentos usados para tratar solos contaminados.

A expectativa é que, com a nova frente dos negócios, as receitas do grupo cheguem a 20 milhões de reais em dois anos. A julgar pelas estatísticas, a Nickol ainda tem pela frente muito trabalho. De acordo com a Cetesb, existem hoje no estado de São Paulo cerca de 60 000 áreas potencialmente contaminadas.

Dessas, somente 3 500 estão mapeadas e analisadas. “Temos muito chão para percorrer”, afirma Seelhorst. “O mercado de negócios ambientais ainda está começando a engatinhar.”

Seguros para as massas

O holandês Pieter Lekkerkerk trocou um emprego confortável para correr o risco de desbravar um mercado que a maioria das seguradoras deixava de lado

São espartanos os escritórios da Escolher Seguros, corretora do holandês Pieter Lekkerkerk, de 35 anos de idade. A empresa ocupa parte do 7o andar de um velho prédio no centro de São Paulo. Não existem quadros nas paredes e o chão é coberto por um carpete azul de aparência antiquada.

Pela janela da sala de reuniões, costuma entrar o cheiro de fritura de uma lanchonete instalada no térreo. É um ambiente bem distinto — e certamente menos glamouroso — das instalações que Lekkerkerk ocupava há quatro anos, quando chegou a São Paulo para trabalhar como analista de riscos na filial da McKinsey, uma das maiores firmas de consultoria do mundo. “Eu tinha muitos benefícios no meu antigo emprego, desde um bom apartamento alugado numa área nobre da cidade até carro com motorista”, diz ele. “Abri mão de tudo em troca da possibilidade de crescimento que vislumbrei no país.”


Na McKinsey, Lekkerkerk trabalhava com análise de riscos nos mercados emergentes. Ao chegar ao Brasil, ele se dedicou a compreender o funcionamento do mercado de seguros para um cliente da consultoria.

Acabou descobrindo um mercado que cresce, em média, 15% ao ano, impulsionado principalmente por um público que as corretoras tradicionais têm dificuldade para compreender — gente que, graças ao aumento no poder aquisitivo, está conseguindo comprar a casa própria ou o primeiro carro zero-quilômetro. “A maioria dos corretores brasileiros ainda não se adaptou a esse novo cenário”, afirma Lekkerkerk.

“O consumidor emergente nunca comprou seguro, e é preciso ser muito didático para conseguir fechar negócio.” Ele diz ter percebido que uma das principais dificuldades nesse mercado é que boa parte das corretoras trabalha com poucas seguradoras. Por isso, têm poucas opções de preço a oferecer e nem sempre conseguem fazer propostas com custos adequados aos clientes de baixa renda.

Trata-se de um público que, nos últimos anos, ganhou poder aquisitivo, financiou bens como carros e computadores e agora começa a fazer compras pela internet.

Por essa razão, o principal canal de vendas da Escolher é um site de comércio eletrônico em que os clientes podem fazer cotações e receber propostas de apólices de cinco seguradoras diferentes. Estima-se que apenas 30% dos carros e 10% das residências no Brasil sejam segurados. “É um mercado imenso ainda totalmente inexplorado”, diz Lekkerkerk.

Neste ano, as receitas da Escolher serão de 1 milhão de reais, mais de seis vezes superiores às de 2010. Para crescer, Lekkerkerk espera aproveitar as oportunidades que se abrem num mercado muito pulverizado e que tem se modernizado lentamente.

“Há no Brasil milhares de pequenas corretoras, muitas delas administradas de modo pouco profissional”, diz. “Quis trazer para cá um modelo parecido com o que conheci no exterior, onde a venda de seguros está nas mãos de empresas fortes, que vendem todo tipo de apólice e têm condições de manter margens pequenas para ganhar no volume de negócios.”

Para diminuir o tempo que seus funcionários gastam para consultar os preços de uma apólice, Lekkerkerk está negociando com as seguradoras o acesso a seus bancos de dados pela internet. “Quanto mais rápido eu for, mais gente poderei atender”, afirma.

No futuro, Lekkerkerk pretende transformar sua empresa numa espécie de consultoria online de assuntos financeiros para consumidores emergentes. A intenção é ajudá-los a encontrar boas opções de investimento ou financiamentos, por exemplo. “Às vezes, a burocracia brasileira complica um bocado a vida de quem faz negócios”, afirma. “Mas as oportunidades compensam.”
 

Acompanhe tudo sobre:Custo BrasilEmpreendedoresPequenas empresasreformas

Mais de PME

O que é uma Microempresa (ME) e quais são suas principais características?

O que é Sociedade Anônima e como funciona uma S.A?

MEI: conheça a categoria empresarial que conta com mais de 12 milhões de empreendedores

Simples Nacional: o que é o regime tributário, quais são as vantagens e requisitos para aderir?

Mais na Exame