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Quando as declarações exageradas e falsas passam dos limites?

Mentir pode ser parte da natureza humana, mas ser pego cometendo este deslize pode arruinar uma carreira

Tony Hayward, ex-CEO da BP é um dos exemplos mais recentes de executivos que meteram os pés pelas mãos nas declarações (Getty Images)

Tony Hayward, ex-CEO da BP é um dos exemplos mais recentes de executivos que meteram os pés pelas mãos nas declarações (Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 20 de outubro de 2010 às 19h33.

Quando as figuras públicas são pegas enfeitando suas conquistas ou qualificações, quer seja pelo exagero ou falsidade, em todos os lugares as pessoas expressam indignação. De fato, à medida que cada vez mais políticos, CEOs e outros grandes títulos tentam nesses dias fazer reparações por terem falsificado seus currículos, relatado incorretamente os detalhes de uma estória ou tratado os fatos de forma leviana, a reação geral de um público cada vez mais saturado é: "No que eles estavam pensando?"

Como se verifica, o que eles estavam pensando não é muito diferente do que pensam todos os demais. A mentira faz parte da natureza humana, dizem os especialistas, e quase todos mentem uma hora ou outra. Se não for controlada, no entanto, os exageros que pareciam inócuos no início podem produzir conseqüências graves, possivelmente acabando com a carreira. "(Ser pego) pode ser devastador; Creio que pode arruinar uma pessoa", diz Alan Strudler, professor de estudos legais e de ética nos negócios da escola de administração Wharton. Essa é uma infelicidade, ele acrescenta, "porque a mentira é só uma falha humana. Mas uma vez pego numa fraude, mesmo se for uma fraude comum, as pessoas perdem a confiança. E uma vez que o elo de confiança é perdido, é terrivelmente difícil ser recuperado".

No ambiente de trabalho de hoje, onde ninguém é chamado para uma entrevista de emprego sem que seu nome tenha sido investigado pela internet - e onde as conversas no elevador ou os comentários feitos nas reuniões estão a apenas uma postagem no Twitter distantes de alcançar uma platéia global - é mais fácil ser pego exagerando os fatos, observaram os especialistas da Wharton e de outras entidades. Mas a tentação de falsificar também nunca foi maior, eles dizem, no momento em que os trabalhadores fatigados pela recessão se sentem pressionados a justificar seu valor e um ciclo de 24 horas de notícias exige que os líderes tenham uma resposta imediata e vigorosa para tudo.

"As dúvidas surgem quando ocorre algo que quebra a fachada social de que somos todos honestos e dignos de confiança", diz G. Richard Shell, professor de estudos legais e de ética nos negócios da Wharton. "Quando se descobre que alguém cometeu um ato egoísta, abre-se uma fenda na fachada e então todos têm de procurar saber o que isso significa. A fenda revela algum tipo de pessoa corrupta, ou revela o mesmo tipo de pessoa miserável que todos temos dentro de nós?"

Encontrando o limite

O tipo de auto-ilusão que a maioria das pessoas adota cai no meio de um espectro ocupado numa ponta por aqueles que só dizem a verdade, e como consequência são muitas vezes considerados "rudes e socialmente ineptos - pense uma pequena criança dizendo a uma convidada para o jantar que ela é gorda", diz Shell - e na outra ponta do espectro ocupada pelos mentirosos patológicos, que vivem num mundo de fantasia que eles acreditam ser real.

* Publicado originalmente em 26 de junho de 2010.  Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.


"Todos nós estamos propensos a nos iludirmos", disse Shell. "Muitas pesquisas afirmam que se não tivermos ilusões positivas é sinal de depressão... Gostamos de pensar que somos pessoas mais importantes, mais habilidosas e mais experientes do que somos. Quando fazemos um teste, e alguém pergunta sobre nossa experiência, ou no que nos baseamos para afirmar que tal atividade serve como experiência, então é tentador inventar alguma coisa". De fato, um relatório de 2003 produzido pela Society for Human Resources Management (Sociedade para Gestão de Recursos Humanos) levantou que 53% de todas as solicitações de emprego contêm algum tipo de informação inexata. Embora só 8% das pessoas que participaram da pesquisa 2008 CareerBuilder tenham admitido que mentiram nos seus currículos, perto da metade dos gerentes de contratação entrevistados disse ter descoberto um possível contratado enfeitando algum aspecto de suas qualificações. Cerca de 60% dos empregadores disseram ter rejeitado automaticamente os candidatos que falsificaram suas experiências anteriores.

O desafio, dizem os especialistas, é não cruzar a linha de simples exagero para uma forma mais nociva de polimento. Em alguns casos, os limites do aceitável são bem definidos - poucas pessoas vão tolerar declarações ampliativas que desrespeitem a lei, por exemplo, ou que prejudiquem gravemente outras pessoas. Igualmente reprováveis sãos os casos em que se descobre que os executivos ou líderes dentro de uma organização citaram diplomas universitários que nunca ganharam, ou posições que nunca mantiveram, nos seus currículos, segundo o professor de operações e gestão de informações da Wharton, Maurice Schweitzer.

Ele lembra a estória de Marilee Jones, ex- reitora de admissões do Massachusetts Institute of Technology, e autora de um guia popular do processo de admissões universitárias. Embora ela tenha incentivado os candidatos a não exagerarem suas realizações, Marilee pediu demissão em 2007 depois que se descobriu que ela tinha inventado dois títulos acadêmicos na sua solicitação de emprego inicial em 1979 e acrescentou um terceiro mais tarde. "Creio que as pessoas se sentem pressionadas, então elas adulteram o currículo para ganhar vantagem e se torna muito difícil corrigir isso", observa Schweitzer. "No caso de Marilee, ela mentiu sobre sua experiência acadêmica quando começou a trabalhar no MIT e isso veio à tona 28 anos depois. Em algum ponto, é difícil tirar os dados falsificados do currículo".

Num caso famoso mais recente, o procurador geral de Connecticut e candidato ao Senado Richard Blumenthal foi acusado de adulterar sua folha de serviço militar. Blumenthal supostamente fez diversas declarações de ter lutado na guerra do Vietnã, mas ele na verdade fazia parte da reserva do Corpo de Fuzileiros Navais na época, servindo em Washington e Connecticut. As informações falsas sempre evoluem e o caso de Blumenthal "é um exemplo clássico", diz Schweitzer. "Há um núcleo de verdade - ele cumpriu o serviço militar durante a era do Vietnã e com o tempo suas alegações se distanciaram cada vez mais da verdade. Novamente, já que ninguém verificou esses dados eles se tornaram um refrão familiar. As pessoas são encorajadas pelas mentiras que conseguem passar, ao ponto de sentirem que podem cometer outros exageros livremente".

* Publicado originalmente em 26 de junho de 2010.  Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.


Uma certa quantidade de informações falsas é previsível em algumas situações - nas campanhas de marketing e propaganda, por exemplo. Nas cartas de recomendações e nas entrevistas de empregos, "espera-se que as pessoas acentuem seus lados positivos", disse Schweitzer. "Espera-se que as cartas de recomendações informem que alguém é excelente quando talvez seja meramente bom, e nos currículos espera-se que as pessoas descrevam seus trabalhos em termos brilhantes".

Mais ambíguas são as declarações falsas envolvendo pessoas que se dão o crédito pelo trabalho de uma equipe, ou distorcem o dinheiro economizado por meio de um processo eficiente, diz Schweitzer. "Creio que o motivo para essas formações universitárias ou experiências profissionais falsas serem tão perturbadoras é que elas claramente passam do limite. Ou a pessoa tem um diploma ou não tem um diploma...A reivindicação exagerada de crédito está na categoria mais vaga onde as pessoas passam impunemente, e creio que parte disso é previsível".

Pressão para Produzir Resultados

O nível de aceitação das informações falsas tem muito a ver com a cultura na qual as pessoas vivem e trabalham e o tipo de valores com os quais crescem, observa Monica McGrath, professora adjunta de administração da Wharton. "Há a cultura corporativa e então a cultura particular de uma empresa como a BP ou a Facebook; cada empresa tem sua própria norma organizacional para gratificação", ela diz. "Creio que há também o sistema no qual vivemos, que vivemos nos Estados Unidos nesse momento sob essas circunstâncias. Todos esses sistemas influenciam nosso comportamento diariamente".

Em alguns países, e culturas corporativas, assumir o crédito exclusivo pelo trabalho de um esforço de equipe é visto como arrogância e incômodo, enquanto os executivos de outros ambientes podem ser criticados por não serem suficientemente positivos sobre suas realizações se reconhecerem as contribuições de um grupo. "Eu trabalho com mulheres executivas que sempre me dizem que elas têm de promover mais a si mesmas porque quando dizem 'minha equipe' os supervisores delas pensam que elas não fizeram nada", observa Monica. As pressões criadas pela recente recessão colocaram muitos trabalhadores americanos na defensiva, prossegue Monica, e elas podem ser levadas a fazer declarações falsas contrárias a seus princípios éticos no interesse de manter seus empregos. "Infelizmente, muitas empresas sofrem hoje com a escassez de recursos, então todos temos de lutar por eles", disse Monica. "Os funcionários dizem 'Tenho de ser o melhor e o mais brilhante e se não for o melhor nem o mais brilhante, os patrões vão pensar que eu não tenho as habilidades necessárias e sou descartável'".

Quando pressionadas a mostrar serviço as pessoas se afastam da verdade e do comportamento que pode ajudá-las no futuro. Como prova, McGrath sugere olhar para as recentes gafes de relações públicas cometidas pelo CEO da BP, Tony Hayward, que tem sido ridicularizado por subestimar o impacto ambiental do jorro de petróleo no Golfo do México. "Creio que em outro contexto ele estaria vendo isso e dizendo para si mesmo, 'Meu Deus, o que está passando pela cabeça dessa pessoa? '" ela diz. "O estresse da situação, a cultura da organização e nosso desejo de preservar o que temos, tudo se junta como numa tempestade perfeita, e lá está você de repente dizendo, 'Oh, o derramamento não é tão grave'".

* Publicado originalmente em 26 de junho de 2010.  Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.


Com freqüência, os líderes num determinado ambiente estabelecem o padrão para quais ações serão toleradas dos outros. Se o exagero for recompensado, ou tratado como benigno, dentro de um local de trabalho determinado, então os funcionários têm a impressão que é aceitável - ou mesmo incentivado. "Quando você trabalha numa empresa, pode ver o CEO, e o que o CEO faz e acredita", diz Monica. "Pode ser que os funcionários estão tão concentrados no que eu tenho de cumprir, que nem sequer percebo que o que eu tenho de fazer é enfeitar e cobrir... No setor bancário (durante a crise financeira de 2008), creio que a maioria das pessoas realmente acreditava que o que elas estavam fazendo era no melhor interesse de seus clientes; mas era na verdade no melhor interesse delas mesmas. Elas enquadraram isso como: "Era minha obrigação fazer aquilo".

Quando os trabalhadores desempregados enfrentam concorrência sem precedentes por um número limitado de vagas, cresce a tentação de usar as informações falsas como uma forma de destacar seus currículos, diz Debra Forman, executive coach sediada em Toronto. Algumas pessoas querem exagerar para alcançar os padrões mínimos de uma determinada posição, mas Debra também encontrou muitos trabalhadores mais antigos que querem minimizar seus históricos escolares e experiências para não parecerem qualificados demais para um cargo específico. "É preciso ter cautela nessa área também, porque as pessoas têm medo de contratar alguém que subestima sua capacidade", observa Debra. "Eu digo para as pessoas não brincarem tanto com seus currículos e pensarem mais no que o entrevistador está procurando e como elas podem lidar com isso de uma forma honesta".

Espalhando-se Rapidamente

Graças à internet e a outros avanços tecnológicos, as informações falsas do passado têm mais tempo de vida, e as mentiras estão mais suscetíveis de serem detectadas. Quando Hillary Clinton contou uma estória durante a campanha eleitoral de 2008 sobre ter aterrissado na Bósnia e ser alvo de franco-atiradores, por exemplo, surgiram imagens que mostraram que as alegações dela eram despropositadas. Quanto aos currículos, eles não são mais exclusividade dos papéis, estão também nas páginas do Facebook, em websites pessoais e no LinkedIn, onde podem ser acessados por qualquer pessoa.

Debra Forman, que orienta os executivos a pesquisar os clientes pela internet antes de se encontrarem com eles, lembra-se de ter participado de uma conferência recentemente na qual o orador emendou imediatamente uma declaração pedindo para a platéia não postar seus comentários no Twitter. "Pensei, 'Bem, então por que você falou?'", ela disse. "As pessoas têm de lembrar que as palavras permanecerão depois de terem saído da boca delas. Pense antes de falar; é só voltar para o básico. E agora temos ferramentas que espalham as palavras rapidamente". Esses comentários nunca desaparecem, ela acrescenta, "porque nada morre na internet".

* Publicado originalmente em 26 de junho de 2010.  Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.


Embora Schweitzer concorde que nossa capacidade de verificar os fatos a respeito dos outros seja "sem precedentes", ele observa que há ainda limites para o que pode ser verificado com uma simples pesquisa pela internet. "Se eu disser para você que fiz parte de um processo de economia que reduziu os gastos em 25 milhões de dólares, isso é difícil de verificar. É difícil saber se eu fiz ou não parte desse processo de economia e é difícil saber a quantia que realmente foi economizada". É mais fácil simplesmente verificar se a pessoa estava pelo menos presente durante a reunião que descreve.

A melhor maneira de evitar declarações falsas que prejudicam a carreira é ser adepto da auto-edição, diz Schweitzer, e permitir que um orientador ou amigo desmascare qualquer alegação que passe do limite. "Se as pessoas estão despreparadas, estarão mais provavelmente, no calor do momento, sob pressão para dizer algo que não é verdade ou assumir crédito por trabalhos que não realizaram. Ou elas podem enfeitar suas realizações sob o risco de cruzar um limite ético", ele acrescenta. "O melhor método é estar preparado e antecipar os tipos de perguntas que terá de responder. Você vai querer se sentir bastante confortável com o trabalho realizado e ter uma estória muito clara do que realizou e por qual trabalho pode receber o crédito".

Mas a memória é subjetiva, e as pessoas tendem a lembrar a história pelas lentes da realidade presente, observa Stewart Friedman, professor de administração da Wharton e diretor do Wharton Work/Life Integration Project. Quando as pessoas sucumbem às suas tendências naturais de enfeitar, a possibilidade de perdão e de fazer emendas é em grande parte determinada pela mostra de caráter até aquele ponto. "As reputações são verdadeiras e foram desenvolvidas ao longo do tempo. As pessoas confiarão em você com mais naturalidade se ouvirem outra pessoa dizer que você é digno de confiança", ele diz. "Não temos tempo suficiente para verificar tudo e não há advogados suficientes no mundo para ter contratos para tudo. É por isso que a confiança é um aspecto tão importante de organizar sua vida e sua carreira", completou Friedman.

* Publicado originalmente em 26 de junho de 2010.  Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.

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