Trem-bala entre Rio e SP ganha impulso com caos aéreo
Governo federal agora corre para tirar do papel até dezembro projeto debatido há vários anos
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h39.
Após anos avançando ao ritmo de uma maria-fumaça, o governo federal finalmente decidiu acelerar o projeto do trem-bala entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Pressionado pelo caos aéreo que tomou conta do país desde a queda de um avião da Gol em setembro do ano passado e que se agravou com a explosão do avião da TAM na semana passada, o Executivo agora corre para lançar o edital de concessão da linha ferroviária até o final do ano ou, no máximo, no início de 2008. O projeto é apontado pelos especialistas como uma das melhores soluções para desafogar a rota entre as duas maiores metrópoles brasileiras, pois atrairá passageiros que hoje se deslocam tanto de avião quanto de ônibus e carro.
"É preciso criar uma alternativa. O setor aéreo está em colapso e o transporte urbano, também", afirma José Roberto Zaniboni, diretor-executivo da Agência de Desenvolvimento de Trens Rápidos entre Municípios (ADTrem), uma organização não-governamental criada no ano passado para divulgar esse meio de transporte no país. A associação é mantida por grandes companhias interessadas em implantar linhas de alta velocidade no país. Além do trem-bala ligando cariocas e paulistanos, há propostas para linhas até Campinas, no interior de São Paulo, e outras capitais, como Belo Horizonte e Curitiba.
Dentro do próprio governo, a avaliação é de que o sistema de transporte chegou ao limite. "Temos urgência; veja o caos aéreo", diz José Francisco das Neves, presidente da Valec, estatal vinculada ao Ministério dos Transportes e responsável pelo desenvolvimento do projeto do trem-bala. Segundo Neves, o desinteresse de outros órgãos do governo era claro, até que o caos aéreo começou. "Quando assumi o projeto, ninguém acreditava nele", diz. Agora, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, está entre seus principais apoiadores. Em maio, Dilma reuniu-se com empresários italianos interessados no projeto e com o Banco Europeu de Investimentos, um dos possíveis financiadores da proposta. A ministra também demonstrou a intenção de incluir a obra no pacote do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Projeto polêmico
A lentidão com que a proposta avançou entre os corredores de Brasília não a isentou de várias polêmicas. A primeira foi a escolha da empresa italiana de engenharia Italplan para desenvolver a modelagem técnica e financeira da linha. Escolhida no início do ano passado, a empresa foi acusada de não possuir a experiência necessária para um projeto desse porte - seu capital social é de apenas 10 milhões de euros. Na época, o governo argumentou que isso não prejudicaria os trabalhos, já que a Italplan não poderá participar da licitação para construir e operar a linha - foi contratada apenas para projetá-la.
Os dois consórcios que concorreram com os italianos eram formados por empresas maiores e mais experientes. O grupo alemão apresentou um projeto de 7,2 bilhões de dólares, com tarifa de 81 dólares para os passageiros. Já a Siemens e a Odebrecht propuseram uma obra de 6,3 bilhões de dólares, com tarifa de 77 dólares. A Italplan apresentou a obra mais cara: 9 bilhões de dólares. A seu favor, pesaram dois fatos. Primeiro, a proposta prevê que todos os recursos para financiar a obra serão privados - nas demais, o aporte e os subsídios públicos chegavam a 80% do valor total. Segundo, foi o projeto com a menor tarifa para o usuário - 60 dólares.
Quanto custa o trem-bala | |
Item | Custo (US$ milhões) |
Desapropriações | 300 |
Via permanente | 6.835 |
Material rodante | 574 |
Estações | 400 |
Sistemas | 210 |
Equipamento de manutenção | 200 |
Subtotal | 8.159 |
Variantes técnicas e custo do projeto | 424 |
Seguro e custos extraordinários | 85 |
Total | 9.028 |
Fonte: Italplan Engineering, Environment & Transports |
O projeto da Italplan foi a base para que a Valec desenvolvesse o projeto executivo e negociasse a licença ambiental com o Ibama. Agora, a Casa Civil determinou que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entre na discussão, a fim de finalizar o projeto e preparar o edital de concessão. Em paralelo, a Valec espera obter a licença ambiental para a obra até agosto.
Se vingar a idéia de não haver capital público na obra, o trem-bala não será uma Parceria Público-Privada (PPP), bandeira do governo Lula que, até o momento, não decolou. Para garantir que a iniciativa privada banque todo o projeto, o governo vai incluir uma cláusula de "blindagem". "O vencedor terá dois ou três anos para desenvolver um projeto financeiro que nos garanta que ele conseguirá construir a linha por 9 bilhões de dólares e operá-la com a tarifa determinada. Se ele não conseguir, a concessão voltará para o poder público", afirma Neves, da Valec.
Segundo Neves, mesmo sem verbas públicas, o projeto vai atrair investidores interessados. Além dos italianos, o governo foi procurado, nos últimos meses, por consórcios de empresas coreanas, japonesas e espanholas. Além disso, esta seria uma das últimas rotas atraentes no mundo para um trem-bala.
O que virá
A implantação da linha deve demorar sete anos. Em 2015, quando está prevista para entrar em operação comercial, os trens ligarão a Estação da Luz, em São Paulo, à Estação Central do Brasil, no Rio - um trajeto de 403 quilômetros que deve ser percorrido em 85 minutos, a 285 quilômetros por hora. Grande parte da viagem transcorrerá em túneis, pontes e viadutos, para amenizar o impacto ambiental. Cada trem poderá transportar até 855 passageiros. Haverá saídas a cada 15 minutos.
Projeto brasileiro: percurso de 403 quilômetros em 85 minutos
Estima-se que a demanda inicial pelo novo meio de transporte será de 32 milhões de passageiros por ano. Para se ter uma idéia, o volume representa metade de todas as pessoas que se deslocaram entre as duas cidades no ano passado: 60 milhões pela Nova Dutra; cerca de 3 milhões pela ponte aérea; e 1,3 milhão de passageiros de ônibus.
O projeto inicial não prevê paradas entre as duas cidades, mas é possível que elas sejam incorporadas ao edital de licitação. As principais candidatas são São José dos Campos (SP) e Resende (RJ). Por trás do debate, estão grupos interessados em explorar a potencial valorização imobiliária das cidades. Além disso, vender trechos do trajeto também seria um modo para o titular da concessão aumentar a rentabilidade da linha.
Para Zaniboni, da ADTrem, a nova via atrairá sobretudo quem se desloca hoje de avião ou automóvel. Frente ao avião, o trem seria uma boa alternativa por poupar o tempo do usuário. "A pessoa não precisará chegar com horas de antecedência para fazer check in, ou se deslocar até um ponto afastado da cidade para embarcar", afirma. Além disso, a tarifa será competitiva com a do setor aéreo. "Historicamente, o trem-bala sempre acompanha a tarifa mais econômica dos aviões que percorrem o mesmo trecho". Já em relação ao automóvel, as vantagens são mais óbvias: economia de tempo e conforto.
Seja no governo, seja na iniciativa privada, a avaliação geral é de que nunca houve um momento tão propício quanto o atual para tirar o trem-bala do papel. "Não vamos gastar um tostão na obra. Por que não tentar?", pergunta Neves, da Valec. "A demanda por transporte sempre cresce mais que o PIB. É preciso ter outra opção", afirma Zaniboni, da ADTrem. Resta saber se, desta vez, as ações do governo andarão tão rápido quanto as suas declarações.