Como dar sabor à comida de avião
Kimiko de Freytas-Tamura © 2017 New York Times News Service Londres – Finalmente, a cerveja pode começar a ter um gosto bom a 9.000 metros de altitude. As companhias aéreas, que normalmente recebem críticas pela comida ruim e a bebida mais ou menos, estão começando de fato a preencher uma lacuna sensorial. O que as ajuda […]
Da Redação
Publicado em 14 de março de 2017 às 12h43.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h19.
Kimiko de Freytas-Tamura
© 2017 New York Times News Service
Londres – Finalmente, a cerveja pode começar a ter um gosto bom a 9.000 metros de altitude. As companhias aéreas, que normalmente recebem críticas pela comida ruim e a bebida mais ou menos, estão começando de fato a preencher uma lacuna sensorial.
O que as ajuda é o reconhecimento de que o barulho, a pressão baixa, o ar seco, os talheres e os copos de plástico também são culpados pelas refeições não muito apetitosas. Pesquisas mostraram que esses fatores mudam a maneira como sentimos o gosto das coisas em altitudes elevadas em comparação com quando estamos no chão.
Em 1º de março, a Cathay Pacific, empresa aérea de Hong Kong, lançou em alguns voos uma cerveja produzida para ter gosto bom quando o avião está muitos quilômetros acima do chão. Ela contém mel e uma fruta asiática chamada “dragon eye” ou longan, que possui um gosto parecido com o da lichia.
“Sabemos que quando a pessoa voa, a percepção de sabor muda. As companhias aéreas têm algumas maneiras para lidar com essa questão dos alimentos”, explica Julian Lyden, gerente de marketing da Cathay Pacific.
Por exemplo, o ruído de fundo do avião diminui a capacidade de sentir o doce e o salgado, afirma Charles Spence, professor de Psicologia Experimental da Universidade Oxford e conselheiro alimentar de empresas aéreas que vai publicar um livro sobre “gastrofísica”.
Nossa sensibilidade para sabores doces e salgados cai cerca de 30 por cento quando estamos voando em comparação com quando estamos em terra, segundo um estudo de 2010 patrocinado pela Lufthansa e conduzido pelo Fraunhofer Institute for Building Physics, da Alemanha.
Nas alturas, apenas o umami – o prazeroso quinto sabor amado pelos chefs de cozinha japoneses – é reforçado por razões que ainda não estão totalmente claras. Então, os bloody marys, drinques que contêm tomate e molho inglês, ambos ricos em umami, têm sabor melhor no céu do que na terra. É o coquetel mais consumido nos voos, segundo as empresas aéreas.
Ao especular sobre a razão do apetite pelo umami, Spence teoriza que o ruído do avião, mesmo que esteja em 80-85 decibéis (“menos do que um restaurante em Nova York”), acorda um medo ancestral.
Quando confrontados com predadores ou em situações de estresse, nossos ancestrais podem ter usado o umami, que causa um aumento na salivação, “para conseguir a energia para lutar ou fugir”, diz ele. (A British Airways revisou seu cardápio em 2013 para incorporar mais alimentos ricos em umami.)
Além desse ruído constante, a umidade e a pressão baixas afetam a maneira e a ordem em que as moléculas viajam para atingir nossos sentidos, explica Peter Barham da Universidade de Bristol, especialista em ciência dos sabores. A nove mil metros, o ar da cabine é mais seco do que o da maioria dos desertos. Isso prejudica nosso olfato, do qual deriva grande parte do sabor que sentimos.
Então, quando os passageiros saboreiam uma cerveja no ar, “o gosto muda”, segundo Barham, por que o ambiente afeta “a maneira como o cérebro interpreta os sinais”.
Algumas empresas aéreas experimentaram o que Spence chama de “tempero sonoro”, como tocar música com som metálico ou oferecer pratos e copos que façam barulho, porque isso acentua a doçura das refeições.
Alguns vinhos se saem melhor do que outros, diz ele, particularmente aqueles de países como o Chile, onde as uvas crescem e são processadas em grandes altitudes.
Champanhe, no entanto, é melhor evitar durante o voo, segundo alguns especialistas em alimentação, mesmo com as companhias esbanjando com seus passageiros mais abastados garrafas de Dom Pérignon ou Krug Grande Cuvée. Um teste feito pelo produtor de champanhe Taittinger em 2010 mostrou que o aroma diminui com a altitude e o gás gruda nas paredes do copo ao invés de subir em um fluxo constante de pequenas bolhas, considerado um indicador de qualidade da bebida.
O empresário Mikkel Borg Bjergso foi o primeiro a produzir cerveja especificamente para uma companhia aérea. Desde 2014, sua empresa, a Mikkeller, de Copenhagen, criou dez cervejas para a norueguesa SAS. Espera-se que lance mais seis este ano de uma cervejaria perto de Ghent, na Bélgica. A empresa aérea já comprou cerca de dois milhões de latas e garrafas de suas cervejas.
“Está se tornando uma tendência porque há uma competição muito grande pela experiência do cliente”, explica Bjergso, afirmando que já foi contatado por outra companhia. “A SAS está gastando muita energia em comida e bebida”, diz ele, por exemplo, com a compra de um suco de maçã especial produzido em uma pequena fazenda da Noruega.
Depois de várias experiências, incluindo a degustação de 25 tipos de cerveja a nove mil metros, Bjergso concluiu que os sabores mais dominantes, como amargura, se destacam.
A cerveja geralmente é feita de aveia e trigo, diz ele, mas “nós usamos apenas malte, e bastante”, em sua cerveja para as aéreas. “Também colocamos menos lúpulo no começo do processo de fermentação para diminuir o sabor amargo.”
A cerveja também tem a tendência de fazer mais espuma por causa da diferença de pressão do ar, conta ele, então parte do dióxido de carbono é retirada e o líquido colocado em garrafas de champanhe, que podem resistir melhor à pressão do ar do que as normais.
“Imagine sua refeição favorita – tem um sabor excelente. Mas se for servida em um recipiente de plástico e você estiver espremido cotovelo com cotovelo entre duas outras pessoas, não vai ter um gosto tão bom assim”, diz Barham.