Por que sociedade e justiça climática serão os grandes temas da COP27
A mudança climática exacerba a desigualdade e, para avançar, líderes deverão considerar demandas de populações socialmente minorizadas ao realizar transição econômica justa
Marina Filippe
Publicado em 21 de novembro de 2021 às 08h00.
Última atualização em 19 de outubro de 2022 às 13h29.
O fim 26ª edição da Conferência das Partes, a COP26 , mostrou que ainda há muito a ser feito e que, para isto, as pessoas precisam estar no centro do debate e das ações.
Ao longo de duas semanas em Glasgow, na Escócia, os governos e as empresas fizeram reuniões e, ao final, divulgaram negociações bastante esperadas desde o Acordo de Paris, em 2015, como a criação de um mercado global de carbono.
Agora, para o cumprimento das ações, o S de ESG (sigla em inglês para environmental, social and governance – ou ambiental, social e governança, em tradução livre) deve estar em foco. Isto porque não é possível, por exemplo, pensar numa meta de fim de desmatamento da Amazônia sem ouvir a população indígena.
“Não há como falar de mudanças climáticas sem falar de pessoas. E principalmente das que estão à frente desta luta, que somos nós, os povos originários. Se você pegar o mapa do Brasil verá que onde há floresta em pé há presença dos povos indígenas, e por isso precisamos participar das discussões”, diz Txai Suruí, ativista indígena e única brasileira a participar da abertura da COP26. A população indígena, que no evento foi representada por 40 pessoas, é responsável pela proteção de cerca de 22% da superfície do planeta e 80% da biodiversidade.
Neste sentido, o movimento negro também precisa ser incluído, uma vez que as pessoas pretas e pardas são maioria entre os mais pobres do país e que, consequentemente, mais sofrem com mazelas sociais e de mudanças climáticas.
Por isso, mais de 200 organizações negras brasileiras lançaram na COP26 a carta "Para controle do aquecimento do planeta — desmatamento zero: titular as terras quilombolas é desmatamento zero”. No documento, os grupos defendem uma incidência direta contra o racismo ambiental, pela redução do aquecimento do planeta, do desmatamento e em defesa da titulação das terras e dos territórios quilombolas também como estratégias de proteção da natureza.
"O movimento quilombola entendeu que precisa se colocar dentro da pauta quando 80% dos nossos territórios tem terras preservadas, mas ao mesmo tempo sofre com decisões de outros", diz Kátia Penha, da coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ), em entrevista à EXAME.
O desafio de inclusão é tanto que a COP dedicou um dia inteiro para adaptações, perdas e danos, quando um recorde de 232 milhões de dólares foram comprometidos por meio do Fundo de Adaptação. Na prática, países desenvolvidos direcionam repasse para países em desenvolvimento, mas a quantia ainda não é suficiente.
Países africanos, por exemplo, pediram um financiamento de 700 bilhões de dólares, anualmente a partir de 2025, visto que por lá até 38,5 milhões de pessoas podem ser deslocadas internamente, como consequência das mudanças climáticas, até 2050.
Além disso, a mudança climática por si só exacerba a desigualdade e pode levar mais 68 a 135 milhões de pessoas à pobreza até 2030, de acordo com o Banco Mundial. Sem apoio, a precificação do carbono poderia onerar ainda mais os pobres, já que muitas vezes eles não podem pagar por moradias com baixo consumo de energia, expondo-os a maiores custos de aquecimento.
Os inúmeros desafios da contenção do aquecimento global e demais características das mudanças climáticas serão temas da COP27, em novembro de 2022, em Sharm-el-sheik no Egito, mas como os dados mostram, será preciso mais esforço de integração entre ricos e pobres, de modo a haver resoluções efetivas. A pauta da vez deverá ser a chamada justiça climática.
“Justiça climática é um tema que aos poucos está ganhando espaço na agenda climática, e precisa estar no centro de desenvolvimento de políticas públicas. Ela faz com que a gente desenvolva adaptação, mitigação e resiliência olhando para os que mais sofrem com a crise climática, mas não somente eles, pois isto vai chegar em todo mundo”, diz Flávia Bellaguarda, do Laclima.
Exame na COP
A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC) é um tratado internacional com o objetivo de estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera.
Uma das principais tarefas da COP é revisar as comunicações nacionais e os inventários de emissões apresentados por todos os países membros e, com base nessas informações, avaliar os progressos feitos e as medidas a serem tomadas.
Para além disto, líderes empresariais, sociedade civil e mais, se unem para discutir suas participações no tema. Neste cenário, a EXAME atua como parceira oficial da Rede Brasil do Pacto Global, da Organização das Nações Unidas.