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Na Índia, a guerra aberta dos unicórnios

Empresas de tecnologia indianas tentam concorrer com gigantes dos Estados Unidos

SACHIN BANSAL E BINNY BANSAL: fundados do Flipkart, líder de comércio eletrônico na Índia / Reprodução/ Twitter
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Da Redação

Publicado em 21 de junho de 2017 às 12h33.

Última atualização em 23 de junho de 2017 às 19h46.

NOVA DÉLI — O ano de 2017 é de más notícias para os unicórnios indianos, as startups avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares. O motivo não é a falta de oportunidades, já que a economia indiana segue como uma das que mais crescem no mundo. O que está complicando a vida das companhias é a crescente concorrência. O mundo parece ter descoberto o mercado indiano, o que é ótimo para os consumidores, mas nem tanto para que já ajudou a desbravar as fronteiras.

A maior e mais bem avaliada startup indiana é o Flipkart. Criada por dois engenheiros em um apartamento de dois quartos em Bangalore, a empresa se tornou líder em comércio eletrônico e atualmente enfrenta seu maior desafio: competir com a Amazon. A gigante americana chegou um pouco atrasada na Índia, em 2013, mas está disposta a não repetir a derrota para o Alibaba, na China.

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Menos de quatro anos depois de sua chegada, a Amazon já abocanhou uma boa parte do mercado do Flipkart. Para fazer frente ao desafio, o Flipkart captou 1,4 bilhão de dólares em abril, adquiriu o Ebay Índia e está em negociações para adquirir o rival Snapdeal, outro unicórnio indiano, avaliado em 1 bilhão de dólares.

O Flipkart foi a primeira startup indiana a ser avaliada em mais de 1 bilhão de dólares, em 2012, abrindo caminho para seus sucessores. De acordo com dados do Banco Mundial, a Índia vem crescendo a uma taxa média de 5% ao ano nas últimas duas décadas. Este crescimento impulsionou o mercado consumidor indiano e o otimismo com as nascentes empresas voltadas para o consumo, contaminando a avaliação de outras startups promissoras que buscavam financiamento no mercado.

No ano passado, no entanto, os investidores começaram a pressionar estas empresas a reduzirem a queima de capital com descontos e marketing. O governo também contribuiu para desacelerar o crescimento do comércio eletrônico ao afirmar que estas empresas devem atuar prioritariamente como um intermediário entre o consumidor e os vendedores e não vender seu próprio inventário – atividade onde a margem de lucro é maior.

Assim como a primeira onda de otimismo, a preocupação também se espalhou. Muitos investidores passaram a exigir sustentabilidade no plano de negócios, colocando valor de mercado e crescimento de receitas em segundo plano. O Flipkart, como muitas outras startups, em dez anos depois de sua fundação nunca deu lucro.

A constante demanda por mais capital e a arriscada briga com a Amazon levou cinco de seus próprios investidores, como os fundos do Morgan Stanley e do Fidelity, a reduzir o valor de mercado da companhia. Apesar dos cortes, a empresa de comércio eletrônico atualmente é avaliada em 10 bilhões de dólares, de acordo com a CB Insights, que reúne dados de startups e fundos de venture capital no mundo todo.

“Os americanos estão melhor posicionados e bem financiados, oferecendo ameaça real às empresas locais. Mas o mercado indiano é grande e há lugar para mais de uma empresa e para competição saudável”, diz Anil Joshi, fundador da Unicorn India Ventures, um fundo de venture capital indiano.

Em 2013, quando a investidora americana Aileen Lee escolheu uma criatura mítica para representar startups mais valiosas dos Estados Unidos, ela encontrou somente 39 empresas com este perfil. Mas o crescimento exponencial no número de unicórnios tem levado alguns analistas a questionarem se um excesso de otimismo estaria contaminando avaliações de mercado e as capitalizações dessas empresas.

“Em algum momento, investidores vão dizer ‘não podemos mais financiar isso’ e as empresas vão ter que encontrar a realidade. Elas vão começar a demitir, os salários dos engenheiros, que agora estão nas alturas, vão reduzir e os consumidores vão se acostumar a descontos menores”, avalia Parijat Garg um dos fundadores da Tofler, plataforma que reúne dados e indicadores de empresas que atuam na Índia.

O Flipkart não é o único que precisa investir pesado para competir com gigantes internacionais. Desde 2016, também depois de perder a batalha para a competição chinesa, o Uber vem concentrando sua expertise e estratégias agressivas de preço promoções para conquistar o segundo país mais populoso do mundo.  Aqui, a competição é com o Ola.

Nos últimos três anos o Ola captou quase 1,5 bilhão de dólares de investidores como a multinacional japonesa Softbank e dos fundos Accel Partners e Sequoia Capital. A competição entre os aplicativos derrubou os preços de táxi e trouxe novos veículos e motoristas para o caótico trânsito indiano.

No ano passado, a empresa viu sua receita crescer 700%, para 7,58 bilhões de rúpias (pouco mais de 100 milhões de dólares), mas os incentivos para motoristas e passageiros levaram os gastos a triplicar para 23 bilhões de rúpias no ano fiscal encerrado em março. Os dados são de documentos regulatórios obtidos pela Tofler.

Os unicórnios indianos não se resumem a modelo de negócios similares aos americanos. Os empreendedores locais também se dedicam a achar soluções únicas para problemas que seus rivais “gringos” não poderiam nem imaginar. Sandeep Murthy, fundador do fundo de venture capital Lightbox, foi um dos primeiros a apostar no potencial da empresa de tecnologia e publicidade InMobi. Ele conta que, ao navegar em seus smartphones, os fundadores da empresa perceberam que o conteúdo publicitário direcionado a eles mostrava produtos que não existiam na Índia.

A tecnologia criada na Índia permitiu que a companhia oferecesse seus serviços não apenas em países em desenvolvimento, mas a levou a expandir seus negócios para Europa e Estados Unidos. Atualmente, a empresa afirma entregar publicidade personalizada à necessidade de cada um de seus 1,5 bilhão de usuários em todo mundo e rivaliza com Google e Facebook.

O boom de startups indianas também pode ser atribuído à relação da Índia com os Estados Unidos, devido ao grande número de indianos que se mudam para o país a trabalho ou para estudar. O fundador da InMobi, Naveen Tewari, terminou seu MBA na Harvard Business School três anos antes de fundar a empresa. Os fundadores do Flipkart, Sachin Bansal e Binny Bansal, trabalharam por menos de um ano na Amazon antes de decidir sair para fundar seu próprio negócio. “Muitos dos nossos engenheiros se formaram ou têm amigos nos Estados Unidos. Muitos americanos com origens indianas se tornaram investidores em fundos de venture capital e encontram muitas razões e conforto para investir em algo ‘em casa’”, diz Parijat Garg, da Tofler.

Ainda não é possível garantir se os unicórnios indianos serão um sucesso ou mais uma bolha. Mas enquanto a Índia for a segunda economia que mais cresce no mundo, investidores do mundo todo vão continuar à procura de oportunidades por aqui.

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