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Crime sem castigo para a JBS?

Letícia Toledo  O dono de um dos maiores conglomerados do país grava o presidente em declarações que jogam o país na lama. Nos áudios, admite crimes de altíssimo calibre, como comprar juízes, políticos e procuradores. Como parte dos acordos firmados com a justiça, sua companhia precisa pagar multas bilionárias. Fica claro que seu império foi […]

FÁBRICA DA JBS: UNIDADE DA JBS: as ações da empresa subiram 22% nesta quinta-feira com rumores de venda de ativos da J&F / Ueslei Marcelino/ Reuters
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Letícia Toledo

Publicado em 19 de maio de 2017 às 18h04.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h15.

Letícia Toledo

O dono de um dos maiores conglomerados do país grava o presidente em declarações que jogam o país na lama. Nos áudios, admite crimes de altíssimo calibre, como comprar juízes, políticos e procuradores. Como parte dos acordos firmados com a justiça, sua companhia precisa pagar multas bilionárias. Fica claro que seu império foi construído com práticas nada republicanas. É natural, neste cenário, que os investidores corram de suas ações como o diabo da cruz, certo? Não.

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O empresário em questão, claro, é Joesley Batista, dono do grupo J&F, controlador do frigorífico JBS. Depois de caírem 10% ontem, os papéis da companhia subiram 1,52% nesta sexta-feira, o que pode indicar que, passado o susto, investidores vislumbram um futuro próspero para o grupo. Mas será isso mesmo?

A alta desta sexta-feira tem um motivo pontual. O Ministério Público Federal (MPF) veio a público para dar um ultimato ao grupo J&F sobre o acordo de leniência. O MPF propõe que o grupo pague 11,169 bilhões de reais no prazo de 10 anos até as 23h59 desta sexta-feira para fechar o acordo. O valor representa 5,8% do faturamento anual da J&F. Já a companhia, propõe um pagamento de apenas 1 bilhão de reais para fechar o acordo, o equivalente a 0,51% do faturado pelo grupo. A multa é pesadíssima, mas investidores veem a esperança de previsibilidade em meio a imprevisível e conturbada vida da companhia.

Em teoria, caso o pagamento não aconteça, o MPF pode aceitar rediscutir o valor. Mas juristas veem poucas chances de o ministério público recuar. “O comunicado teve um tom de ultimato. Foi um ‘ou vocês pagam, ou a empresa vira inidônea”, diz a advogada de direito criminal Carla Rahal Benedetti, sócia de Viseu Advogados.

A alta, portanto, reflete o sangue frio do mercado frente a uma empresa encurralada. “Fica muito difícil para um gestor justificar a seus clientes que está colocando o dinheiro deles na JBS”, diz o diretor de um banco de investimentos. “A vida da empresa, apesar do respiro nesta sexta, vai continuar duríssima, não só na justiça, mas na bolsa”.

Toda a estratégia de negócios da JBS está em xeque – pior, está sob suspeita de ter sido montada para se beneficiar do acordo que livra a pele de seus controladores. No fim do ano passado, a JBS anunciou uma reestruturação societária para abrigar todos negócios internacionais e a divisão de alimentos Seara em uma subsidiária, a JBS Foods International. A empresa terá sede na Holanda e o plano prevê também a abertura de capital na Bolsa de Nova York.

A migração dos negócios da companhia para os Estados Unidos sempre foi vista como uma boa estratégia para ter acesso ao capital externo e ajudar a companhia a reduzir seu alto endividamento. A dívida da companhia soma hoje estrondosos 47,8 bilhões de reais, o equivalente à 4,2% a sua geração de caixa.

Ao que tudo indica, o plano está de pé e os executivos continuam trabalhando para tornar a companhia cada vez mais internacional. Em comunicado divulgado ao mercado na noite de ontem, o presidente da companhia, Joesley Batista, afirma que o que a companhia faz fora do país é exemplo para o que deverá ser a empresa no mercado interno. “Em outros países fora do Brasil, fomos capazes de expandir nossos negócios sem transgredir valores éticos”, diz.

Pode parecer piada, mas o discurso faz parte da estratégia da companhia para tentar blindar suas operações no exterior e seguir seus planos enquanto o Brasil afunda. O problema é conseguir tirá-los do papel.

Analistas consideram inviável uma abertura de capital neste ano. Primeiro, a companhia ainda precisa concluir as negociações com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Depois, precisa convencer os investidores estrangeiros que os escândalos de corrupção ficaram no passado da empresa. “A imagem da empresa já está manchada. Os investidores vão querer ver pelo menos uns dois ou três trimestres de resultados após a conclusão dos processos para ter certeza de que a companhia está bem”, diz Raul Lemos, analista da Eleven Financial .

No mercado brasileiro, a JBS vinha enfrentando dificuldades nos últimos anos. O lucro operacional no Mercosul caiu 26,5% em 2016, para 1,7 bilhão de reais, por conta dos problemas no mercado interno. A margem de lucro da marca de alimentos Seara passou de 18% em 2015 para 8,8% em 2016; no primeiro trimestre do ano a margem caiu para 5,3%.

Para executivos do setor, os problemas no mercado interno devem aumentar a partir de agora. É possível que as vendas caiam por conta da imagem da empresa diante do consumidor. Além disso, pecuaristas podem começar a exigir que a JBS pague o gado que compra à vista, pressionando sua geração de caixa. “A pressão deve vir dos dois lados, fica difícil para a companhia manter todas as operações brasileiras”, diz um executivo do setor. “Se não abrir capital no curto prazo, a empresa pode enfrentar problema de caixa”.

A dívida bruta de prazo da companhia está em 17,8 bilhões de reais. Ela tem 10,7 bilhões disponíveis em caixa e outros 4,3 bilhões de reais em linhas de crédito garantidas para sua subsidiária JBS USA. O problema começa se a multa for muito pesada, e os bancos de fato dificultarem novas linhas.

Entre os planos da companhia, segundo executivos do setor, estaria vender parte das operações brasileiras para reduzir seu endividamento e focar mais no exterior. “A dúvida é também quem vai querer comprar. Enquanto a empresa ainda tiver acordos para fechar, é um risco grande”, afirma um concorrente.

Mesmo que o acordo de leniência com sua controladora seja firmado nesta sexta-feira, a JBS ainda precisará chegar a um acordo com a Controladoria Geral da União, a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Tribunal de Contas da União. Pode ser o ponto de partida para novos problemas. Para citar um caso recente como exemplo, apesar de as construtoras Odebrecht, Camargo Correa, OAS, Galvão, UTC e Engevix já terem firmado acordo de leniência, a AGU entrou com ação de improbidade administrativa na Justiça federal do Paraná no fim de abril para cobrar delas e de outras 14 empresas uma reparação aos cofres públicos de 11,3 bilhões de reais.

Além disso, a JBS também enfrenta três processos administrativos na Comissão de Valores Mobiliários abertos nos dias 12,17 e 18 de maio. Segundo a CVM os processos investigam “notícias, fatos relevantes e comunicados” da companhia, de acordo com a CVM. O processo mais recente se refere à compra de dólares e venda de ações da empresa pelos controladores. A JBS movimentou entre 700 milhões e 1 bilhão de dólares na quinta-feira 18 em operações de dólar, beneficiando-se do caos provocado pela delação de seu controlador, Joesley Batista. O lucro chegaria, no mínimo, a 170 milhões de dólares. A JBS, em nota, afirmou que as operações tiveram como intuito a proteção financeira.

Durante toda sua história, a companhia encarou atos pouco republicanos como a mais pura normalidade. Deu certo até aqui. Daqui para a frente, vai ficar muito mais difícil ganhar a vida com o estilo JBS de fazer negócios.

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