Contradição socialista: empreendedores invadem a Coreia do Norte
A Coreia do Norte permitiu que milhares de cidadãos estudassem empreendedorismo, apesar do aparente conflito com as práticas socialistas
Mariana Fonseca
Publicado em 21 de junho de 2018 às 06h00.
Última atualização em 21 de junho de 2018 às 08h52.
A Coreia do Norte pode parecer um terreno árido para os empresários . Mas fundadores entusiastas desafiaram a falta de tecnologia e de apoio para iniciar seus próprios empreendimentos, mesmo antes que a recente cúpula histórica em Cingapura criasse a perspectiva de mais oportunidades econômicas.
Existe um site de comércio eletrônico chamado Manmulsang - que significa "a loja de tudo", em um aceno à Amazon.com - e o Okryu, um serviço de compras pelo celular. Existe também um aplicativo de navegação, Gildongmu 1.0, que significa "amigo da estrada". Os fundadores precisam superar alguns obstáculos incomuns. A única maneira que os clientes têm de conseguir aplicativos novos para o smartphone, por exemplo, é ir até uma loja física e fazer o download lá. É a App Store para autocratas.
Ainda assim, a Coreia do Norte permitiu que milhares de cidadãos estudassem empreendedorismo, apesar do aparente conflito com as práticas socialistas. Choson Exchange, um grupo sem fins lucrativos, treinou mais de 2.000 norte-coreanos em seu próprio país e em Cingapura nos últimos dez anos.
Muito antes que Kim Jong-un admirasse o horizonte de Cingapura do edifício Marina Bay Sands antes da cúpula com o presidente dos EUA, Donald Trump, muitos compatriotas tomaram cerveja naquele mesmo lugar quando estavam de visita para frequentar aulas sobre empreendedorismo e capital de risco.
Ian Collins, um instrutor australiano da Choson Exchange, realizou um workshop de quatro dias para 80 pessoas ao norte de Pyongyang, em novembro. Seus alunos aprenderam a desenvolver modelos de negócios e a apresentar suas ideias de negócios em discursos de elevador de três minutos - embora não estivesse claro se algum dia eles estariam em um elevador com um capitalista de risco.
A falta de recursos desperta a engenhosidade. Vários estudantes criaram produtos móveis que usam energia solar. Outro grupo propôs tábuas de taekwondo que podem ser quebradas e remontadas mais de 100 vezes.
"Eles eram provavelmente as pessoas mais ávidas e ansiosas com quem já conversei", disse Collins.
Os melhores estudantes frequentam as principais universidades do país, como a Universidade Kim Il-sung e a Universidade de Tecnologia Kim Chaek, onde aprendem os fundamentos da ciência da computação, embora o acesso à internet seja limitado. Eles frequentemente ganham prêmios em competições internacionais de codificação, e seus talentos ajudaram a Coreia do Norte a despontar como uma ameaça global à segurança cibernética.
Jim Rogers, investidor veterano e presidente da Rogers Holdings, ficou surpreso ao ver as mudanças que estão ocorrendo no regime controlado estritamente. Sua maior surpresa foi durante uma visita a um mercado movimentado na cidade norte-coreana de Rason, há alguns anos, onde centenas de barracas vendiam produtos do mundo inteiro.
"A Coreia do Norte está hoje onde a China estava no início dos anos 1980", disse ele. "Tem todos os sinais - um mercado negro que estava se desenvolvendo e novas coisas estavam acontecendo. Todas essas coisas geralmente levam a um futuro muito empolgante."