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Mercado gordo

Mesmo em tempos de crise, São Paulo está recheada de oportunidades no setor de refeições fora de casa

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

No início dos anos 70, o empresário Francisco Torres, fundador do Buffet Torres, visitava uma feira de alimentação em Chicago, nos Estados Unidos. Torres ficou fascinado com duas máquinas francesas que embalavam geléia em pequenas porções individuais. Ele nunca havia visto um produto semelhante no Brasil e achou que poderia dar certo. Importou os equipamentos e montou em São Paulo uma empresa, que acabou não vingando por falta de tempo para se dedicar ao novo negócio. Quando seu filho Francisco Torres Junior entrou numa faculdade de administração, em 1978, começou a mostrar interesse em trabalhar no bufê do pai. Em vez disso, Torres decidiu construir uma fábrica para o filho no quilômetro 19,5 da Raposo Tavares, onde colocou as antigas máquinas para funcionar. "Minha empresa tem o meu nome. A sua tem de ter o seu", disse o velho Torres ao filho. Nascia assim, em 1983, a Junior Alimentos. O começo foi difícil, pois já havia surgido concorrência no segmento de porções individuais. Com apenas cinco funcionários, o próprio Junior fazia as entregas no Rio de Janeiro. Em 1987, surgiu o grande negócio da empresa: um contrato para embalar o ketchup e a mostarda do McDonalds. Na época a rede americana tinha 27 lojas no país. Agora são mais de 600. "Nós crescemos juntos", diz Junior.

Hoje a Junior Alimentos fabrica os condimentos, dentre os cerca de 15 ingredientes fornecidos à rede de fast food. Outro negócio forte da Junior, iniciado antes da parceria com o McDonalds, é a reembalagem de produtos de terceiros, como o queijo ralado Vigor. A Junior diversificou sua atuação: buscou encaixar seus produtos em hotéis, serviço de bordo de aviões e hospitais, além de bares e restaurantes. O resultado desse esforço se reflete na redução na participação das vendas para o McDonalds no faturamento total da Junior. Há 15 anos, elas representavam 70% da receita. Hoje, não passam de 40%, mesmo com a multiplicação das lojas da rede. A Junior projeta crescer 30% em 2002 e faturar 36 milhões de reais. Hoje sua fábrica está instalada no quilômetro 30 da Raposo Tavares, tem 230 funcionários e está sendo ampliada para 9 000 metros quadrados. Mensalmente, produz 100 milhões de embalagens de porções individuais.

A história da Junior diz muito sobre o mercado de food service em São Paulo -- a expressão em inglês pode ser traduzida como "serviços de alimentação" e engloba todas as refeições feitas fora do lar. É um setor que costuma oferecer altíssimas taxas de crescimento. Entre 1995 e 2000, atingiu 88%, em comparação com 46,5% do varejo alimentício no mesmo período. Além da estabilização da economia trazida pelo Plano Real, outros fatores contribuíram para essa expansão. Um dos mais importantes foi o aumento da presença feminina no mercado de trabalho -- mais da metade das brasileiras já faz parte da população economicamente ativa. Isso traz duas conseqüências. Primeira: há mais mulheres comendo fora de casa. Segunda: elas acabam tendo menos tempo para cozinhar em casa, o que motiva o resto da família a buscar alternativas como restaurantes, lanchonetes e deliveries. No ano passado, o racionamento de energia e a crise global impuseram uma queda de 4,5% ao faturamento do mercado. A previsão da Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia) é que ele volte a crescer em 2002, a uma taxa de 5% a 7%.

Indústria urbana

O food service é um mercado eminentemente urbano. Nas grandes metrópoles as pessoas normalmente moram longe do trabalho e têm dificuldade de locomoção, o que inviabiliza almoçar em casa. A solução para matar a fome passa a ser o restaurante da empresa -- normalmente terceirizado -- ou estabelecimentos nos arredores. Além disso, São Paulo é um centro hoteleiro e hospitalar, o que significa mais alguns milhares de pratos servidos. Há também uma cultura gastronômica e o hábito arraigado de "comer fora", que se espelha na enorme quantidade de bons restaurantes, bares e lanchonetes. Por aqui, as refeições fora do lar são complemento quase compulsivo das atividades de lazer. Ainda assim, o mercado paulistano está longe do que já existe em países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, metade das refeições é feita fora de casa. Em alguns países da Europa, esse índice ultrapassa 70%. Estima-se que na Grande São Paulo a taxa esteja próxima de 30% (a média brasileira é de cerca de 20%).

O tamanho relativamente discreto do food service paulistano sugere que ainda há muito espaço para crescer. Mas o sucesso nesse setor exige muita dedicação da indústria: os clientes são muito diferentes uns dos outros e precisam de produtos e soluções específicos. Afinal, o que existe em comum entre uma cozinha de motel e o refeitório de um hospital? E entre um boteco de esquina e um restaurante de luxo? À parte o fato de todos terem a alimentação como foco, é difícil enumerar semelhanças qualitativas. Para atender a restaurantes e similares, não basta que os fabricantes criem produtos e os coloquem à venda. É preciso investir na ponta da prestação de serviços ao cliente: resolver seus problemas, ensinar como preparar o alimento, como combiná-lo com outros e até como apresentá-lo no prato. Trabalhar com food service exige o constante desenvolvimento de opções variadas, desde o tipo e o tamanho da embalagem até o tempo que o alimento demora para seguir para a mesa.

O crescimento da Junior aconteceu no vácuo dos gigantes do setor de alimentos. "No Brasil, o food service era tratado apenas como um canal alternativo de vendas da indústria, já que o destino natural dos produtos alimentícios sempre foi o supermercado", afirma Denis Ribeiro, consultor econômico da Abia. Segundo a entidade, cerca de um quarto da produção nacional de alimentos destina-se ao food service, que movimenta aproximadamente 30 bilhões de reais por ano. A Grande São Paulo representa cerca de 20% desse valor. "Nos países desenvolvidos, mais de 50% das vendas do setor de alimentos vão para a alimentação fora do lar", diz Ribeiro.

Uma das maiores fabricantes de alimentos do mundo, a Unilever demorou a acordar para o mercado de food service no Brasil. "Até há bem pouco tempo, só a área de panificação era bem desenvolvida", diz Beatriz Bueno Galloni, diretora brasileira da UBF Foodsolutions. Essa é a nova identidade da Unilever para o food service, criada depois que o grupo anglo-holandês adquiriu mundialmente a americana Bestfoods, no ano passado. Desde então, a Unilever vem investindo mais fortemente no segmento, aproveitando a experiência da empresa adquirida (que atua na área desde 1982). "A complexidade do food service assusta quem está acostumado ao varejo", diz Beatriz. "É necessário oferecer um número maior de itens, que vendem proporcionalmente menos." A menina-dos-olhos da UBF é o Centro de Informações e Serviços ao Cliente (Cisc), no Jabaquara. Lá a UBF cria e testa receitas e tenta solucionar os problemas dos clientes. O plantão de dúvidas, que funciona por telefone, conta com um padeiro e um chef, além de um nutricionista e um engenheiro de alimentos.

Segundo o executivo François Nieto, gerente de negócios food service da Bunge Alimentos, a indústria vai se especializar cada vez mais em oferecer consultoria aos estabelecimentos -- de assuntos operacionais a estratégias de marketing. "Com isso, o preço que os fornecedores cobram pelos produtos tende a subir", diz Nieto. "Mas, para o cliente, isso compensa, pois vai conhecer maneiras de aumentar o faturamento e de diminuir os custos." Para acompanhar a mudança constante do mercado, a Bunge, dona de marcas como Suprema e Record (farinha), Maioneggs (maionese) e Genève (sorvete), renova todos os anos 20% de sua linha de 100 produtos. O objetivo é criar itens que demandem menos trabalho e possibilitem adicionar toques pessoais do cozinheiro no acabamento.

Para as grandes clientes, principalmente as redes do ramo de fast food, a indústria se dispõe a entregar produtos sob medida -- o volume dos pedidos justifica o investimento. Dois meses antes da Copa do Mundo, o McDonalds convocou seus fornecedores para explicar a promoção que pretendia fazer durante a competição: em cada dia da semana, seus restaurantes ofereceriam um sanduíche representando um país. Nesse curto período, a Junior se reuniu com os outros fornecedores (de pão, de carne etc.) e desenvolveu 21 opções de molhos, dos quais foram escolhidos quatro para incrementar os sanduíches comemorativos. Acostumada a pedidos como esse, a empresa já desenvolveu cerca de 100 receitas de molhos e temperos, que podem ser adaptadas e lançadas para atender às necessidades dos clientes.

Desdobrar-se para apresentar soluções adequadas ao food service não é necessariamente a maior dificuldade que a indústria enfrenta nesse mercado. Outro fator crucial é a distribuição: a maioria dos clientes é de pequeno porte, com espaço exíguo para acumular estoque, o que exige entregas constantes. E os horários têm de ser cumpridos: de nada adianta um restaurante receber o feijão às 15 horas se ele precisava ter sido servido no almoço.

A exemplo do que acontece com o resto da indústria, as vendas da Bunge são divididas entre atacadistas, distribuidores e equipes próprias. "Vender direto dá mais rentabilidade, mas acaba não valendo a pena para pequenos e médios estabelecimentos", diz Nieto. Além de diminuir a margem de lucro, trabalhar com distribuidores e atacadistas não ajuda a conquistar os clientes. Para contornar esse problema, a UBF está trazendo ao Brasil o conceito de transfer, em que agentes da empresa cuidam da venda e do contato com cada estabelecimento. São terceirizadas apenas a entrega e a cobrança. "Isso nos ajuda a conhecer o mercado e a atender melhor suas necessidades", diz Beatriz Bueno, da UBF. Desde março o sistema tem sido testado na região central de São Paulo, com seis vendedores e seis distribuidores. A expectativa é que a estratégia ajude a divisão da Unilever a crescer 20% em cada um dos próximos quatro anos.

Os fornecedores de alimentos para o food service reclamam da ausência de um distribuidor nacional especializado no setor. "Os que vendem ao varejo não sabem trabalhar com o food service", diz Junior. "As duas atividades não combinam." O candidato mais forte a preencher essa lacuna é a Apprimus, que começou a operar em abril deste ano. Surgiu de uma associação entre a Sadia, o grupo Accor e o atacadista Martins. O negócio consiste em fornecer, cumprindo rigorosamente datas e horários, quase tudo o que um estabelecimento do setor de food service precisa, de alimentos a produtos de limpeza. "Muitos proprietários se relacionam com mais de 30 fornecedores diferentes e gastam metade de seu tempo com isso", diz Écio Borgomoni Paes Leme, presidente da Apprimus. "Nosso objetivo é dar mais tempo para que eles se dediquem à cozinha e ao atendimento." Como os estabelecimentos em geral são pequenos e dispõem de pouco capital, as compras não precisam ser pagas à vista (o prazo varia de uma a três semanas). O relacionamento com os clientes não se limita a fazer entregas no horário e a dar crédito. A Apprimus já está desenvolvendo cursos para ajudar os restaurantes a melhorar seu serviço: um dos primeiros a ser implantado ensina como montar um cardápio equilibrado.

No primeiro ano, a Apprimus vai atender exclusivamente os clientes da Grande São Paulo, começando pela região sul da capital. "É um ótimo lugar para o projeto-piloto, pois tem um pouco de tudo", diz Paes Leme. "Há restaurantes pequenos e grandes, luxuosos e baratos." Em São Paulo, a localização do cliente tem muito a ver com suas necessidades. Enquanto na Vila Olímpia, por exemplo, os pedidos buscam variedade e qualidade, nos bairros mais periféricos os estabelecimentos se preocupam em conseguir preços mais baixos. O investimento nessa primeira fase foi de cerca de 10 milhões de reais. O objetivo é faturar 20 milhões de reais no primeiro ano de operação. Em seis anos, a meta é atingir 1 bilhão de reais e ter 30 000 clientes no Brasil todo -- cerca de 11 000 só na Grande São Paulo.

Munidos de computador de mão, os 60 agentes da Apprimus estão conectados em tempo real com um sistema que fornece informações sobre a situação de crédito do cliente e o estoque da empresa. A Apprimus também atende seus clientes por meio de uma central telefônica, que começa a funcionar às 6 horas para se adaptar aos horários dos padeiros. O pedido mínimo é baixo: 30 reais. "Não é economicamente viável, mas serve para conquistar o cliente", diz Paes Leme. "O objetivo é fazer com que ele compre cada vez mais."

Por estar apenas começando no mercado, a Apprimus não tem a ambição de ser o único fornecedor de seus clientes. No caso da Fast & Food, operador logístico paulistano criado em 1997 e especializado em redes de fast food, isso já é realidade em alguns casos. A empresa, que tem entre seus clientes a rede de restaurantes Viena e China in Box, encarrega-se de comprar, armazenar e entregar tudo com hora marcada, de acordo com as necessidades de cada ponto-de-venda. Ela trabalha com o conceito de comunidade de distribuição: faz a ponte entre fornecedores e clientes no desenvolvimento de produtos e na negociação dos preços. As 15 praças de alimentação da rede de cinemas Cinemark, na Grande São Paulo, por exemplo, têm praticamente 100% de seu abastecimento a cargo da Fast & Food.

Refeições coletivas

A alta do dólar tem pressionado as margens de lucro da indústria de food service. Ingredientes essenciais, como farinha de trigo e óleo de soja, sobem com a desvalorização do real -- e não se consegue repassar ao mercado todo esse aumento nos custos. A combinação entre crescimento do mercado e achatamento das margens de lucro também é experimentada pelas empresas especializadas em refeições coletivas, setor do food service que deve crescer 11% neste ano. "Quanto maior a crise econômica, mais as empresas terceirizam seus restaurantes", diz Rogério da Costa Vieira, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Refeições Coletivas (Aberc), segmento que movimenta mais de 4 bilhões de reais por ano. O problema de crescer com a crise está na rentabilidade: os clientes de refeições coletivas também não aceitam repasses dos aumentos de custo nos preços. "Com as demissões, o número de usuários por empresa vem caindo, enquanto nossos custos fixos permanecem", afirma Vieira, também diretor geral de operações da franco-britânica GR Serviços de Alimentação.

A operação de refeições coletivas passa por um processo de sofisticação. Muitas empresas transferem suas unidades para fora da Grande São Paulo, mas mantêm aqui seus escritórios. Isso significa que o público atendido pelas empresas prestadoras de serviço de alimentação deixa de ser composto majoritariamente por operários e passa a incorporar cada vez mais o pessoal de colarinho branco, gerentes e executivos. "Esse consumidor não precisa de reposição calórica como o trabalhador braçal", diz Vieira. "Por isso, é preciso investir na variedade de opções e na apresentação dos pratos e dos locais de refeição." O desafio em atender essa faixa de público é responder às demandas de pessoas com alto poder aquisitivo que freqüentam bons restaurantes. Nesse caso, o valor agregado do serviço de refeição coletiva aumenta de 30% a 40% em relação ao "feijão-com-arroz" dos operários.

"Hoje temos menos funcionários pagando mais para comer", diz Plínio de Oliveira, presidente da francesa Sodexho no Brasil. "Mas esse aumento no valor agregado não vai substituir as perdas que tivemos em volume." A alternativa encontrada para aumentar a receita é diversificar ao máximo as atividades dentro das empresas. Em alguns dos locais administrados pela Sodexho, os funcionários podem comprar alimentos in natura -- como uma peça de picanha.

De escolas a hospitais

Com as dificuldades encontradas nas empresas, os fornecedores de refeições coletivas estão estendendo o atendimento a universidades, clubes, associações, hospitais e escolas. Líder no incipiente mercado escolar, onde atua desde 1996, a Sodexho controla a alimentação em colégios como o Santo Américo e o St. Pauls. A empresa começou a operar em hospitais em 1992, quando cerca de 99% deles administravam suas próprias cozinhas. "Hoje esse número deve estar em 93%", afirma Oliveira. "Os grandes estão mudando nessa direção." A GR também atua no setor hospitalar por meio da Medirest, que abastece 17 hospitais na região metropolitana.

A diversificação das opções no mercado de food service apresenta novas oportunidades de crescimento para a indústria e para os distribuidores. Setores como o de hotelaria apenas começaram a terceirizar sua cozinha. "Só os grandes hotéis de luxo vão manter cozinha própria, para não perder a grife", afirma Donna, da Fast & Food. O próprio varejo está investindo em rotisseries e lanchonetes dentro dos supermercados -- algumas já chegam a representar 3% do faturamento das lojas. Os supermercados brasileiros já vendem mensalmente quase 4 milhões de sanduíches e 2,5 milhões de frangos assados. "São Paulo antecipa tendências que muitas vezes se espalham pelo resto do país", diz Gino Colameo, presidente da comissão de food service da Abia. "O café da manhã fora de casa é cada vez mais comum, e a média com pãozinho está sendo substituída por bufês sofisticados." Se não houver grandes sobressaltos na economia, a previsão da Abia é que o mercado de food service ainda tenha fôlego para crescer 10% ao ano durante uma década.

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