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Louco ou gênio? Documentário mostra como Ma criou o Alibaba

No documentário Crocodilo no Yangtze, o americano Porter Erisman conta como um professor de inglês construiu o maior grupo de comércio eletrônico da China

Jack Ma se apresenta em comemoração pelos 10 anos da Alibaba, na China (Reprodução/Youtube/Crocodile Yangtze)
DR

Da Redação

Publicado em 27 de novembro de 2014 às 05h00.

São Paulo - O número 367 da Addison Avenue, em Palo Alto, na Califórnia, faz parte do Registro Nacional de Lugares Históricos dos Estados Unidos. A pequena garagem de madeira, com espaço para um único carro, entrou para a lista de imóveis dignos de preservação, porque foi lá que Bill Hewlett e Dave Packard ­co­meçaram a Hewlett-Packard em 1937.

O endereço onde foi criada a empresa, hoje conhecida como HP, é considerado o marco zero do Vale do Silício. O que de fato aconteceu lá dentro é história. Ou lenda, como a versão segundo a qual eles decidiram na moe­da se a empresa se chamaria Hewlett-Packard ou Packard-Hewlett.

Mitos de criação são inspiradores, mas são apenas isso: mitos, versões repetidas, lustradas e empacotadas, que acabam fazendo parte do charme e do marketing dessas empresas.

Existe um apartamento de um quarto em Hanghzou, cidade ao sul de Xangai, que não faz parte do patrimônio histórico chinês. Foi ali que, em 1999, nasceu o Alibaba , maior empresa de comércio eletrônico da China e uma das maiores varejistas online do mundo. Mas o que houve lá dentro não é lenda.

Quase tudo que envolveu a criação e o crescimento do Alibaba foi registrado em vídeo. O primeiro discurso de Ma para os sócios. A mudança para a primeira sede oficial, quando o apartamento ficou pequeno. A crise do estouro da bolha da internet. A guerra de vida ou morte contra o eBay no mercado chinês.

Esses episódios essenciais da história do Alibaba fazem parte de Crocodile in the Yangtze ­ (“Crocodilo no Yangtze”), documentário sobre os primeiros anos do Alibaba da perspectiva da “mosca na sala”. Não que o diretor e roteirista do filme, Porter Erisman, tenha partido numa empreitada investigativa.

Erisman assistiu a muitos momentos em primeira mão e aparece em várias cenas do filme ao lado de Jack Ma, fundador da empresa. Erisman foi um dos primeiros 100 contratados. Desses, era o único ocidental.

Depois de oito anos, a maior parte deles, como um dos diretores mais próximos de Ma, decidiu sair e contar a história da empresa. Erisman passou dois anos buscando vídeos que registrassem a história do Alibaba, e o resultado da pesquisa é fascinante.

Crocodile in the Yangtze é mais do que um documentário — é um documento. Não há entrevistas com Ma ou com outros envolvidos no surgimento do Alibaba. Todas as imagens são registros de eventos reais.

O mais marcante talvez seja o discurso feito por Ma em seu apartamento. “Estamos aqui hoje para decidir o que temos de fazer nos próximos cinco ou dez anos. O que o Alibaba vai ser no futuro?”, pergunta Ma a um grupo de não mais de dez pessoas, espalhadas em sofás e pufes. “Nossos concorrentes são os sites do Vale do Silício. Temos de posicionar o Alibaba como um site global.”

Na época, o Alibaba nem sequer havia sido lançado. Para Erisman, a cena mostra a essência de Ma. “Ele sempre foi muito ambicioso, desde muito cedo”, diz o diretor. “Também é muito carismático. Quem participou da reunião percebeu que vivia um momento histórico.”

Ma talvez esteja mais para doido do que para magnata da internet. Ele era um professor de inglês que descobriu a rede numa viagem aos Estados Unidos em 1995. De volta, criou sua primeira empresa, a China Pages, basicamente uma lista dos sites do país. O filme mostra a dificuldade para explicar aos burocratas o que a empresa fazia e o que era internet. Sem aprovação oficial, a China Pages não foi adiante.

O melhor vem depois, quando o Alibaba já se estabelecera. Aqui é necessário um parêntese para explicar seu modelo de negócios. Cada peça que forma a empresa é uma plataforma de comércio eletrônico. A primeira, o Alibaba, é voltada para transações entre empresas. Outra, o Tao­Bao, é para consumidores finais e pequenas empresas. O TaoBao é resultado de um movimento defensivo à entrada do eBay na China, mas veio a se tornar um marco.

O eBay entrou na China em 2003, ao comprar uma empresa local. Ma viu um risco gravíssimo para a sobrevivência do Alibaba e disse a frase que dá nome ao documentário: “O eBay pode ser um tubarão no oceano, mas sou um crocodilo no rio Yangtze. Se lutarmos no oceano, vamos perder. Mas, se lutarmos no rio, vamos ganhar”.

Ele partiu então para uma batalha de vida ou morte. Decidiu que as empresas vendedoras não teriam de pagar pelos anúncios no TaoBao (no eBay eram cobrados). Também se esforçou para criar um site mais adequado ao gosto dos consumidores chineses. Acima de tudo, diz Erisman, Ma tinha clareza do que significava o fato de o eBay ter ações na bolsa.

“A empresa teria de prestar contas aos investidores periodicamente. Mas nós poderíamos nos concentrar na visão de longo prazo.” Em dois anos, o eBay sairia da China, humilhado. O caminho para o domínio do maior mercado de internet do mundo estava livre para Ma.

Hoje, o conglomerado Alibaba é a maior empresa de comércio eletrônico do mundo em volume de mercadorias transacionadas. A empresa tem 231 milhões de clientes ativos, mais de dois terços dos chineses que compram online. A margem de lucro fica acima de 40%, mais do que o dobro da do eBay (18%).

Em 22 de setembro, a empresa lançou suas ações na bolsa de Nova York, numa das maiores ofertas públicas iniciais da história. No início de novembro, o Alibaba estava avaliado em 254 bilhões de dólares.

Para Erisman, a tenacidade e a visão de longo prazo presentes na essência da empresa ainda estão nas cenas de Crocodile in the Yangtze. Numa festa dos dez anos da empresa, Ma se vestiu de punk repaginado e disse para uma plateia de milhares de funcionários: “Que os investidores de Wall Street nos xinguem. Vamos seguir o princípio de clientes em primeiro lugar, funcionários em segundo e investidores em terceiro”.

Outro ponto essencial para Erisman é a capacidade de liderança de Ma. “Ele provou que uma ­empresa de sucesso não depende de um time de estrelas, com gente vinda de Harvard ou da McKinsey”, diz. “Ma contratou professores, jornalistas, profissionais sem experiência. Sempre foi um grande motivador e jamais abriu mão de suas convicções.”

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São Paulo - O número 367 da Addison Avenue, em Palo Alto, na Califórnia, faz parte do Registro Nacional de Lugares Históricos dos Estados Unidos. A pequena garagem de madeira, com espaço para um único carro, entrou para a lista de imóveis dignos de preservação, porque foi lá que Bill Hewlett e Dave Packard ­co­meçaram a Hewlett-Packard em 1937.

O endereço onde foi criada a empresa, hoje conhecida como HP, é considerado o marco zero do Vale do Silício. O que de fato aconteceu lá dentro é história. Ou lenda, como a versão segundo a qual eles decidiram na moe­da se a empresa se chamaria Hewlett-Packard ou Packard-Hewlett.

Mitos de criação são inspiradores, mas são apenas isso: mitos, versões repetidas, lustradas e empacotadas, que acabam fazendo parte do charme e do marketing dessas empresas.

Existe um apartamento de um quarto em Hanghzou, cidade ao sul de Xangai, que não faz parte do patrimônio histórico chinês. Foi ali que, em 1999, nasceu o Alibaba , maior empresa de comércio eletrônico da China e uma das maiores varejistas online do mundo. Mas o que houve lá dentro não é lenda.

Quase tudo que envolveu a criação e o crescimento do Alibaba foi registrado em vídeo. O primeiro discurso de Ma para os sócios. A mudança para a primeira sede oficial, quando o apartamento ficou pequeno. A crise do estouro da bolha da internet. A guerra de vida ou morte contra o eBay no mercado chinês.

Esses episódios essenciais da história do Alibaba fazem parte de Crocodile in the Yangtze ­ (“Crocodilo no Yangtze”), documentário sobre os primeiros anos do Alibaba da perspectiva da “mosca na sala”. Não que o diretor e roteirista do filme, Porter Erisman, tenha partido numa empreitada investigativa.

Erisman assistiu a muitos momentos em primeira mão e aparece em várias cenas do filme ao lado de Jack Ma, fundador da empresa. Erisman foi um dos primeiros 100 contratados. Desses, era o único ocidental.

Depois de oito anos, a maior parte deles, como um dos diretores mais próximos de Ma, decidiu sair e contar a história da empresa. Erisman passou dois anos buscando vídeos que registrassem a história do Alibaba, e o resultado da pesquisa é fascinante.

Crocodile in the Yangtze é mais do que um documentário — é um documento. Não há entrevistas com Ma ou com outros envolvidos no surgimento do Alibaba. Todas as imagens são registros de eventos reais.

O mais marcante talvez seja o discurso feito por Ma em seu apartamento. “Estamos aqui hoje para decidir o que temos de fazer nos próximos cinco ou dez anos. O que o Alibaba vai ser no futuro?”, pergunta Ma a um grupo de não mais de dez pessoas, espalhadas em sofás e pufes. “Nossos concorrentes são os sites do Vale do Silício. Temos de posicionar o Alibaba como um site global.”

Na época, o Alibaba nem sequer havia sido lançado. Para Erisman, a cena mostra a essência de Ma. “Ele sempre foi muito ambicioso, desde muito cedo”, diz o diretor. “Também é muito carismático. Quem participou da reunião percebeu que vivia um momento histórico.”

Ma talvez esteja mais para doido do que para magnata da internet. Ele era um professor de inglês que descobriu a rede numa viagem aos Estados Unidos em 1995. De volta, criou sua primeira empresa, a China Pages, basicamente uma lista dos sites do país. O filme mostra a dificuldade para explicar aos burocratas o que a empresa fazia e o que era internet. Sem aprovação oficial, a China Pages não foi adiante.

O melhor vem depois, quando o Alibaba já se estabelecera. Aqui é necessário um parêntese para explicar seu modelo de negócios. Cada peça que forma a empresa é uma plataforma de comércio eletrônico. A primeira, o Alibaba, é voltada para transações entre empresas. Outra, o Tao­Bao, é para consumidores finais e pequenas empresas. O TaoBao é resultado de um movimento defensivo à entrada do eBay na China, mas veio a se tornar um marco.

O eBay entrou na China em 2003, ao comprar uma empresa local. Ma viu um risco gravíssimo para a sobrevivência do Alibaba e disse a frase que dá nome ao documentário: “O eBay pode ser um tubarão no oceano, mas sou um crocodilo no rio Yangtze. Se lutarmos no oceano, vamos perder. Mas, se lutarmos no rio, vamos ganhar”.

Ele partiu então para uma batalha de vida ou morte. Decidiu que as empresas vendedoras não teriam de pagar pelos anúncios no TaoBao (no eBay eram cobrados). Também se esforçou para criar um site mais adequado ao gosto dos consumidores chineses. Acima de tudo, diz Erisman, Ma tinha clareza do que significava o fato de o eBay ter ações na bolsa.

“A empresa teria de prestar contas aos investidores periodicamente. Mas nós poderíamos nos concentrar na visão de longo prazo.” Em dois anos, o eBay sairia da China, humilhado. O caminho para o domínio do maior mercado de internet do mundo estava livre para Ma.

Hoje, o conglomerado Alibaba é a maior empresa de comércio eletrônico do mundo em volume de mercadorias transacionadas. A empresa tem 231 milhões de clientes ativos, mais de dois terços dos chineses que compram online. A margem de lucro fica acima de 40%, mais do que o dobro da do eBay (18%).

Em 22 de setembro, a empresa lançou suas ações na bolsa de Nova York, numa das maiores ofertas públicas iniciais da história. No início de novembro, o Alibaba estava avaliado em 254 bilhões de dólares.

Para Erisman, a tenacidade e a visão de longo prazo presentes na essência da empresa ainda estão nas cenas de Crocodile in the Yangtze. Numa festa dos dez anos da empresa, Ma se vestiu de punk repaginado e disse para uma plateia de milhares de funcionários: “Que os investidores de Wall Street nos xinguem. Vamos seguir o princípio de clientes em primeiro lugar, funcionários em segundo e investidores em terceiro”.

Outro ponto essencial para Erisman é a capacidade de liderança de Ma. “Ele provou que uma ­empresa de sucesso não depende de um time de estrelas, com gente vinda de Harvard ou da McKinsey”, diz. “Ma contratou professores, jornalistas, profissionais sem experiência. Sempre foi um grande motivador e jamais abriu mão de suas convicções.”

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