OTAVIO DAMASO: para diretor de regulação do Banco Central, fintechs trazem eficiência, barateamento e diversidade de produtos para o setor financeiro / Beto Nociti/BCB
Da Redação
Publicado em 8 de fevereiro de 2017 às 19h11.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h59.
Naiara Bertão
As fintechs vieram para ficar. Em 2016, as empresas de tecnologia que oferecem serviços e produtos no setor financeiro ocuparam lugar de destaque nas discussões do mercado financeiro. Startups como Nubank, na área de cartões de crédito, GuiaBolso, em controle financeiro, e Stone, em meios de pagamentos, trouxeram soluções mais eficientes, fáceis e baratas para um mercado tido como conservador até então. O dilema agora é o da regulamentação – e o Banco Central sofre pressão para se adaptar rapidamente às novas demandas. “Nós não demoramos para entender as tecnologias, só não saímos regulando qualquer coisa”, diz o diretor de Regulação do BC, Otavio Ribeiro Damaso.
O economista, especializado em Matemática, tem longa carreira no setor público, tendo atuado como assessor econômico no Ministério do Planejamento e Orçamento e coordenador de assuntos financeiros no Ministério da Fazenda. Confira, na íntegra, a entrevista concedida a EXAME, para a reportagem O Banco não quer? Eu quero, publicada na edição “A guerra das ruas”. Nas bancas.
Como o Banco Central vê as fintechs: ameaça ou oportunidade?
O sistema financeiro sempre foi um ambiente de inovação tecnológica, mas o que estamos vendo agora é um processo de intensificação dessa inovação, ajudada pelo aumento tando da capacidade quanto do barateamento do processamento e armazenamento de dados. A popularização dos smartphones também foi essencial ao trazer mobilidade ao sistema. As fintechs podem contribuir de várias formas: algumas vão se associar a instituições financeiras e trazer mais agilidade e inovação aos processos, outras vão trabalhar sozinhas, buscando seu espaço onde identificarem uma janela de oportunidade. Existem muitas – onde há produtos mal oferecidos, serviços caros ou segmentos que não são atendidos. As instituições financeiras já perceberam que as fintechs vieram para aumentar a eficiência do setor e estão correndo atrás para implementar novas tecnologias.
E os preços devem cair para o consumidor?
Naturalmente, os produtos criados a partir de novas tecnologias e modelos de negócios trazem mais eficiência para o sistema como um todo. Vão baratear o custo operacional das instituições financeiras e ampliar o leque de opções para o consumidor.
Como o BC contribui para aumentar a concorrência do setor?
Acompanhando e regulando o que for necessário. Exemplo: antes muitas pessoas mantinham o relacionamento com a mesma instituição financeira para evitar a burocracia de abertura de contas, uma barreira natural. No ano passado, o BC soltou vários normativos permitindo e regulando a portabilidade de crédito e cadastro, para dar ao cidadão a possibilidade de escolher o que for melhor para ele. Hoje, o cidadão tem condições de sentar no sofá e, em cinco minutos, escolher aonde quer colocar seu dinheiro. Esse é um instrumento de concorrência imenso. Também já é possível abrir conta digital – e a tecnologia de identificação por trás é eficiente. Quando identificamos isso, vimos que não é mais necessário a presença física e assinatura em frente ao gerente. Anos atrás, as instituições financeiras queriam abrir agências. Hoje, é o mobile que elas estão explorando.
Na área de meios de pagamento ainda há muita concentração. O que está sendo feito para mudar isso?
O BC sempre promoveu, por comunicações ou ações, mecanismos para fomentar a competição do sistema financeiro, e não é diferente na indústria de cartão de crédito e de meios de pagamento. A concentração das bandeiras de cartões é uma característica do segmento no mundo inteiro. Em outros ramos, como aquisição e venda de produtos, há mais concorrência. Hoje, a maioria das fintechs é do setor de meios de pagamento.
A legislação precisou ser adaptada para permitir que empresas surgissem nessa área?
Sim. Em 2013, o BC publicou a Lei de Arranjos e Meios de Pagamento, que favoreceu o surgimento de forma sustentável e dentro do arcabouço legal, regulatório e típico de qualquer empresa que opera no sistema financeiro. Incluímos, por exemplo, orientações sobre como cuidar do dinheiro, quais as condições para operar e a gestão de risco no segmento.
Como é feita a interlocução com o setor?
O Banco Central sempre acompanhou esse processo e, nos últimos dois anos, aumentamos a interlocução com a indústria porque vemos um grande potencial para as fintechs contribuírem para a melhoria do sistema financeiro e trazerem benefícios para a sociedade. Participamos dos principais fóruns internacionais e nacionais de regulação para discutir o assunto e criamos grupos de estudos internamente. Procuramos ainda instituições financeiras para discutir inovação e tecnologia e entender as oportunidades que a tecnologia trouxe.
Algumas empresas reclamam da demora do BC em analisar os novos serviços que surgem. Precisaram se adaptar internamente para dar conta das demandas?
O BC não demora para entender as tecnologias, só não saímos regulando qualquer coisa. Não é papel do BC regular tecnologia. Tecnologia pode ser adotada se se enquadrar nas regras bancárias e prudenciais. O que nós fazemos é nos certificar de que as tecnologias que já estão sendo usadas pelas instituições são sólidas o suficiente para atender aos requisitos de estabilidade financeira. Avaliamos o que regular porque, além de ter um custo para estudar e entender a lei, também podemos matar um produto que tem potencial se soltarmos uma regulação prematura.
Qual é a inovação em que o BC está mais de olho no momento?
Um tema que tem um grande potencial de promover mudanças na forma de operar o sistema financeiro é o blockchain (uma nova tecnologia de armazenamento e envio de dados que promete mais segurança). O BC está se aprofundando nessa tecnologia e entendendo seu poder de trocar, compartilhar e validar informações e até promover transferências internacionais.
E quais regulações ainda não foram adaptadas?
Não consideramos, por exemplo, bitcoin como uma moeda. Para fazer empréstimos, ainda é necessário que uma instituição financeira cadastrada no Banco Central seja a intermediária. Essa é uma exigência até para preservar a Lei de Usura que temos no país (legislação que define como ilegal a cobrança de juros superiores ao dobro da Selic). As fintechs que estão entrando no mercado com o intuito de viabilizar crédito têm de observar o arcabouço regulatório. Mas está no nosso radar um aperfeiçoamento do tema por ser uma demanda forte da indústria.
No fim do ano passado, uma grande fintech [Nubank] ameaçou fechar as portas caso o BC reduzisse de 30 para dois dias o prazo de pagamento de vendas com cartão de crédito aos lojistas. Algo já foi decidido sobre o assunto?
Anunciamos que tinha dois assuntos para aperfeiçoar: o rotativo e o prazo. O governo iria avançar em um ou outro. Não é excludente; temos interesse em trabalhar os dois, mas com a questão do rotativo vamos andar mais rápido. O prazo já vem sendo discutido com a indústria desde 2009. Temos interesse, mas achamos que precisamos avaliar melhor. O BC mantem interlocução com a indústria de forma permanente e aberta. Não é nós contra eles. O sucesso deles como um todo é o sucesso do BC e da sociedade. Estamos discutindo.