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O dilema do líder

A maior operadora de telefonia celular do país enfrenta o desafio de barrar a concorrência sem sacrificar o desempenho

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h41.

Na última quarta-feira de maio, Francisco Padinha, presidente da Vivo, tinha um convidado especial na reunião semanal com seus principais executivos. Era o engenheiro Roberto Lima, ex-presidente da Credicard, que acompanhou quase 12 horas de análises dos negócios da maior operadora de telefonia celular do país. Cinco dias antes, Lima havia sido anunciado como sucessor de Padinha no comando da Vivo a partir de julho. "Passo o leme a alguém com as características necessárias para manter a Vivo no rumo", diz Padinha. A direção para a qual o leme apontar será decisiva para o futuro da operadora que surgiu em 2002, com a associação entre a Telefónica Móviles, o braço de telefonia celular da espanhola Telefónica, e a Portugal Telecom. Lima assume a empresa privada com o maior número de clientes do país -- são quase 27 milhões -- e a maior operadora celular do hemisfério sul. Seu desafio é comum entre aqueles que dirigem companhias que dominam seus mercados: manter a rentabilidade sem perder a liderança. "É um jogo de equilíbrio", diz ele. "Defenderemos nossa posição sem arriscar a saúde da empresa."

A forte política de subsídios de aparelhos e tarifas agressivas praticadas por concorrentes como a italiana TIM, a mexicana Claro e a brasileira Oi cortaram a participação de mercado da Vivo em 8 pontos percentuais desde abril de 2003, quando a marca foi criada. De acordo com o Teleco, instituto de pesquisa da área de telecomunicações, a fatia da Vivo no total da receita do setor também caiu. Era de 41% em 2004 e está em 36,5%. O avanço de concorrentes sobre o líder se repete em todos os mercados de telefonia celular em que a competição foi estimulada. De acordo com o banco Merrill Lynch, na Espanha, a Telefónica Móviles detinha 56% do mercado em 2002 e, dois anos e duas novas competidoras depois, estava com 48%. A TIM, a líder na Itália, perdeu 10 pontos percentuais no mesmo período.

A competição é no terreno dos preços. O crescimento da telefonia celular no país -- de 7 milhões de usuários, em 1998, para mais de 70 milhões hoje -- é fruto do subsídio à venda de aparelhos das operadoras, que gastaram só em 2004 cerca de 1 bilhão de dólares. No Natal, a Vivo vendeu 540 milhões de reais em celulares que custaram a ela 880 milhões. Vender aparelhos de 300 reais por 99 reais em dez prestações é o caminho mais curto para atingir mais clientes, mas afeta a rentabilidade. Para complicar, cerca de 80% dos donos de celular no Brasil usam o serviço pré-pago, que gera pouca receita. Graças a isso, as operadoras têm uma margem operacional média de 21% ante quase 40% na telefonia fixa. No jogo do celular barato, a Vivo conseguiu manter sua margem em 38% no primeiro trimestre de 2005. Claro e TIM registraram, respectivamente, 6,5% e 16%. A BrT GSM, a mais agressiva nos descontos, registrou margem negativa de 141%.

Até quando haverá fôlego para perder dinheiro? "A fidelização e o aumento da receita por usuário são questões que devem, a partir de agora, orientar o setor", diz Luis Minoru Shibata, do instituto de pesquisas Yankee Group. Manter o cliente e fazer com que ele gaste mais todo mês era justamente uma das principais funções de Lima à frente da maior empresa de cartões de crédito do país. "Os dois negócios são muito parecidos", diz ele. O perfil voltado para a prestação de serviços -- antes da Credicard, Lima trabalhou 17 anos no grupo hoteleiro Accor -- atraiu os acionistas da Vivo. Nos seis anos em que esteve adiante da Credicard, Lima fez a base de clientes crescer de 3 milhões para mais de 7 milhões. O prejuízo de 34 milhões de reais, em 1998, tornou-se um lucro de 290 milhões em 2003. O executivo também criou um cartão de crédito pré-pago para clientes de baixa renda. "Lima sabe trabalhar com o perfil dos usuários de celular", diz Shibata.

A Vivo começou a procurar um substituto para Padinha no final de 2004. Pelo acordo de acionistas, os espanhóis escolhem o presidente do conselho de administração, e os portugueses, o presidente executivo. A escolha de Fernando Xavier, presidente do grupo Telefônica no Brasil, para comandar o conselho é vista pelo mercado como um avanço dos espanhóis. "A Telefônica não está satisfeita com a administração portuguesa", diz um analista do setor. Um cenário provável traçado por ele prevê que os espanhóis comprem a participação da Portugal Telecom na Vivo. "Se a Portugal Telecom vender sua parte, poderá comprar outros ativos no país", afirma um relatório do banco americano de investimentos UBS. "Não existe nenhuma intenção da Portugal Telecom de vender sua participação na Vivo", afirmou Miguel Horta e Costa, presidente da empresa.

Um dos principais pontos de divergência entre os acionistas, afirma esse analista, diz respeito à convergência entre as operações celular e fixa. Essa integração é tímida entre Vivo e Telefônica, diferentemente do que acontece com Telemar e Oi ou com Brasil Telecom e BrT GSM. Segundo ele, os portugueses desejam a integração mais que os espanhóis. "Qualquer ganho de custo que a Telefônica tenha ao ceder a rede para a convergência precisaria ser dividido com os portugueses", diz um executivo de um fornecedor da Vivo. Padinha desmente as tensões: "As relações entre a Portugal Telecom e a Telefônica são excelentes". Procurada por EXAME, a Telefônica não concedeu entrevista.

Lima, cujo perfil pouco tem de técnico, terá de enfrentar questões tecnológicas. A Vivo é a única operadora brasileira que optou pela tecnologia CDMA, adotada no mundo em escala bem inferior à opção das concorrentes, o GSM. Essa opção tem duas conseqüências. Primeiro, a desvantagem ao negociar o preço de aparelhos com os fabricantes. Segundo, a Vivo fica sozinha na briga com o governo pela liberação de licenças para a terceira geração de celulares. As operadoras GSM ainda estão montando suas redes de segunda geração e não têm capacidade financeira para dar o próximo passo. Já a evolução do CDMA demanda menos investimento e, além disso, as novas licenças são um caminho para a Vivo ter acesso a mercados nos quais não tem presença atualmente, como Minas Gerais, e que somam 47 milhões de potenciais clientes. Outra discussão técnica trata da interconexão, aluguel que as operadoras pagam quando uma completa chamadas vindas da outra. As concessionárias de telefonia fixa querem baixar o valor da taxa na renegociação dos contratos com a Anatel. Mas, na Vivo, a interconexão representa quase 50% da receita. Finalmente, Lima terá diante de si o pesadelo tecnológico da clonagem, que consumiu 150 milhões de reais em investimentos em segurança no ano passado. Lidar com todos esses problemas funcionará, para ele, como um curso intensivo de tecnologia telefônica.

A evolução da Vivo
A participação de mercado da empresa diminuiu desde que a
Vivo foi criada, a partir de uma fusão entre várias operadoras...
Abril de 2003
Vivo
47%
Claro
22,5%
TIM
16,5%
Oi
5%
Outras
9%
Abril de 2005
Vivo
39%
TIM
21,5%
Claro
21%
Oi
10,5%
Outras
8%
Fontes: Teleco e estimativa do mercado

...mas o número de clientes aumentou e
o prejuízo diminuiu...
2003
2004
Receita líquida
10 bilhões de reais
11 bilhões de reais
Prejuízo
309 milhões de reais
250 milhões de reais
Nº de clientes
20 milhões
26,5 milhões
...enquanto o resultado operacional se
mantém acima da média do mercado
(1)
200420042005
Resultado operacional da Vivo(2)40% 40%38%
Média do mercado35%28%21%
(1) Primeiro trimestre
(2) Margem de Ebitda
Fontes: Teleco e empresa
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