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Como o Pão de Açúcar vai evitar surpresas com a Casas Bahia

Abilio Diniz dispensou auditorias e fechou a compra da empresa em apenas 90 dias, mas não deixou de se proteger contra eventuais problemas

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

Dispensar a auditoria prévia de uma empresa que se pretende comprar é um movimento ousado no mundo dos negócios. Equivale à pessoa que compra um carro sem antes verificar se seus documentos estão regulares, se há multas a pagar ou se o motor precisa de reparos. Nesses casos, assumir a direção - seja da empresa, seja do veículo - pode conduzir a grandes desastres. Mas para acelerar a compra da Casas Bahia, o empresário Abilio Diniz, dono do Pão de Açúcar, fez exatamente isso - pulou a fase da due dilligence, a auditoria prévia realizada em uma companhia, antes da assinatura dos contratos. Como, por coincidência, a consultoria Ernst & Young já audita tanto o balanço da empresa da família Klein, quanto da sua própria, Abilio e os Klein concordaram em autorizar a troca de informações sobre a saúde financeira de seus negócios. Mas, quem entende de contabilidade sabe que os balanços não dizem tudo. Não mostram, por exemplo, se as lojas estão com problemas ou se uma controlada tem passivos que podem estourar no colo do novo controlador a qualquer momento. Por isso, a operação foi desenhada para blindar o Pão de Açúcar de qualquer surpresa futura.

"A compra da Casas Bahia foi feita um pouco no escuro, porque só agora se saberá mesmo o que tem lá", afirma uma fonte que participou das negociações. "Por isso, Abilio precisou se cercar de alguns cuidados". O principal deles foi garantir que eventuais problemas da antiga gestão não o afetem. Para tanto, o contrato obriga que a família Klein mantenha aberta a antiga Casas Bahia por, pelo menos, dez anos. A empresa original continuará com o mesmo CNPJ e contará com patrimônio e fonte regular de receita. O patrimônio será composto pelos imóveis onde hoje estão instaladas as lojas da rede, pelos jatinhos e hangares, pela participação de 75% que os Klein detêm na fabricante de móveis Bartira, e por parte da carteira de recebíveis de crédito. Já as receitas virão, primeiro, dos aluguéis pagos para ocupar os imóveis - cerca de 128 milhões de reais por ano. O contrato de locação é de dez anos, renovável por mais dez. A segunda fonte será a própria carteira de crédito. Para a "nova Casas Bahia", criada pelos Klein para compor a fusão com a Globex (controladora do Ponto Frio), foram transferidos apenas os ativos operacionais (carteira de crédito, funcionários, estoques, etc).

O contrato que amarra toda a operação é modesto - possui apenas 29 páginas. Trata-se muito mais de uma declaração de princípios dos novos sócios e estabelece um equilíbrio de direitos e deveres. O documento estabelece, por exemplo, uma série de circunstâncias em que uma parte pode ser indenizada ou ter de indenizar a outra - desde a eventual existência de lojas sem licença de funcionamento até problemas trabalhistas e fiscais. Tanto para Abilio quanto para os Klein, conservar a antiga Casas Bahia em operação foi uma boa idéia. Para o Pão de Açúcar, isso é a garantia de que, se alguém processar a Casas Bahia por um problema gerado na gestão anterior, a conta cairá sobre o antigo CNPJ - e, portanto, passará ao largo da nova gigante do varejo que está em formação. Já para os Klein, é um modo de criar um anteparo para o seu patrimônio pessoal, e tratar, se for o caso, de problemas da empresa com os recursos da própria. Vencido o prazo contratual de dez anos, se os Klein quiserem encerrar a antiga Casas Bahia, o contrato de locação dos imóveis poderá ser transferido para a família. (Continua)


É preciso lembrar que essa estrutura foi montada como precaução, e não como presunção de que haja problemas nas contas dos Klein. Quem teve acesso aos números auditados pela Ernst & Young não viu nada de arrepiar os cabelos. "As provisões para passivos trabalhistas e fiscais são compatíveis com o tamanho da empresa", afirma outra fonte que leu os relatórios. "Aparentemente, não há nada de anormal", diz.

Direito de preferência

A outra vantagem dessa estrutura, já conhecida, foi “encolher” a Casas Bahia. Antes de ser comprado por Abilio, em junho, o Ponto Frio apresentava um faturamento anual de 4,8 bilhões de reais, bem atrás dos 14 bilhões movimentados pela rede sediada em São Caetano do Sul, no ABC paulista. Como seria possível a Abilio ter o controle da empresa resultante da fusão? Manter parte dos ativos no antigo CNPJ da Casas Bahia também foi providencial para que se chegasse ao ponto de o Pão de Açúcar deter 51% do negócio, e os Klein, os outros 49%.

O contrato também estabelece as regras para que os novos sócios vendam suas ações. Os Klein não poderão se desfazer de nenhum papel por 12 meses. Do segundo ao quarto ano após a assinatura do acordo, os Klein poderão vender até 28,5% das ações da Globex que receberão em troca da sociedade. O escalonamento de vendas se estende por seis anos. O Pão de Açúcar só terá direito de preferência na compra dos papéis se os Klein decidirem vender, de uma só vez, 10% ou mais de suas ações a um único comprador. Já o Pão de Açúcar comprometeu-se a manter suas ações da Globex por 24 meses. O acordo determina, ainda, que os Klein terão direito de tag along. Isso significa que os antigos donos da Casas Bahia terão os mesmos direitos da família Diniz caso ela decida vender o controle da Globex. Quem viu as duas famílias reunidas celebrando o acordo, no entanto, acha improvável que alguém deixe a sociedade agora. "A fusão é boa para todo mundo", diz uma fonte presente à assinatura dos contratos. (Continua)


Governança

Por muitos anos, Abilio cultivou uma fama de gestor de personalidade forte, intervindo constantemente nas decisões da diretoria, mesmo quando afastado do dia-a-dia da empresa. Desde a aquisição do Ponto Frio, há seis meses, o empresário dá sinais de que adotou uma tática mais branda, admitindo algumas concessões para fortalecer o Pão de Açúcar. A união com os Klein colocará mais uma vez à prova a faceta negociadora de Abilio. O empresário terá, por exemplo, de ceder bastante espaço no conselho de administração da Globex. O conselho terá o número de assentos ampliado dos atuais sete para nove. O Pão de Açúcar ficará com cinco assentos. Os outros quatro serão ocupados por representantes dos Klein. Por ora, não se pensa em incorporar conselheiros independentes ao time - algo possível, já que a Globex não aderiu a nenhum nível de governança diferenciado da Bovespa. "É hora de os novos sócios se conhecerem mais e juntarem forças", afirma uma fonte.

Michael Klein será o presidente do conselho. Seu filho Raphael, de 32 anos, ocupará a presidência executiva. Apesar dos cargos de destaque, quem é familiarizado com o mundo dos negócios afirma que os Klein não terão tanto poder assim. "Abilio tem a maioria do conselho, e quem tem a maioria manda na diretoria", afirma um observador do processo. Nesse sentido, a compra da Casas Bahia lembra a aquisição da rede de atacarejo Assai, em 2007. O Pão de Açúcar pagou 208 milhões de reais por 60% da companhia, cujo ponto forte é saber se relacionar com os pequenos comerciantes e vendedores de rua, como dogueiros. O acordo manteve o fundador da Assai, Rodolfo Nagai, à frente do negócio, com o objetivo de que os executivos do Pão de Açúcar absorvessem sua experiência. Somente em julho passado, Abilio comprou os outros 40% da varejista, pagando mais 175 milhões de reais. "Manter os Klein no dia-a-dia da operação vai ensinar o Pão de Açúcar a como vender para a classe C", diz um dos assessores da aquisição.

Aos 72 anos, com uma fortuna pessoal avaliada em 1,5 bilhão de dólares, 11 aquisições realizadas nos últimos dez anos, e dono de um grupo que agora fatura 40 bilhões de reais - o que o transforma no oitavo maior grupo privado do país -, Abilio pode ter mesmo comprado um carro sem checar os freios ou as multas. Mas deixou no volante seu antigo proprietário, e mandou instalar air bags para se proteger em eventuais acidentes de percurso.

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