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Guerra sem fim

Derrotado pelos fundos de pensão, Daniel Dantas parte para uma nova batalha. Desta vez, o adversário é a Telecom Italia

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

No começo de outubro, o economista baiano Daniel Dantas, dono do banco de investimentos carioca Opportunity, perdeu sua primeira grande batalha numa guerra que vem travando há cinco anos com seus sócios brasileiros em negócios de peso nos setores de telecomunicações, transporte e saneamento. Após 18 horas de uma tensa reunião que varou a madrugada do dia 6, os fundos de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Petrobras, Banco Central e Vale do Rio Doce destituíram o Opportunity da gestão do fundo CVC Equity Partners FIA, com a alegação de que estavam sendo lesados pelo banco. O fundo é um dos maiores controladores de um grupo de seis empresas, do qual a estrela mais reluzente é a Brasil Telecom -- companhia telefônica que cobre dez estados das regiões Sul, Centro-Oeste e Norte.

A derrota não tirou Dantas do comando das empresas, já que o sócio majoritário no negócio, o Citibank, não deu sinais -- pelo menos por enquanto -- de que pretende acompanhar a

decisão das fundações. Mas, de certa forma, fragilizou sua posição. A expansão do Opportunity na área de infra-estrutura durante todos esses anos foi garantida, em boa parte, pelos recursos das fundações. E, embora Dantas vivesse em guerra com essas instituições, uma complicada organização societária as obrigava a acompanhar o banco em todas as suas decisões. "É um direito dos acionistas retirar o gestor caso não estejam satisfeitos com sua atuação", diz o ministro das Comunicações, Miro Teixeira, que vem acompanhando de perto a briga por causa dos efeitos que ela pode vir a ter sobre a Brasil Telecom.

Dantas permaneceu calado após o episódio. Mas, como era de esperar, acusou o golpe. E o pior, para ele, é que outros podem estar por vir. Do outro lado, mais uma vez, o adversário é um sócio. Até o início de novembro, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) deverá decidir quem tem razão numa contenda que está sendo travada entre o Opportunity e a Telecom Italia, que reivindica o direito de participar do bloco de controle da Brasil Telecom. A raiz da disputa está num intrincado acordo fechado em agosto do ano passado entre Dantas e os italianos. Como a Brasil Telecom não antecipara as metas de universalização de seus serviços, estava impedida, pela legislação, de explorar a telefonia celular -- área de grande interesse para a Telecom Italia, controlada pelo grupo Pirelli. A empresa, liderada no Brasil pelo executivo Giorgio Della Seta, havia feito pesados investimentos para que a Telecom Italia Mobile, a TIM, operasse em todo o país como braço na telefonia celular da Brasil Telecom.

Para contornar a legislação e poder colocar a TIM em operação, ficou acertado, juntamente com a Anatel, que os italianos sairiam provisoriamente do bloco de controle da Brasil Telecom. Seu retorno se daria neste ano, após a antecipação das metas. Não foi o que ocorreu. Em novembro de 2002, apenas três meses após esse acordo ter sido firmado -- com a aprovação do italiano Marco Tronchetti Provera, presidente mundial da Pirelli --, a Brasil Telecom entrou com um pedido na Anatel para operar as próprias licenças de telefonia celular, jogando a TIM para escanteio. "Agora a Anatel terá de dizer se vale o contrato assinado entre as partes no ano passado, com sua chancela, ou se vão vigorar as licenças concedidas posteriormente à Brasil Telecom", diz André Lago, analista da Investidor Profissional, gestora de recursos do Rio de Janeiro. "O clima é de expectativa."

Coube à italiana Carla Cicco, presidente da Brasil Telecom, atiçar ainda mais a briga. No início de outubro, em uma visita à Anatel e ao Ministério das Comunicações, ela deixou claro que, assim que a agência certificar a antecipação das metas da companhia, a Brasil Telecom vai iniciar, sim, os investimentos para explorar suas licenças de telefonia celular. Se isso acontecer, a Telecom Italia ficará automaticamente fora do controle da Brasil Telecom, na qual já investiu 985 milhões de reais desde 1998. A legislação é clara: se uma companhia detém o controle de uma operação em celular -- como é o caso dos italianos --, não pode estar no controle de outra companhia que explore o mesmo serviço. "A decisão da Anatel sobre quem tem razão nessa briga definirá o jogo de forças dentro da Brasil Telecom", diz Maurício Fernandes, analista de telecomunicações do banco Merrill Lynch. "Ela é fundamental para saber qual será a cara da empresa daqui para a frente."

A briga entre os sócios já se refletiu nas ações. Do dia 6 de outubro, quando houve o rompimento dos fundos com o Opportunity, até o dia 20, as ações da Brasil Telecom haviam caído de 14,30 para 13,61 reais, uma redução de 5%. No mesmo período, o índice Bovespa subiu 3,2%. "Esses números são reflexo da frágil situação societária da companhia", diz Lago, da Investidor Pro fissional. A preocupação dos analistas de mercado é saber como se encerrará esse capítulo na turbulenta novela das relações entre o Opportunity e seus sócios. Para boa parte deles, os acionistas minoritários se beneficiariam mais caso o banco de Dantas ganhasse a briga com os italianos. "É muito importante para a Brasil Telecom ter uma operação celular integrada", diz Rodrigo Pereira, analista de telecomunicações do banco Pactual. "Afinal, a tendência do setor é a migração da telefonia fixa para a móvel." Segundo Fernandes, do Merrill Lynch, a Brasil Telecom perderá valor caso não possa operar com as próprias licenças. "A presença da Telecom Italia no bloco de controle pode gerar um conflito de interesses que prejudicará o desempenho da operadora", diz. "Há o risco de a companhia italiana querer reforçar sua operação de celular em detrimento da telefonia fixa."

Provera, da Pirelli, tem um argumento pronto para contestar essa tese. Sua posição é que a TIM traria muitas sinergias para a Brasil Telecom. "A companhia não precisaria fazer pesados investimentos em telefonia celular", disse ele, em uma recente entrevista à imprensa brasileira. "Ela já teria uma operação pronta." Seja qual for a decisão, as perspectivas são de que Dantas e a Telecom Italia não permaneçam como sócios por muito mais tempo. Caso saia vitorioso da disputa, Dantas ficaria numa posição privilegiada para comprar a participação dos sócios. "Se a Anatel autorizar as licenças para a Brasil Telecom, os italianos podem até voltar para a empresa, mas ficarão impedidos de votar qualquer assunto referente à telefonia celular", diz um analista. "Isso os deixaria em uma posição fragilizada." Nesse caso, diz o analista, não faria nenhum sentido para a Telecom Italia continuar no negócio. Sem poder de veto e de controle, o mais provável é que ela acabe se desfazendo de sua participação.

Do lado dos italianos, a única forma de inflar a participação na Brasil Telecom seria uma negativa, por parte da Anatel, de licenças para a companhia operar a telefonia móvel. Nesse caso, eles voltariam a ter representantes no conselho com poder de veto. Com esse trunfo em mãos, segundo os analistas, os executivos da Telecom Italia poderiam se aproveitar da situação para forçar o sócio a pagar um preço maior pela saída deles do controle.

A briga também tem ramificações nos bastidores do poder político. No início de outubro, Provera esteve no gabinete de Miro Teixeira. Na ocasião, o ministro mostrou-se favorável à volta da Telecom Italia ao bloco de controle da Brasil Telecom. "Essa é uma questão que tem de ser resolvida entre os sócios e a Anatel", diz um representante do Opportunity. "É a agência, e não o ministro, que tem de opinar sobre qual das duas operações é melhor para os acionistas minoritários, que detêm 80% das ações da Brasil Telecom."

Embora a maior parte dos representantes do governo defenda que essa briga é dos acionistas, há certo mal-estar em alguns setores do Executivo com os efeitos das constantes desavenças do dono do Opportunity com seus parceiros comerciais, principalmente os estrangeiros. "O Daniel Dantas já brigou com os argentinos no Metrô, com os canadenses da operadora de telefonia TIW na Telemig e agora com os italianos", diz um integrante do governo. "Isso não é uma vitrine muito boa para um país que precisa atrair capital internacional." Durante o episódio de destituição do Opportunity da gestão do CVC, o BNDES apoiou abertamente os fundos de pensão. "O BNDES no governo passado sempre fez ouvido de mercador para nossas queixas", diz Sérgio Rosa, presidente da Previ, o fundo de pensão do Banco do Brasil, que liderou a insurreição contra Dantas. "Mas desta vez nos ouviu e acatou nossos argumentos."

O Opportunity tenta se defender mostrando os resultados de sua gestão. "Não existe nenhuma razão prática para os fundos quererem nosso afastamento", diz Maria Amalia Coutrin, uma das principais executivas do banco. "Todas as empresas administradas pelo fundo CVC estão dando bons resultados." A maioria delas fechou o primeiro semestre deste ano apresentando ganhos em relação ao mesmo período do ano passado (veja quadro na pág. 90). A Telemig Celular teve um resultado 177% superior. A Brasil Telecom, mesmo tendo apresentado um resultado pior que o registrado no primeiro semestre de 2002, fechou com lucro de 168 milhões de reais. "O fato de as empresas estarem sendo bem administradas não assegura benefícios aos cotistas", diz Rosa, da Previ.

Para justificar o afastamento de Dantas, as fundações elaboraram um dossiê baseado em investigações de duas consultorias -- a Deloitte e a BDO -- mostrando a atuação do Opportunity como administrador. Entre as denúncias, constam a cobrança supostamente irregular de taxa de administração -- que teria lesado os fundos em 8 milhões de reais nos últimos cinco anos --, a exigência indevida de comissões para colocação de ações e a aquisição e utilização em proveito próprio de três aviões. "Todas essas acusações são infundadas", diz Maria Amalia. "Os fundos de pensão serão os maiores perdedores com a saída do Opportunity da gestão." Os executivos do banco, porém, decidiram que não entrarão com nenhuma ação na Justiça para voltar a administração do CVC FIA.

O QUE DANTAS ENTREGOU
Das seis empresas administradas pelo CVC Opportunity, quatro
melhoraram seu desempenho no primeiro semestre de 2003 em relação ao mesmo
período do ano passado (valores em reais)
Empresa
Receita
Ebitda
Lucro líquido
Brasil Telecom
1º sem. 2003
3,7 bilhões
1,7 bilhão
168 milhões
1º sem. 2002
3,3 bilhões
1,5 bilhão
192 milhões
Variação
12,3%
13,9%
-12,2%
Telemig Celular
1º sem. 2003
515 milhões
231 milhões
90 milhões
1º sem. 2002
447 milhões
195 milhões
32,4 milhões
Variação
15,1%
18%
177,4%
Santos Brasil*
1º sem. 2003
104 milhões
35 milhões
23,8 milhões
1º sem. 2002
72 milhões
20,4 milhões
-12 milhões
Variação
45,4%
70,9%
-
Sanepar
1º sem. 2003
480 milhões
265 milhões
165 milhões
1º sem. 2002
436 milhões
245 milhões
89 milhões
Variação
10,2%
8%
85,7%
Metrô Rio
1º sem. 2003
78,7 milhões
23 milhões
-974 000
1º sem. 2002
64,6 milhões
16 milhões
-278 000
Variação
21,9%
43,5%
aumento de 250,3% no prejuízo
Amazônia Celular
1º sem. 2003
243 milhões
69 milhões
-432 000
1º sem. 2002
218 milhões
60 milhões
-13,4 milhões
Variação
11,8%
15,5%
queda de 96,8% no prejuízo
*Terminais de contêineres do porto de Santos Fonte: CVC
Opportunity

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