Gêmeos bilionários brigam na justiça após venda do Ritz
Os irmãos, que passaram décadas evitando a mídia, estão na primeira página dos jornais devido à disputa entre gerações da família sobre a venda do Hotel
Janaína Ribeiro
Publicado em 23 de maio de 2020 às 09h00.
Última atualização em 26 de maio de 2020 às 16h08.
O mundo secreto dos gêmeos bilionários britânicos Frederick e David Barclay começou a ser revelado com uma câmera escondida e um sistema de gravação discreto.
Em vídeo divulgado por Frederick nesta semana, um dos filhos de David, Alistair Barclay, aparece supostamente escondendo um aparelho de escuta no conservatório do Ritz Hotel para capturar discussões privadas entre Frederick e sua filha Amanda, que estavam negociando a venda do histórico hotel nos arredores do Palácio de Buckingham.
Mas Frederick estava preocupado que alguém estivesse ouvindo a conversa e pediu que a segurança do hotel instalasse uma câmera escondida que capturasse as imagens.
Os irmãos, que passaram décadas evitando a atenção da mídia e se isolaram em uma ilha no meio do Canal da Mancha, agora estão na primeira página dos jornais devido à parte mais recente da disputa jurídica entre as várias gerações da família sobre a venda do Ritz.
Os irmãos passaram o controle dos negócios da família para a próxima geração, mas advogados de Frederick disseram a um tribunal de Londres que os três filhos de David estão isolando sua filha, Amanda. O caso oferece um vislumbre dos conflitos de um dos clãs mais ricos do país, dono do jornal Daily Telegraph e de outras empresas no Reino Unido.
“Infelizmente, este é um exemplo clássico de como as empresas familiares se autodestroem”, disse Irina Curbelo, cofundadora da consultoria de negócios familiares Percheron Advisory. “Os Barclay precisam se lembrar que 60% dos fracassos dos negócios de família se devem à falta de comunicação aberta e confiança. Sem reconstruir isso, todos seus negócios, grande parte da riqueza da família e os próprios laços familiares desaparecerão.”
Hefin Rees, advogado de Frederick e Amanda, disse a um tribunal de Londres em audiência preliminar no início deste mês que os interesses das duas partes já estavam “em conflito”.
Ao ouvir a conversa, os primos podiam antecipar todos os movimentos de Frederick e Amanda com antecedência, planejar sua estratégia de negócios em torno disso”, incluindo assessoramento jurídico que estavam recebendo” neste momento crucial em que seus negócios e relacionamentos pessoais haviam se deteriorado”, disse o advogado.
“Ele é um homem que agora tem que contemplar a traição de seus sobrinhos e um pai que testemunhou o tratamento prejudicial de sua filha por seus primos”, disse Rees ao tribunal, argumentando que “isso era espionagem comercial em grande escala”.
Embora o caso esteja sendo conduzido pelos tribunais de Londres desde que Frederick e Amanda processaram os três filhos de David - Alistair, Aidan e Howard - e o filho de Aidan, Andrew, em janeiro, as imagens capturadas ganharam nova importância.
Alistair, vestido informalmente com sua camiseta de Harvard, é visto supostamente procurando um lugar para um adaptador elétrico que supostamente contém o aparelho de escuta. Ele se inclina e supostamente o conecta a uma cadeira de cor creme, onde Frederick costumava sentar-se para fumar um charuto enquanto conversava sobre negócios com Amanda, que ocupava seu lugar no sofá estampado de flores. Alistair parece olhar diretamente para a câmera antes de caminhar para tocá-la.
O aparelho capturou 94 horas de gravações de áudio e 1.000 conversas ao longo de vários meses, incluindo conversas privadas de Frederick e Amanda com seus advogados, administradores, banqueiros e empresários, além de negociações com possíveis compradores do Ritz, disseram os advogados da dupla em documentos enviados ao tribunal.
A família já estava dividida sobre a venda do hotel cinco estrelas, que os gêmeos idênticos compraram por 75 milhões de libras (US$ 92 milhões) em 1995.
Quando Alistair supostamente instalou o dispositivo em janeiro, os dois lados conduziam negociações separadas. Por causa das gravações, os primos descobriram que a Sidra Capital, da Arábia Saudita, havia feito uma oferta inicial de 1,3 bilhão de libras a Frederick e Amanda, além de uma aquisição não identificada em discussão entre Frederick, Amanda e um empresário russo, segundo advogados.
Os filhos de David negaram a informação em comunicado na sexta-feira. É “simplesmente falso” que qualquer ofertante tenha feito uma proposta formal de algo próximo a esse valor, disse um porta-voz da holding da família. Frederick não está diretamente envolvido na administração dos negócios da família há quase 30 anos e colocou em risco o processo de venda do Ritz, disseram.
Frederick “há algum tempo está conduzindo conversas não informadas com uma série de terceiros sobre assuntos comerciais delicados”, disseram no comunicado. “Essas atividades eram claramente inapropriadas e tinham o potencial de interferir e prejudicar os interesses comerciais da família.”
A advogada dos primos, Heather Rogers, disse que eles aceitaram que Frederick e Amanda fossem gravados sem seu conhecimento ou consentimento e que algumas das transcrições das gravações eram compartilhadas entre os primos, que não apresentaram defesa. Ela criticou as alegações escritas de Frederick e Amanda por serem propositadamente “chamativas e emotivas” e muito “tendenciosas”.
“Trata-se de uma disputa sobre membros da família e, do ponto de vista dos réus, é lamentável que esteja sendo examinada em público em vez de resolvida em família”, disse em audiência remota no início do mês.
Um porta-voz de Frederick e Amanda não quis comentar além das declarações anteriores.
Empresário misterioso
A audiência deste mês também revelou que os filhos de David contrataram a Quest Global, uma firma de investigação privada com escritórios em Londres e Catar, que forneceu outro aparelho de escuta, disse Rees, advogado de Frederick, em declarações por escrito. A Quest cobrou 405 horas pelo áudio e transcrição das gravações, que depois foram compartilhados com os primos, disse Rees ao tribunal.
Quest, presidida e pelo menos parcialmente controlada pelo ex-chefe de polícia de Londres John Stevens, é mais conhecida por seu trabalho em investigações esportivas. A empresa opera em um endereço do outro lado do parque, perto do Ritz, e se orgulha de sua vasta experiência em vigilância e monitoramento de longo prazo de funcionários e edifícios. Um representante da Quest não comentou.
No tribunal, Rees disse que as gravações capturaram extensas conversas entre Frederick, Amanda e um misterioso empresário russo relacionado a uma aquisição não identificada que não foi concretizada, depois que os advogados dos primos intervieram. Ele disse que a Quest entregou um relatório ao empresário russo em novembro do ano passado, aparentemente preparado para a Ellerman Holdings.
Gêmeos bilionários
Os gêmeos, de 85 anos, estão entre os bilionários mais discretos do Reino Unido, conhecidos por um complexo familiar em uma pequena ilha na costa sul do Reino Unido.
Nascidos de pais escoceses - com apenas 10 minutos de diferença -, cresceram em uma casa no oeste de Londres tão perto de uma ferrovia que os trens estremeciam as janelas. Depois de deixarem a escola aos 16 anos, os gêmeos começaram a trabalhar no departamento de contabilidade da General Electric, de acordo com “The Twin Enigma”, livro de Vivienne Lewin publicado em 2016.
Eles fizeram uma parceria na década de 1960 para transformar velhas pensões em hotéis e passaram a investir em cervejarias e cassinos, marcando o início de seu império comercial. Os gêmeos têm participações em empresas como no serviço de entrega Yodel e na varejista on-line The Very Group.
Frederick também trava uma batalha nos tribunais com a esposa Hiroko Barclay, de quem está separado. Um juiz que supervisionou a audiência preliminar do divórcio impôs limites ao que pode ser relatado, mas o caso pode, eventualmente, lançar luz sobre as finanças da família Barclay, caso haja uma decisão pública.
Venda do Ritz
Documentos públicos mostram pistas da crise da família Barclay antes mesmo do início do processo judicial e como o novo proprietário do Ritz comprou um dos ativos mais valiosos do Barclays.
Aidan e Howard Barclay substituíram Amanda e um de seus funcionários como diretores nas empresas Ritz uma semana depois que Alistair Barclay foi gravado instalando o aparelho de escuta. Os irmãos fecharam um acordo pelo Ritz com o empresário Abdulhadi Mana Al-Hajri, do Catar, por cerca de 800 milhões de libras em março. Frederick e Amanda souberam do negócio através da imprensa, apesar de Amanda ter uma participação de 25% no hotel.
“Estamos surpresos e perturbados com o anúncio de que o hotel Ritz teria sido vendido”, disse um porta-voz de Frederick na época. “Não fomos consultados nem aprovamos esta venda.”
Al-Hajri, de 40 anos, cunhado do rei do Catar, segue o estilo do Barclays na administração do Ritz, mantendo um perfil discreto. Além do hotel de Londres, seus imóveis incluem a casa mais cara da Turquia e uma mansão de US$ 50 milhões em Miami, segundo a mídia local.
Outro advogado de Frederick e Amanda, Desmond Browne, resumiu a disputa familiar em andamento no tribunal no início deste ano.
“Todos nos lembramos de Tolstói dizendo ‘cada família infeliz, é infeliz à sua maneira’”, disse. “Aqui, os filhos de Sir Frederick e Sir David têm estado em desacordo ... em relação aos trusts da família e, infelizmente, primo foi colocado contra primo.”