Na Hope, o pai e três filhas no comando
Tom Cardoso “Se eu fosse obrigado a pagar hora extra para mim mesmo, a minha empresa já teria falido há muito tempo”. Nissim Hara, fundador da Hope, marca que completou em 2016 meio século de história. O empresário mantém, aos 80 anos, o humor e o entusiasmo dos tempos de juventude. E a mesma vocação […]
Da Redação
Publicado em 9 de setembro de 2016 às 15h29.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h49.
Tom Cardoso
“Se eu fosse obrigado a pagar hora extra para mim mesmo, a minha empresa já teria falido há muito tempo”. Nissim Hara, fundador da Hope, marca que completou em 2016 meio século de história. O empresário mantém, aos 80 anos, o humor e o entusiasmo dos tempos de juventude. E a mesma vocação para o trabalho. O libanês, radicado no Brasil desde 1958, recebeu a reportagem da EXAME Hoje no escritório da sede do grupo, localizada no bairro do Bom Retiro, zona leste de São Paulo.
Nissim, como no dia-a-dia, estava acompanhado das três filhas, Karen, Sandra e Daniela, representantes da segunda geração da tradicional marca de lingerie. “Ele não para quieto. Trabalha até meia noite e tem uma ideia por minuto”, diz Karen, a primogênita, de 45 anos, responsável pelas finanças da empresa.
Cada filha representa uma função estratégica – Sandra, 40 anos, cuida da parte comercial, e Daniela, 39, do marketing. Nissim continua no centro das decisões. Partiu dele, por exemplo, a determinação para que a empresa investisse, em 2005, no de e-commerce, se tornando a primeira empresa do ramo têxtil a implantar o serviço. Atualmente, o comércio eletrônico da Hope, que deve crescer 20% em 2016, representa o terceiro canal da empresa em faturamento.
Apesar de o consumo de peças de moda íntima e de dormir apresentar queda nos últimos anos no Brasil, segundo levantamento feito pela IEMI Inteligência de Mercado (o consumo caiu 4,6% de 2014 para 2015, queda deve se repetir este ano), as vendas da Hope, graças ao bom desempenho do comércio eletrônico, cresceram 7% no primeiro semestre do ano (em relação ao ano anterior) – no segundo semestre, a rede pretende crescer 15%.
Nissim diz que a vocação para o trabalho e a criatividade sempre o salvaram das inúmeros crises econômicas que enfrentou desde que desembarcou por aqui, fugindo da guerra no Líbano. Até começar a vender lingerie, o empresário fez um pouco de tudo. “Comecei vendendo cães da raça pastor alemão e depois fui trabalhar no ramo de transporte de alimentos. Bati muita a cabeça até achar o meu rumo”, diz. Para driblar a atual crise financeira, Nissim diz que optou por expandir a rede de franquias, modelo adotado a partir de 2005, mas que ganhou ritmo nos últimos anos. Em 2015, a Hope fechou 40 novos contratos, o mesmo número de franquias que espera para este ano – já conseguiu abrir 22.
Também partiu de Nissim a ousada ideia de contratar, em 2010, Gisele Bündchen para ser garota propaganda da marca. A top model teria se identificado, segundo o empresário, com o modelo de gestão da Hope, também familiar (Patrícia Bündchen, sua irmã gêmea, é a responsável pela negociação dos contratos), além de atestar, pessoalmente, que a fábrica da marca não utilizava mão de obra escrava ou infantil. Gisele tem uma linha própria que representa hoje 8% do faturamento da Hope.
Para o consultor Marcelo Prado, diretor da IEMI Inteligência de Mercado, Nissim prosperou em momentos distintos do mercado de lingeries, que até a abertura econômica, no início dos anos 1990, era restrito a poucas empresas nacionais, com um nível de competitividade muito menor do de hoje. “Não se podia importar matéria-prima e nem máquinas do exterior. Era um mercado tão restrito, com qualidade menor, que dava espaço para empreendedores que se destacavam pela ousadia e criatividade”, afirma Prado.
O consumidor também era, por questões culturais e comportamentais, menos exigente. “A roupa íntima não era para ser mostrada. Tanto faz se ela desbotava, perdia o elástico, a exigência com qualidade era pequena. Hoje, não. Este mercado se fragmentou muito, se sofisticou de uma tal maneira que numa grande loja existem três mil variações de um mesmo produto”, afirma Prado.
No começo, o empresário vendia calcinhas de algodão no bairro do Brás e se valia de algumas “artimanhas” para se destacar, como tingir em casa as lingeries de vermelho. “Com o tempo, o vermelho desbotava, voltava a ficar bege, mas nunca ouvi reclamação”, diz Nissim, que também criou, nos anos 1970, as lingeries com cheiro, quatro décadas antes de sua filha Daniela ter a mesma ideia. “Eu achei que estava inovando. Fui falar com ele das lingeries com cheiro e soube que ele já tinha feito algo parecido há muitos anos, usando essência de morango e limão”, diz Daniela.
Hoje, os problemas são outros – por ousadia no marketing. Em 2011, o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) abriu representação, após denúncia de cerca de 40 consumidores e também da Secretaria Especial de Política para as Mulheres da Presidência da República, para apurar se a peça publicitária era ou não de cunho sexista. Apesar de o Conar ter decidido pela arquivamento da denúncia, a Hope passou a ousar menos em seus comerciais. “A gente toma mais cuidado agora. O Brasil era mais avançado na minha época. Ficou careta, viu?”, diz Nissim.
A entrevista chega ao fim, sem antes Nissim ter pelo menos mais quatro ideias durante a conversa, entre ela a de convidar a atriz Regina Casé, estrela de uma bem-sucedida campanha nos anos 1980, para gravar um novo comercial para a marca. “Pai, a Regina já é avó”, diz Karen. “Ué, qual o problema? Eu tenho 80 anos e continuo aqui”, diz. Por enquanto, sucessão não é prioridade para o empresário. “Me sinto um menino”. Não é exatamente o que mandam os manuais de governança corporativa, mas tem funcionado para a Hope – e para a família Hara.