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Feitas para lucrar

Para Milton Friedman, prêmio Nobel de Economia de 1976, as empresas pertencem aos acionistas e sua missão é provê-los com o máximo lucro possível

EXAME.com (EXAME.com)
DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h40.

Leia, a seguir, a íntegra da entrevista de Friedman, concedida com exclusividade à EXAME. Nela, o economista afirma que a ação social só tem sentido se beneficiar, antes de tudo, as próprias empresas.

Revista EXAME - Qual deve ser a missão principal de uma empresa privada?
Milton Friedman - A empresa pertence aos acionistas. Sua missão principal, portanto, é gerar a maior quantidade possível de lucros para eles, desde que respeite as leis de cada país.

EXAME - O senhor não concorda com a idéia de que a empresa deve ter responsabilidade social?
Friedman - Eu não acredito que uma empresa pode ter responsabilidade social. Acho que apenas as pessoas podem ter responsabilidade social. Um prédio pode ter responsabilidade social? Eu não acredito. Se os proprietários de uma empresa querem usar os ativos de uma maneira que atenda a seus valores de responsabilidade social, tudo bem afinal, estarão gastando o seu próprio dinheiro.

EXAME - Ou seja, um presidente de uma empresa não deveria usar os recursos da corporação, que não lhe pertencem, em projetos sociais.
Friedman - Exatamente. Mas os presidentes e diretores das empresas são pessoas inteligentes. Pode ser vantajoso para uma corporação chamar de responsabilidade social uma ação que, na verdade, visa beneficiar a própria empresa. Por exemplo, uma companhia que atua muito fortemente numa determinada cidade pode lucrar se os cidadãos da região passarem a admirar sua conduta. Nesse caso, projetos de apoio a uma biblioteca, por exemplo, são uma forma de marketing que beneficia a própria empresa. Em outros casos, a atuação social pode ser vantajosa em termos fiscais.

EXAME - O senhor acredita, portanto, que há mais marketing que substância na onda social das empresas?
Friedman - Sim. Na maior parte das vezes, o que se chama de responsabilidade social não passa de propaganda e marketing. Mas isso não é totalmente verdade. Muitos anos atrás, Warren Buffett decidiu gastar uma fração dos dividendos em ações sociais. Mas ele fez da maneira correta perguntou aos acionistas onde o dinheiro deveria ser gasto. Para mim, é fundamental que cada pessoa gaste o seu próprio dinheiro, não o dinheiro dos outros.

EXAME - Hoje se fala muito dosstakeholdersem vez de shareholders. O que o senhor acha da distinção?
Friedman - Eu não acredito em nada disso. Para mim, as coisas são muito simples. Os acionistas são os donos das empresas. Essas empresas contratam funcionários; contratos que são do interesse mútuo das duas partes e que devem ser respeitados. Parece-me tão absurdo um executivo de uma empresa gastar o dinheiro dos funcionários como o dos acionistas.

EXAME - Algumas pessoas dizem que é o próprio mercado que trouxe a noção de responsabilidade social. Os consumidores passaram a preferir empresas socialmente responsáveis.
Friedman - Eu não acredito nisso. Nunca vi nenhuma evidência disso. Se isso fosse verdade, nenhum cigarro seria vendido no mundo. Pode ser uma nova tendência, mas não acredito muito nisso. Acho que é uma forma de marketing, nada mais.

EXAME - Num país pobre como o Brasil, não é positivo que uma empresa passe a cuidar de áreas que, de outra forma, seriam negligenciadas?
Friedman - Não. Não vejo nenhuma diferença entre o Brasil e os Estados Unidos quando o assunto é a missão de uma empresa privada. Vocês têm um governo eleito, como nós. Mas as pessoas que estão nos cargos executivos das empresas, seja em São Paulo ou em Los Angeles, não foram eleitas, mas escolhidas. Não foram escolhidas pela população. Portanto, parece-me pouco democrático que elas passem a atuar como se fossem parte do governo. Numa sociedade aberta, nós contamos que indivíduos busquem a sua realização pessoal e ela pode ser obtida por meio de ações sociais. Isso é positivo. Afinal, ninguém gasta o dinheiro dos outros tão bem quanto o próprio dinheiro, seja na defesa de causas universais, seja na satisfação de necessidades imediatas.

EXAME - Por que o senhor acha que há tanta gente resistindo à idéia de que a busca do sucesso individual é algo positivo para a coletividade?
Friedman - Simples. Todo mundo gosta de gastar o dinheiro dos outros. Quem não gostaria? Além disso, acho que há muita ignorância a respeito do que seja a essência do capitalismo. Quando vejo milhares de pessoas protestando contra a globalização, tenho certeza que a maioria simplesmente não sabe o que está fazendo. Na maior parte das vezes, os males atribuídos ao sistema capitalista na verdade são decorrentes da ação estatal. É o caso das tarifas protecionistas, dos monopólios etc.

EXAME - Se o senhor fosse defender o capitalismo diante dos críticos, o que diria?
Friedman - Diria que os maiores beneficiários do capitalismo são os mais pobres. As pessoas muito ricas não ganharam muito com o crescimento trazido pelo sistema capitalista. O capitalismo é um sistema em que os produtos de luxo dos ricos são transformados em bens disponíveis para as massas. Vamos pensar numa televisão. Ela jamais poderia ter sido feita se não fossem os ricos, pois custava muito caro no início. Com o tempo, virou um produto acessível a bilhões de pessoas. Não há nenhuma melhora na vida das pessoas mais pobres que tenha sido trazida pela iniciativa estatal. Foi sempre pelas empresas privadas. O capitalismo, portanto, é um sistema em que pessoas podem voluntariamente cooperar umas com as outras. Isso só é possível porque elas estão buscando satisfazer o próprio interesse. Não estou me referindo ao interesse em termos pequenos. Madre Teresa de Calcutá estava seguindo a sua própria satisfação pessoal tanto quanto Bill Gates. A questão é que o interesse de cada um é diferente. A força do sistema capitalista vem do fato de que ele permite a cooperação de pessoas que não falam a mesma língua, vivem em países diferentes, não se conhecem e que eventualmente se odeiam. Eles podem produzir bens e serviços uns para os outros.

Há apenas duas alternativas disponíveis. A primeira é uma sociedade hierarquizada, na qual tudo é decidido de cima para baixo. Nesse caso, um rei, presidente ou ditador dá as ordens para todos os demais. A segunda é uma sociedade de baixo para cima. O único sistema que permite uma economia complexa e extensa operando de baixo para cima é o capitalista. A União Soviética já foi uma experiência grande o suficiente para provar que o contrário não funciona. Em nenhum outro lugar do mundo houve sucesso em bases coletivas. Quando se junta o auto-interesse das pessoas com empresas que estão firmemente compromissadas a buscar mais e mais lucro, os pobres são os grandes beneficiários.

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Leia, a seguir, a íntegra da entrevista de Friedman, concedida com exclusividade à EXAME. Nela, o economista afirma que a ação social só tem sentido se beneficiar, antes de tudo, as próprias empresas.

Revista EXAME - Qual deve ser a missão principal de uma empresa privada?
Milton Friedman - A empresa pertence aos acionistas. Sua missão principal, portanto, é gerar a maior quantidade possível de lucros para eles, desde que respeite as leis de cada país.

EXAME - O senhor não concorda com a idéia de que a empresa deve ter responsabilidade social?
Friedman - Eu não acredito que uma empresa pode ter responsabilidade social. Acho que apenas as pessoas podem ter responsabilidade social. Um prédio pode ter responsabilidade social? Eu não acredito. Se os proprietários de uma empresa querem usar os ativos de uma maneira que atenda a seus valores de responsabilidade social, tudo bem afinal, estarão gastando o seu próprio dinheiro.

EXAME - Ou seja, um presidente de uma empresa não deveria usar os recursos da corporação, que não lhe pertencem, em projetos sociais.
Friedman - Exatamente. Mas os presidentes e diretores das empresas são pessoas inteligentes. Pode ser vantajoso para uma corporação chamar de responsabilidade social uma ação que, na verdade, visa beneficiar a própria empresa. Por exemplo, uma companhia que atua muito fortemente numa determinada cidade pode lucrar se os cidadãos da região passarem a admirar sua conduta. Nesse caso, projetos de apoio a uma biblioteca, por exemplo, são uma forma de marketing que beneficia a própria empresa. Em outros casos, a atuação social pode ser vantajosa em termos fiscais.

EXAME - O senhor acredita, portanto, que há mais marketing que substância na onda social das empresas?
Friedman - Sim. Na maior parte das vezes, o que se chama de responsabilidade social não passa de propaganda e marketing. Mas isso não é totalmente verdade. Muitos anos atrás, Warren Buffett decidiu gastar uma fração dos dividendos em ações sociais. Mas ele fez da maneira correta perguntou aos acionistas onde o dinheiro deveria ser gasto. Para mim, é fundamental que cada pessoa gaste o seu próprio dinheiro, não o dinheiro dos outros.

EXAME - Hoje se fala muito dosstakeholdersem vez de shareholders. O que o senhor acha da distinção?
Friedman - Eu não acredito em nada disso. Para mim, as coisas são muito simples. Os acionistas são os donos das empresas. Essas empresas contratam funcionários; contratos que são do interesse mútuo das duas partes e que devem ser respeitados. Parece-me tão absurdo um executivo de uma empresa gastar o dinheiro dos funcionários como o dos acionistas.

EXAME - Algumas pessoas dizem que é o próprio mercado que trouxe a noção de responsabilidade social. Os consumidores passaram a preferir empresas socialmente responsáveis.
Friedman - Eu não acredito nisso. Nunca vi nenhuma evidência disso. Se isso fosse verdade, nenhum cigarro seria vendido no mundo. Pode ser uma nova tendência, mas não acredito muito nisso. Acho que é uma forma de marketing, nada mais.

EXAME - Num país pobre como o Brasil, não é positivo que uma empresa passe a cuidar de áreas que, de outra forma, seriam negligenciadas?
Friedman - Não. Não vejo nenhuma diferença entre o Brasil e os Estados Unidos quando o assunto é a missão de uma empresa privada. Vocês têm um governo eleito, como nós. Mas as pessoas que estão nos cargos executivos das empresas, seja em São Paulo ou em Los Angeles, não foram eleitas, mas escolhidas. Não foram escolhidas pela população. Portanto, parece-me pouco democrático que elas passem a atuar como se fossem parte do governo. Numa sociedade aberta, nós contamos que indivíduos busquem a sua realização pessoal e ela pode ser obtida por meio de ações sociais. Isso é positivo. Afinal, ninguém gasta o dinheiro dos outros tão bem quanto o próprio dinheiro, seja na defesa de causas universais, seja na satisfação de necessidades imediatas.

EXAME - Por que o senhor acha que há tanta gente resistindo à idéia de que a busca do sucesso individual é algo positivo para a coletividade?
Friedman - Simples. Todo mundo gosta de gastar o dinheiro dos outros. Quem não gostaria? Além disso, acho que há muita ignorância a respeito do que seja a essência do capitalismo. Quando vejo milhares de pessoas protestando contra a globalização, tenho certeza que a maioria simplesmente não sabe o que está fazendo. Na maior parte das vezes, os males atribuídos ao sistema capitalista na verdade são decorrentes da ação estatal. É o caso das tarifas protecionistas, dos monopólios etc.

EXAME - Se o senhor fosse defender o capitalismo diante dos críticos, o que diria?
Friedman - Diria que os maiores beneficiários do capitalismo são os mais pobres. As pessoas muito ricas não ganharam muito com o crescimento trazido pelo sistema capitalista. O capitalismo é um sistema em que os produtos de luxo dos ricos são transformados em bens disponíveis para as massas. Vamos pensar numa televisão. Ela jamais poderia ter sido feita se não fossem os ricos, pois custava muito caro no início. Com o tempo, virou um produto acessível a bilhões de pessoas. Não há nenhuma melhora na vida das pessoas mais pobres que tenha sido trazida pela iniciativa estatal. Foi sempre pelas empresas privadas. O capitalismo, portanto, é um sistema em que pessoas podem voluntariamente cooperar umas com as outras. Isso só é possível porque elas estão buscando satisfazer o próprio interesse. Não estou me referindo ao interesse em termos pequenos. Madre Teresa de Calcutá estava seguindo a sua própria satisfação pessoal tanto quanto Bill Gates. A questão é que o interesse de cada um é diferente. A força do sistema capitalista vem do fato de que ele permite a cooperação de pessoas que não falam a mesma língua, vivem em países diferentes, não se conhecem e que eventualmente se odeiam. Eles podem produzir bens e serviços uns para os outros.

Há apenas duas alternativas disponíveis. A primeira é uma sociedade hierarquizada, na qual tudo é decidido de cima para baixo. Nesse caso, um rei, presidente ou ditador dá as ordens para todos os demais. A segunda é uma sociedade de baixo para cima. O único sistema que permite uma economia complexa e extensa operando de baixo para cima é o capitalista. A União Soviética já foi uma experiência grande o suficiente para provar que o contrário não funciona. Em nenhum outro lugar do mundo houve sucesso em bases coletivas. Quando se junta o auto-interesse das pessoas com empresas que estão firmemente compromissadas a buscar mais e mais lucro, os pobres são os grandes beneficiários.

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