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O jeito da Telefônica foi pedir desculpas

O que a Telefônica aprendeu com a pane do Speedy, seu serviço de banda larga que deixou milhares de consumidores na mão em 2009

ESFORÇO CONCENTRADO: Bruggioni (à esq.) e De Beer perderam noites de sono para debelar a crise (.)

ESFORÇO CONCENTRADO: Bruggioni (à esq.) e De Beer perderam noites de sono para debelar a crise (.)

DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.

Na segunda quinzena de março de 2009, o argentino Mariano de Beer, então vice-presidente executivo da Telefônica no Brasil, vivenciou uma situação inédita em sua carreira. Por algumas noites, ele teve de dormir no trabalho - numa cama improvisada no sofá de uma das salas de reunião do centro de operações da empresa, na zona norte de São Paulo. Naqueles dias, os mais tensos da sucessão de panes pelas quais passava o Speedy, serviço de banda larga da Telefônica, a "batcaverna" - apelido dado à sala que hospedou De Beer e outros executivos - foi o centro das atenções da companhia. Em menos de um ano foram quatro paradas, deixando milhares de pessoas sem acesso à internet (a empresa não revela o número de clientes prejudicados). "Foram momentos difíceis. As reclamações aumentaram muito e os funcionários nos abordavam no corredor, preocupados com a nossa imagem", afirma De Beer. A tensão - e as demonstrações de insatisfação dos consumidores - estava por toda parte, atingindo não apenas a reputação da Telefônica como também seu caixa. Em abril, o call center da operadora havia recebido 6,4 milhões de ligações, volume quase 60% maior que a média de 4 milhões de chamadas por mês. Blogs do tipo Eu Odeio a Telefônica se multiplicavam rapidamente na internet. Em junho, o Procon de São Paulo inaugurou um site só para receber queixas sobre o Speedy (se todos os processos abertos pelo órgão contra a Telefônica no ano passado resultarem em multas, a empresa poderá ter de pagar até 25 milhões de reais). A confusão era tamanha que no final do mesmo mês a Anatel, agência que regula o setor, proibiu a Telefônica de vender o serviço e intimou a operadora a apresentar um plano de melhorias. "Ficou claro que tínhamos de pedir desculpas e dizer à sociedade o que iríamos fazer para melhorar", diz Fabio Bruggioni, diretor executivo da Telefônica.

Enquanto Antonio Carlos Valente, presidente da empresa, desculpava-se pelas falhas em entrevistas à imprensa, De Beer formava uma equipe com sete diretores, 60 gerentes e quase 100 técnicos da matriz e de fornecedores para lidar com o caos. Entre o final de maio e setembro, o grupo ficou reunido no 20o andar da sede da Telefônica, na zona sul da capital paulista. Ali a equipe traçou um plano de resgate que elegeu sete prioridades: resolver os problemas técnicos na rede, melhorar o atendimento, diminuir erros nas contas, reduzir reclamações na Anatel, diminuir as queixas no Procon, reforçar o atendimento nas lojas e melhorar os sistemas internos de troca de informações. A mudança exigiu um investimento de 120 milhões de reais em melhorias na rede e treinamento de funcionários - todos os 9 000 atendentes do call center foram treinados para saber como lidar com a crise. Paralelamente, a operadora monitorou o estrago que as panes causavam em sua imagem - mais de 50 pesquisas com consumidores foram encomendadas nesse período. Em agosto colocou no ar uma campanha publicitária com o mote "Telefônica em ação", em que explicava o que estava sendo feito para resolver o problema.


Essa investigação mostrou que os problemas com o Speedy começaram muito antes do fatídico mês de maio - e que a Telefônica havia subestimado os sinais de insatisfação dos clientes. Mesmo antes de as vendas de banda larga serem suspensas, 40% das ligações recebidas no call center por mês eram de consumidores que haviam reclamado antes, mas não tinham sido atendidos. Muitas delas eram queixas sobre contas - ora porque os sistemas de cobrança haviam emitido faturas erradas, ora porque os clientes tinham dúvidas em relação aos pacotes adquiridos. Os atendentes do call center recebiam comissão pela quantidade de pacotes comercializados, o que levava alguns deles a vender pacotes em lugares aonde o Speedy nem sequer chegava. Ficou claro também que as principais causas de reclamação eram informadas apenas às áreas relacionadas ao problema. "Muito pouca gente tinha visão do todo", diz De Beer, que em janeiro foi promovido a diretor-geral da Telefônica no Brasil. Com base nesse diagnóstico, a empresa decidiu mudar algumas das práticas que tinham impacto direto em seu relacionamento com os consumidores. Os relatórios de reclamações, por exemplo, passaram a ser discutidos em conjunto por todos os departamentos. As comissões dos atendentes do call center hoje são pagas apenas para as chamadas "vendas boas", ou seja, aquelas que não geram reclamações nem desistências. A quantidade de pacotes que oferecem o Speedy foi reduzida de 20 para oito, de modo a facilitar a compreensão dos produtos por parte dos usuários.

Aos poucos, os resultados começam a aparecer. As chamadas para o call center voltaram aos patamares habituais e o número de reclamações no Procon caiu de 3 255, em março, para 657, em dezembro. O total de ligações para a Anatel diminuiu de 39 000, em março de 2009, para 13 000, em novembro. A reputação da companhia, um de seus maiores patrimônios, deu sinais de recuperação. Nas primeiras entrevistas com clientes do Speedy feitas pela pesquisa EXAME/IBRC de Atendimento ao Cliente, a maioria dos ouvidos criticava peremptoriamente a companhia. Algumas semanas depois, o humor mudou - e houve até quem elogiasse a Telefônica por ter adotado uma postura "humilde" (mesmo assim, a empresa ficou com a terceira pior posição no ranking). O principal esforço agora é recuperar os clientes do serviço. Durante todo o ano de 2009, o Speedy adicionou apenas 81 000 clientes - ante a média histórica de 414 000 novos assinantes que aderiram ao serviço anualmente desde 2005. (A NET, sua principal concorrente, ganhou 665 000 clientes no mesmo período.) "O esforço da Telefônica é notável e, de fato, o serviço melhorou, mas ainda falta muito a fazer", diz Roberto Pffeifer, diretor executivo do Procon de São Paulo. Trata-se de um trabalho que, diferentemente das noites na batcaverna, só dá certo se não tiver fim.

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