Diversidade: as ações de inclusão que toda PME pode adotar
Especialista em direito trabalhista Tulio Massoni lista algumas práticas de inclusão e diversidade e orienta empresas de pequeno e médio porte que desejam implementá-las
Maria Clara Dias
Publicado em 31 de janeiro de 2022 às 13h49.
Última atualização em 1 de fevereiro de 2022 às 10h50.
Por Tulio Massoni, sócio do escritório Romar, Massoni & Lobo Advogados
As hipóteses de discriminação no ambiente de trabalho são amplas e variadas, e podem ocorrer em todas as fases da relação contratual — desde o recrutamento e até mesmo no desligamento.
Para combater essa discriminação, crescem nas empresas políticas de diversidade e de inclusão de grupos que socialmente são mais vulneráveis e potencialmente discriminados, tanto no acesso ao mercado de trabalho, quanto por sofrerem preconceitos que impeçam ou dificultem progressão na carreira e até em termos de salários menores, sem qualquer justificativa.
Por isso, não basta apenas prever a igualdade, deve-se ir além e impor medidas de “promoção”, “afirmativas”. Daí porque é necessário priorizar e adotar medidas focadas a membros de grupos vulneráveis, o que constitui uma ação afirmativa, que tem como objetivo promover e dar efetividade ao princípio constitucional da igualdade.
No entanto, esta ação de priorizar recrutamento/seleção deve ser feita em conjunto com outras, tais como a capacitação dos profissionais da área de RH para melhor entendimento do tema e fornecimento de treinamento e programas de conscientização adequados para combater atitudes discriminatórias no ambiente de trabalho.
Exemplos de grupos que sofrem discriminação no mercado de trabalho e devem ser beneficiados por meio de ações afirmativas são: negros, mulheres, pessoas LGBTQIA+ e pessoas com deficiência (PCD).
A seguir, iremos comentar algumas dessas práticas de inclusão e diversidade que devem ser adotadas e como as empresas em geral, e as de pequeno e médio porte, em particular, podem implementá-las.
Práticas de inclusão que toda PME pode adotar
1. Inclusão de gênero (mulheres)
A desigualdade de gênero continua a ser um desafio no mundo do trabalho. As mulheres são menos propensas do que os homens a participar do mercado de trabalho e, uma vez inseridas, têm menor probabilidade que os homens de encontrar emprego. Além disso, a qualidade desse emprego continua a ser uma preocupação fundamental.
Para combater esta discriminação, devem ser adotadas medidas para eliminar a discriminação contra a mulher, praticadas por qualquer pessoa, organização ou empresa, tal como prevê a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979), ratificada pelo Brasil.
No entanto, ao se adotar um posicionamento proativo no sentido de ampliar o número de mulheres em seu quadro de empregados, não basta “abrir” vagas exclusivas para contratação de mulheres, medidas adicionais, relacionadas ao gênero, convêm serem seguidas: com vistas à maternidade, concessão maior de licença parental, treinamentos específicos para progressão na carreira, difusão de seminários e de conscientização para combater práticas arraigadas de preconceitos e estereótipos da mulher no trabalho.
Além disso, é preciso ter claro que, sendo as mulheres “grupo vulnerável”, que mais sofre violências no ambiente de trabalho (em especial discriminações, assédio moral e assédio sexual), a empresa deve aprimorar canais de denúncia e mecanismos de prevenção e de reparação.
2. Inclusão racial
A despeito de todas as normas que garantem a igualdade e a não discriminação, a realidade é bem diferente, já que o racismo e a discriminação racial ainda estão presentes na sociedade e nas relações de trabalho.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, de 2017, 63,7% dos desempregados são oriundos da população negra e trabalhadores brancos recebem, em média, 75% a mais que pretos e pardos.
Para reverter estes dados e concretizar o direito à igualdade de oportunidades no trabalho, o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) conclama que a participação da população negra, em condição de igualdade de oportunidade, seja promovida, prioritariamente, por meio da adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas.
Este mesmo entendimento pode ser encontrado em documentos internacionais, que corroboram as ações afirmativas como meio de reduzir as desigualdades. Por exemplo: a Convenção Internacional da ONU contra a Discriminação Racial estabelece que medidas afirmativas visando à diminuição de diferenças não podem ser tidas como discriminatórias (no sentido negativo).
Esta prática encontra respaldo do Ministério Público do Trabalho, que, por meio de Notas Técnicas, reafirmou que a reserva de vagas na contratação à população negra é medida plenamente válida e configura ação afirmativa, além de elemento de reparação histórica da exclusão da população negra do mercado de trabalho digno.
3. Inclusão LGBTQIA+
São enormes os obstáculos para acesso, permanência e ascensão profissional no mercado de trabalho por membros da comunidade LGBTQIA+, os quais são estigmatizados e, na maioria das vezes, marginalizados.
Existem diversos documentos jurídicos destinados ao enfrentamento deste tema no âmbito do trabalho. Em especial, podemos citar os Princípios de Yogyakarta apresentados no Conselho de Direitos do Homem das Nações Unidas. Dentre estes princípios, consta o direito ao trabalho, proclamando que toda pessoa tem o direito ao trabalho digno e produtivo, a condições de trabalho justas e favoráveis e à proteção contra o desemprego, sem discriminação por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero.
No Brasil também existem exemplos positivos sobre o tema, tais como o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBTQIA+ e o Programa Brasil Sem Homofobia, que prevê a implementação de políticas de combate à discriminação no ambiente de trabalho.
Com relação a este tema, existem recomendações específicas a serem seguidas pelas PMEs:
a) Extensão dos direitos a cônjuges do mesmo sexo
Deve existir paridade de tratamento entre as uniões estáveis homoafetivas e heteroafetivas, quando a empresa conceder benefício ao (à) companheiro (a) do empregado.
b) Utilização do nome social
As PMEs devem sempre utilizar o nome social nas formas faladas e escritas, conforme informado pela pessoa. Se houver dúvida, pergunte como a pessoa gostaria de ser chamada e identificada. O nome civil somente deverá ser utilizado quando o ato a ser praticado exigir.
c) Utilização de banheiros e vestiários
Deve ser garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com o nome social e a identidade de gênero de cada pessoa.
Por fim, recomendamos que as PMEs se cadastrem como parceiras da Transempregos ( https://www.transempregos.com.br/nempresas ). Este portal fomenta a diversidade e fornece às empresas parceiras conteúdos exclusivos sobre o tema. Além do mais, após o cadastro, a PME terá acesso a banco de dados de currículos de pessoas trans e poderá anunciar gratuitamente suas vagas de emprego.
4. Inclusão de PCDs (Pessoas Com Deficiência)
Conforme disposto na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), é assegurado a estas pessoas o direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com os demais empregados.
Para auxiliar a inclusão no mercado de trabalho, existe legislação que obriga as empresas a preencherem parte de seus postos de trabalho com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência. Porém, a obrigação do preenchimento de cotas mínima de empregados PCD recai apenas para empresas com 100 (cem) ou mais trabalhadores (conforme artigo 93 da Lei 8.213/91), o que, normalmente, não atinge as PMEs.
No entanto, visando implementar práticas de inclusão e de diversidade, nada impede que as PMEs assumam esse compromisso voluntariamente.
Ao assumi-lo, deverão assegurar condições de acessibilidade, atendimento prioritário, igualdade de oportunidades, acessibilidade em cursos de formação, de capacitação e em treinamentos, e condições justas e favoráveis de trabalho, incluídas a igualdade de remuneração por trabalho de igual valor e a igualdade de oportunidades de promoção.
Podemos concluir que práticas de inclusão são necessárias e estão sendo cada vez mais adotadas pelas empresas, por uma série de razões.
Em primeiro lugar, as ações afirmativas não se restringem à ação estatal, uma vez que programas desenvolvidos por particulares podem (e devem) partilhar do mesmo escopo de superação de desigualdade. A forma de instrumentalizar as políticas de ações afirmativas varia, mas o compromisso de promover a igualdade de fato é de todos os interlocutores sociais, inclusive das PMEs.
Para além do aspecto social e ético de melhorar a sociedade de modo a assegurar efetiva igualdade de oportunidades, os ganhos reputacionais e de imagem das empresas também podem ser destacados, já que não se limitam apenas aos consumidores de uma empresa, mas também a seus parceiros comerciais.
Isto ocorre porque grandes companhias têm privilegiado estabelecer parcerias apenas com empresas que tenham práticas de diversidade e inclusão.
Por fim, estudos têm salientado que um time de trabalhadores plural e diverso é um grande diferencial para a produtividade eis que pontos de vista diversos contribuem para enxergar um certo problema por diversos ângulos, muitos dos quais antes não pensados.