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O banco de Buffett na berlinda

O megainvestidor americano Warren Buffett costuma dizer que “banco é um negócio muito bom, a menos que se façam coisas estúpidas”. Sua lógica é simples: os bancos nos Estados Unidos captam dinheiro barato e precisam aplicar em investimentos cujo retorno seja maior. E não precisa ser nenhum cientista para saber o que fazer com os recursos […]

WELLS FARGO: dentre as 500 maiores empresas, o banco foi a segunda empresa com maior diversidade em seu conselho, perdendo para a HP / Spencer Platt/Getty Images

WELLS FARGO: dentre as 500 maiores empresas, o banco foi a segunda empresa com maior diversidade em seu conselho, perdendo para a HP / Spencer Platt/Getty Images

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Da Redação

Publicado em 16 de junho de 2016 às 12h35.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h28.

O megainvestidor americano Warren Buffett costuma dizer que “banco é um negócio muito bom, a menos que se façam coisas estúpidas”. Sua lógica é simples: os bancos nos Estados Unidos captam dinheiro barato e precisam aplicar em investimentos cujo retorno seja maior. E não precisa ser nenhum cientista para saber o que fazer com os recursos quando se recebe depósitos de clientes a um custo inferior a 1%, diz o bilionário.

A ironia: talvez o investimento preferido de Buffett no setor bancário, o Wells Fargo, tenha feito algo estúpido. O banco concedeu empréstimos para empresas de óleo e gás com um elevado risco de crédito como nenhum outro concorrente. Como o preço do petróleo despencou, o Wells Fargo teve que começar a fazer provisões sob o risco de tomar calote.

A preocupação dos investidores se traduz na queda das ações do banco, que já recuaram 13% este ano. O índice S&P 500 Financials, que reúne as ações do setor financeiro americano, caiu 5,4% no ano.

O Wells Fargo não pecou pela criatividade. Todos os grandes bancos aproveitaram o boom de produção de petróleo dos últimos anos nos Estados Unidos. Alguns concorrentes emprestaram até mais do que o Wells Fargo para empresas de petróleo. O problema do banco baseado em São Francisco, porém, foi para quem ele emprestou: 90% dos 41 bilhões de dólares foram para empresas sem grau de investimento – muitas classificadas como “junk” pelas agências de rating.

Um exemplo é a empresa de óleo e gás de Los Angeles BreitBurn Energy. A companhia recebeu do Wells Fargo desde a década de 90 não só empréstimos, mas também serviços de consultoria e até investimento em capital. A BreitBurn era citada por executivos do banco quase como uma garota propaganda de como o Wells Fargo ajudava no crescimento de pequenas empresas a longo prazo. Após o preço do barril de petróleo ter saído de 100 dólares para perto dos 30 dólares, a empresa pediu recuperação judicial.

3 bi menos rico

Alguns analistas acreditam que o risco de calotes no setor de petróleo pode afetar os resultados do Wells Fargo apenas no curto prazo. E, ainda assim, com um impacto limitado, já que a exposição ao setor responde por apenas 2% do total de empréstimos do banco. “O Wells Fargo tem uma exposição maior a créditos sem grau de investimento do que seus pares, mas vemos a sua exposição como administrável”, diz Brian Kleinhanzl, analista do banco de investimentos Keefe, Bruyette & Woods, que já trabalhou no Wells Fargo.

O banco não vai quebrar, mas queda das ações do Wells Fargo já levou Buffett a perder cerca de 3 bilhões de dólares em valor de mercado. E o que ele tem feito?

Comprado mais ações na medida que elas caem. A empresa de investimentos de Buffett, a Berkshire Hathaway, tem agora 10% das ações ordinárias em circulação do Wells Fargo, o que o torna de longe o maior acionista do banco. “Os fundamentos do Wells Fargo permanecem fortes e o desconto atual representa uma oportunidade de compra para os investidores”, afirma Kleinhanzl.

O Wells Fargo é considerado o banco que melhor faz o arroz com feijão entre os bancos americanos. Isso garantiu que, em sua longa e conservadora história, ele evitasse perdas nas últimas três crises bancárias que quase levaram o Bank of América e o Citigroup a falência.

Segundo o analista Mike Mayo, da corretora CLSA, o retorno de capital do banco permanece seguro mesmo em meio a uma recessão, com um retorno de dividendo entre 3% e 6%, o maior do setor. “Fizemos um teste de estresse nos resultados do Wells Fargo para uma recessão e descobrimos que o banco tem capacidade para manter seu atual nível de dividendos e recompras, que combinados são os mais altos da indústria, totalizando 12,6 bilhões de dólares em 2015”, diz Mayo.

A estratégia de focar no varejo bancário e se afastar dos negócios de mercados de capitais trouxe benefícios indiscutíveis ao banco. Na última década, o Wells Fargo apresentou crescimento de receitas superiores aos seus concorrentes (6% versus desempenho negativo de seus pares) e também de retorno sobre o patrimônio (13% ante 8%). O banco tem um valor de mercado de 240 bilhões de dólares, valendo mais do que o Citigroup (123 bilhões de dólares), o Goldman Sachs (61 bilhões de dólares) e o Morgan Stanley (47,7 bilhões de dólares) combinados.

O banco dos rincões

A estratégia que alçou o Wells Fargo à posição de terceiro maior banco dos Estados Unidos em ativos, atrás de JP Morgan e Bank of América, partiu da filosofia de Dick Kovacevich, que assumiu a presidência do banco após a fusão do Wells Fargo com o banco de Norwest, de Minneapolis, em 1998.

Ele pensava em banco como lojas de varejo. Lá, o foco das vendas são a abertura de contas correntes – que se tornam a porta de entrada para oferecer outros produtos bancários: empréstimos, cartão de crédito, seguros, financiamento imobiliário e opções de investimentos. Hoje, cada cliente do Wells Fargo tem em media seis produtos do banco e o objetivo é chegar a oito.

Foi assim que o Wells Fargo conseguiu conquistar nada menos do que 11% do total de depósitos nos Estados Unidos com os seus 70 milhões de clientes, 8.700 agências e 13.000 terminais de atendimento espalhados por 39 estados – a maior rede de distribuição bancária do país.

O percentual de depósitos pode parecer pequeno quando comparamos com um banco no Brasil, onde as cinco maiores instituições concentram quase 90% dos depósitos à vista, mas é expressivo para um mercado fragmentado como o americano. “A estrutura bancária nos Estados Unidos é bem diferente da nossa, com uma rede regionalizada muito forte, uma característica que está ligada com a forma de colonização do país”, diz Ricardo Couto, professor de finanças do Ibmec.

Além da possibilitar a oferta de produtos, as contas dos clientes permitem ao Wells Fargo recolher uma quantidade abundante de depósitos a baixos custos, que são usados para financiar os empréstimos. Para Buffet esse é o segredo do sucesso do banco: captar dinheiro barato e vender todo tipo de serviços aos seus clientes e, assim, ter uma margem que mais ninguém tem.

O Wells Fargo não é o único investimento do multibilionário senhor de 85 anos. Cerca de um terço do portfólio de 140 bilhões de dólares da Berkshire Hathaway em ações estão aplicados em papéis também do Bank of América, U.S. Bancorp e M&T Bank.

Sanduíche de presunto

Em muitos aspectos, o Wells Fargo é a cara de Buffett – que diz que gosta de investir em empresas que poderiam ser administradas por um sanduíche de presunto. Para Buffett, o Wells Fargo faz as coisas ao seu próprio jeito, sem seguir a manada – que é como os bancos costumam se meter em problemas. A forte aposta no setor de óleo e gás, neste caso, foi um ponto fora da curva.

“Vimos os preços [de petróleo] ir de 100 dólares a 30 dólares, e de volta a 48 dólares. Não sabemos onde isso vai parar, mas só porque ele se recuperou não significa que vamos conseguir sair dessa situação em breve”, disse John Stumpf, presidente do Wells Fargo, em apresentação a investidores em maio.

Na ocasião, o banco informou que 68% das linhas de crédito para o setor foram reduzidas, 19% não foram alteradas e apenas 13% tiveram aumento em seus limites durante a primavera do hemisfério norte. Os executivos do banco não quiseram comentar sobre a possibilidade de novas provisões para calote no futuro, como já foi feito no primeiro trimestre, mas o material do evento informava que “mais perdas de crédito serão realizadas e há o potencial de constituição de reservas adicionais”.

O tamanho real do estrago só o tempo e o preço do petróleo poderão dizer, mas pode deixar uma marca na gestão do atual presidente Stumpf, que terá que se aposentar em 2018 ao completar 65 anos. Até lá, espera-se que os investidores (e Buffett) já tenham esquecido dessa decisão “estúpida”. Então, Stumpf poderá dar lugar ao sanduíche de presunto da vez.

(Thais Folego)

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