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Troca de pele

A Braspelco era mais uma produtora de commodities de couro. Uma metamorfose a tornou a maior exportadora brasileira do produto

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

O empresário gaúcho Arnaldo Frizzo Filho, de 51 anos, transita entre dois mundos contrastantes. Um é a barulhenta e nada charmosa linha de processamento de couro cru da Braspelco, a maior exportadora de couro do país, localizada em Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Aquela foi a primeira -- e por dez anos a única -- unidade de curtimento da companhia, fundada por ele e outros quatro sócios em 1986. O outro é um mundo relativamente novo para Frizzo, um homem discreto que aprecia churrascadas de fim de semana com a família e os amigos. Agora, pelo menos quatro vezes por ano, ele visita as principais feiras mundiais de design relacionadas a couro e móveis. Na última semana de outubro, embarcou para a de Bolonha, na Itália, carregando uma pasta com amostras de mais de 20 tipos de couro bovino acabado, já pronto para ser cortado e costurado.

Durante os últimos cinco anos, a Braspelco deixou de ser mais uma vendedora de couro primário para se tornar a maior exportadora brasileira do produto acabado. Cerca de 80% de sua produção de 3,8 milhões de peles por ano vão para fora do país, a maior parte na forma de produto semi-acabado e acabado. Esse perfil ainda é uma exceção nessa indústria. A peça sem acabamento -- cotada no mercado mundial a cerca de 30 dólares, um terço do valor da acabada -- corresponde a mais da metade das exportações brasileiras de couro.

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Desde 1998, quando a Braspelco redirecionou seu foco estratégico para produtos de maior valor agregado, as vendas, que atingiram 580 milhões de reais no ano passado, quase quadruplicaram. Para atingir esse resultado, Frizzo teve praticamente de reinventar a empresa. O relacionamento com os fornecedores foi revisto, foi criada uma área de desenvolvimento de produtos e novos clientes tiveram de ser conquistados. "Parecia que tínhamos começado de novo", diz Frizzo.

Não se trata da primeira vez que ele recomeçou nos negócios. Assim como seu filho primogênito, Felipe, de 20 anos, que estuda numa escola técnica de curtimento no Rio Grande do Sul, Frizzo entrou cedo para a indústria do couro. Ele ainda era adolescente quando foi trabalhar na fábrica de calçados fundada nos anos 20 pelo avô, um imigrante italiano, na cidade gaúcha de Nova Esperança do Sul. Aos 20 anos, Frizzo acabara de concluir os estudos e se tornar um técnico de curtimento. Ele, então, surpreendeu a família ao se mudar para Campinas, no interior de São Paulo, para trabalhar como gerente de um fabricante de calçados. "Queria aprender coisas novas em outros lugares", diz Frizzo.

Dezesseis anos mais tarde, ele e quatro empresários do setor de calçados fundaram a Braspelco com o objetivo de garantir para suas próprias empresas o suprimento de matéria-prima de qualidade. A única fábrica de calçados dos antigos sócios -- que aos poucos saíram do negócio -- ainda em operação é a da família Frizzo, que fornece para marcas estrangeiras, como as americanas Victorias Secret e Gap, responsável pela compra da metade do1 milhão de pares produzidos por ano.

A Braspelco é um daqueles exemplos de negócios que melhoram depois de enfrentar uma crise. Nos anos 90, a indústria calçadista nacional sofreu o baque da concorrência estrangeira, sobretudo com a entrada de produtos chineses a preços baixos. "Resolvemos apostar na produção de couro para estofamento de móveis e carros, cuja demanda crescia dentro e fora do país", diz Frizzo. A estratégia esbarrou numa questão prática. A maior parte da matéria-prima chegava ao curtume com rasgos e marcas. Nem o pecuarista nem os frigoríficos se preocupavam em evitá-los. Para resolver esse problema, que inviabilizava a produção das peças grandes, necessárias ao mercado em que a Braspelco tentava entrar, foi necessário fazer um trabalho de base.

Frizzo saiu pelo mundo em busca de frigoríficos exemplares no tratatamento do couro, na Europa e nos Estados Unidos. "Ia como comprador de pele, mas na verdade queria mesmo bisbilhotar o trabalho deles", diz. Em seguida, montou e distribuiu aos fornecedores cartilhas e vídeos que ensinavam como se deveria tirar o couro do boi. Uma seleção baseada em qualidade reduziu à metade o número de fornecedores, que hoje somam 15. Frizzo também criou um bônus para cada peça entregue sem defeitos. Antes, 90% do couro que chegava à Braspelco tinha rasgos. Atualmente, apenas 10% apresentam esse defeito. Mais recentemente, a empresa deu início a um trabalho com os pecuaristas. Ainda é difícil convencê-los a não marcar o gado em partes nobres, e sim na cara ou nas patas, abaixo do joelho. "Antigamente, os criadores não ganhavam nada pelo couro ao vender o animal ao frigorífico", diz Luiz Eduardo Batalha, dono da Fazenda Chalet, em Uberlândia. Hoje eles recebem da Braspelco uma média de 20 reais por couro bem conservado.

Dentro de casa, Frizzo enfrenta um desafio tão difícil quanto reformular a cadeia produtiva. Como criar uma cultura voltada para o desenvolvimento de produtos numa empresa que nunca tinha trabalhado com conceitos de moda? Uma das saídas foi fazer com que seus executivos freqüentassem regularmente as principais feiras do setor. "Nas primeiras visitas, os fabricantes de móveis só aceitavam nossos cartões por educação", diz o paulista Horácio Quilice, diretor comercial da Braspelco. "Vencemos os primeiros clientes pelo cansaço, entregando contêineres de graça, só para que os fabricantes de móveis experimentassem nosso produto."

Os primeiros couros acabados da empresa foram cópias de modelos trazidos de fora, em particular da Itália, que dita as tendências nessa área. Em 2001 foi criada uma equipe de 37 técnicos e engenheiros para o desenvolvimento de novos produtos. No comando está Cláudio, irmão caçula de Frizzo. Um consultor italiano, ex-executivo de empresas de curtimento européias, vem duas vezes por mês à Braspelco alimentar a equipe com informações. Esse processo, claro, é muito mais trabalhoso do que fazer cópias daquilo já aprovado pelo mercado -- o vaivém entre a concepção, a produção de protótipos e a pré-aprovação de clientes dura oito meses. "Mas isso permitiu que fornecêssemos produtos elaborados para a indústria moveleira, que quer exclusividade", diz Cláudio. No próximo ano, o centro de desenvolvimento com base em Nova Esperança do Sul deverá migrar para a recém-inaugurada fábrica de Itumbiara, no interior de Goiás, uma das mais modernas do mundo no processamento de couro acabado, que consumiu investimentos de 190 milhões de reais.

A primeira coleção da Braspelco foi lançada no início do ano passado, com sete tipos de acabamento. Há seis meses, a empresa paranaense Niroflex, especialista em sofás de couro para exportação, encomendou dois tipos do catálogo com exclusividade. "Compramos a maior parte do couro fora do país", diz Milton Moresca, dono da Niroflex. "Poder contar com bons fornecedores brasileiros baixaria nossos custos e melhoraria as nossas margens."

Manter o relacionamento com esses novos clientes é algo que a Braspelco ainda vai ter de aprender. Tradicionalmente, os vendedores atendiam dezenas de clientes, a quem só conheciam por telefone e com os quais só tratavam de características técnicas e preço. Agora a conversa gira em torno de aspectos como texturas e estampas do material. Como grande parte dos clientes desses produtos é estrangeira, alguns executivos estão de malas prontas para mudar. O engenheiro Sandro Carvalho, responsável pela área de exportações, está preparado para deixar o país em maio de 2004 e se estabelecer em Greensborough, na Carolina do Norte. Outro executivo de sua equipe deverá mudar-se para Detroit para tratar dos clientes da indústria automobilística.

Dentro do mercado nacional, a estratégia é entrar com lojas próprias, ambientadas para receber decoradores. A loja piloto opera desde o início deste ano em Moema, numa região nobre de São Paulo. Qual será o próximo passo? "Não descartamos a possibilidade de entrar na produção de uma marca própria de móveis em parceria com um grande fabricante", diz Frizzo. "Os nossos clientes de hoje serão os nossos concorrentes de amanhã."

CURTINDO OS RESULTADOS
Depois que a Braspelco redirecionou seu foco para produtos
de couro com maior valor agregado... (participação dos principais itens
na composição das receitas)
1998
Couro primário
65%
Couro semi-acabado
14%
Couro acabado
9%
Revenda de produtos químicos para tratamento de couro
7%
Calçados
5%
2003
Couro semi-acabado
46%
Couro acabado
24%
Couro primário
15%
Revenda de produtos químicos para tratamento de couro
8%
Calçados
7%
...as receitas e os lucros aumentaram
FATURAMENTO (em milhões de reais)
1998
148
1999
170,8
2000
239,6
2001
366,7
2002
580
2003*
650
LUCRO LÍQUIDO (em milhões de reais)
1998
8
1999
1
2000
2
2001
11,9
2002
14,5
2003*
15
*Estimativa
Fonte: empresa

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