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Bolsonaro e Petrobras: os riscos políticos que rondam a petroleira

Mesmo antes das críticas do presidente Jair Bolsonaro à alta dos combustíveis, risco político já rondava planos de vendas de ativos, como as refinarias, da companhia

PETROBRAS: independência é vista como fundamental para sucesso do leilão da cessão onerosa, previsto para novembro / Germano Lüders (Germano Lüders/Exame)

Victor Sena

Publicado em 19 de fevereiro de 2021 às 11h49.

Última atualização em 20 de fevereiro de 2021 às 22h30.

A série de aumentos nos preços dos combustíveis pela Petrobras nas últimas semanas não saiu barato para a empresa.

A última rodada de reajustes no diesel e na gasolina foi nesta quinta-feira elevou o presidente Jair Bolsonaro a zerar os impostos federais do diesel e do gás de cozinhas horas depois para tentar compensar a alta e levantou suspeitas sobre uma possível troca do presidente da companhia, Roberto Castello Branco. Isso porque o presidente da República afirmou que a empresa tem autonomia, mas disse que “algo vai acontecer” na companhia.

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Em seu blog, a jornalista Miriam Leitão afirmou que pode haver uma debandada da diretoria caso o presidente demita ou pressione Castello Branco pela demissão.

No mercado, a demissão já é vista como possível. Na Europa, as ações da companhia caem 5% e nos Estados Unidos cerca de 1%. Nesta manhã, as ações da companhia caiam mais de 5% no Ibovespa.

“O que se está ventilando é uma eventual troca do presidente. Se trocar, o mercado vai entender que a intervenção começou. A minha leitura é de que se tiver uma mudança sem justificativa plausível o mercado vai fazer uma leitura de que pode haver uma interferência política estrutural.  O mercado vai tentar se adiantar no que for possível essa eventual troca porque é possível que tenha anos de uma eventual interferência nos próximos dois anos”, opina a economista da Toro Investimentos, Paloma Brum.

A economista pondera, porém, que a divergência pode ser apenas uma rusga entre Bolsonaro e o presidente da companhia. E é isso o que o mercado está acompanhando, apesar de já estar precificando as ações da companhia para baixo:

"Se trocar, mas for para uma pessoa ilibada e comprometida com a redução do individamento e a autonomia da empresa, o mercado reprecifica e o cenário é mais positivo, mas não é céu de brigadeiro. O risco político continua existindo porque é uma estatal. Agora, se tiver troca e uma interferência dos preços aí seria o pior dos cenários: ações cairiam, a empresa teria dificuldade de fazer as vendas de ativos. Isso porque existem pressões de grupos de interesses para a Petrobras parar de vender ativos. Vem a dúvida: Interferência política na Petrobras de novo? Isso faz lembrar o governo da presidente Dilma Rousseff".

Paloma Brum, economista da Toro Investimentos

Por trás das tensões entre Bolsonaro e o presidente da estatal, o professor Edmar Almeida, do Instituto de Energia do Centro Técnico Científico da PUC-Rio, vê que o presidente da República está muito sucetível a pressão do público.

“O público geral acha que está a alcance da empresa vender combustível barato no Brasil e não entende que estamos em outro momento. Não existe espaço no caixa da empresa para usar ela como instrumento de política de preço. Ela tem acionistas privados e tem que respeitar governança. Tem que passar a mensagem clara que a política de preços não dá para passar pelo caixa da Petrobras”, opina.

Analistas ouvidos pela EXAME explicam que a empresa concentra diversas atividades, ela acaba sendo usada e tem risco político.

Empresas de exploração de petróleo que operam com refino podem usar isso para aumentar as margens de receita com combustíveis, para fechar os balanços com resultados melhores.

Então ela pode inflar ou pode, por alguma razão, geralmente política, diminuir os preços. Por isso, ela quer sair dessa linha de frente.

Como a Petrobras importa e exporta combustíveis e derivados, ela adota a política de paridade internacional para precificar os combustíveis. Com a disparada do petróleo neste começo de 2021, a empresa acompanhou os valores.

Mas por que a Petrobras determina os preços de praticamente todos os derivados do petróleo no Brasil?

A resposta está no monopólio do refino, situação que a companhia tem tentado se desvencilhar com a venda de oito refinarias, e com isso ficar menos vulnerável a pressões políticas.

Semanas atrás, o presidente Jair Bolsonaro já havia convocado o presidente da empresa, Roberto Castello Branco, para explicar como funciona a cotação do preço.

Esse tipo de reunião não costuma ser bem vista pelo mercado e expõe a presença do risco político, algo que sempre assombrou a Petrobras e cobra seu preço, principalmente na hora de ela tentar vender seus ativos.

A interferência política ocorrida durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff na precificação dos combustíveis, que afetaram os resultados finais e endividamento da companhia, é algo que a atual gestão busca evitar.

Procurada pela EXAME, a Petrobras preferiu não comentar.

Mas até onde há risco e interferência política na Petrobras? Para os especiliastas, a companhia terá sempre essa sombra porque é uma estatal, mas sua governança precisa ter autonomia porque opera seguinda regras de mercado.

 

Castello Branco, presidente da Petrobras: executivo defende redução do endividamento e venda de ativos, como a de oito refinarias (Agência Brasil/Agência Brasil)

A estratégia de vendas de ativos

Com o objetivo de reduzir seu endividamento e focada na exploração de petróleo em águas profundas, a empresa vem se desfazendo de diversas frentes de negócios nos últimos dois anos, desde que o atual presidente, Roberto Castello Branco, assumiu a estatal.

Em 2019, a empresa abriu mão do controle da BR Distribuidora, uma das principais bandeiras de postos de gasolina do país. Diversos outros negócios estão na lista.

A atual gestão entende que a vocação da Petrobras é retirar petróleo de águas profundas, tecnologia que ela domina frente a outros países.

Com isso, investimentos como o de refino devem perder espaço. A empresa pretende vender mais sete refinarias para levantar capital e para ter menos pressão política sobre seu nome, já que hoje ela é responsável quase totalmente pela produção de combustíveis no Brasil.

Ao vender as refinarias, além de aumentar seu caixa, a empresa dá espaço para outras empresas entrarem no mercado e dividir a responsabilidade pela precificação da gasolina e diesel, por exemplo, cumprindo o que determina a lei de 1997 que instaurou, pelo menos no papel, o fim do monopólio do setor no Brasil.

O monopólio é, inclusive, alvo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Em acordo feito com a autarquia que combate a concentração econômica, foi determinado que a Petrobras tem até 21 de abril para se desfazer das oito refinarias. O acordo tem aval do Supremo Tribunal Federal (STF).

Até a venda da primeira das oito refinarias, a empresa mantinha 98% do refino de combustíveis do país. Os outros 2% são ocupados por refinarias pequenas. Em falas à imprensa, o atual presidente da companhia já chamou a situação de “anomalia”.

Em geral, a estratégia da empresa é vista com bons olhos pelo mercado financeiro e pelos analistas de óleo e gás, tanto que as ações da empresa voltaram ao patamar da casa dos R$ 30 no fim de 2020, se recuperando do tombo do início da pandemia da covid-19.

Isso acompanha a recuperação do preço do petróleo, mas evidencia também as boas perspectivas para o negócio da companhia. No auge da Operação Lava-Jato, em 2016, as ações da Petrobras chegaram a valer R$ 4.

Para André Pimentel, analista da Performa Partners, a estratégia da empresa é acertada. Ele destaca também que a empresa viveu um verdadeiro “apocalipse” durante a Operação Lava-Jato e hoje conseguiu se recuperar.

“Em certo momento, foi importante para a Petrobras ter outros ativos, mas acho até que ela exagerou, foi em outra direção, até para termelétricas. Gastou dinheiro e esforço em um negócio numa área que não era a dela. Com isso, acabou se endividando demais porque isso faz com que seu custo de capital seja maior”, critica o analista.

Procurado pela EXAME, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), que representa as principais empresas do setor, afirma que os desinvestimentos de ativos da Petrobras no refino deverão atrair novos entrantes e aportes em infraestrutura logística e de produção, o que irá promover maior dinamismo e competição no mercado, com potenciais benefícios ao consumidor final.

Preço dos combustíveis

O fim dos impostos federais para o diesel e para o gasolina são uma medida que tem prazo de validade. Como o Brasil vive uma situação fiscal difícil, principalmente devido à pandemia, com baixa arrecadação, é possível que o governo tenha que aumentar impostos em outra área.

A medida, de utilizar os impostos, para compensar a precificação e a autonomia da Petrobras seria positiva em uma cenário fiscal mais sustentável.

O modelo ideal, segundo o professor Edmar Almeida, é preciso avaliar o que pode ser feito em termos de impostos, política cambial, trabalhar a competição e diminuir o monopólio do refino:

“A venda de refinarias é fundamental para educar o consumidor para educar o consumidor brasileiro de que a Petrobras não é feita para o governo não vai usar a empresa para estabilizar preços. Isso foi feito entre 2010 e 2014 com custo desestrasos para a empresa”

Alvo de preocupação do presidente Jair Bolsonaro e de categorias como a de caminhoneiros, que vêm ameaçando uma nova paralisação nacional, o preço dos combustíveis pode se beneficiar do fim do monopólio, mas a relação não é tão simples.

É complicado falar de baixa nos preços causada pela entrada desses novos donos de refinarias. Isso porque o refino acontece de forma regional, já que o frete encareceria muito depender de refinarias que vendessem em outras regiões, mesmo que fossem baratas.

Uma refinaria do Nordeste, nas mãos de outra empresa, ainda assim não conseguirá competir com uma de São Paulo, por exemplo.

No sudeste, região mais lucrativa, a Petrobras venderá apenas a refinaria Gabriel Passos, em Minas Gerais.

Em nota enviada à EXAME, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás afirmou que as vendas refinarias deverão garantir que os valores negociados no Brasil deverão sempre guardar relação com o preço de paridade internacional.

Assim, com o mercado aberto há menos chances de um descolamento prolongado entre os preços praticados no país e os internacionais, já que a livre importação garante sempre a possibilidade de contestação do preço interno dos derivados.

Esse fator dá previsibilidade e transparência ao mercado e cria um ambiente favorável aos investimentos, de fundamental importância para a garantia do abastecimento nacional.

Refinarias vendidas abaixo do ideal

A refinaria Landulpho Alves, na Bahia, foi vendida no começo de fevereiro por 1,65 bilhão de dólares a um fundo dos Emirados Árabes, um valor que foi apontado como abaixo do que o complexo vale pela Federação Única dos Petroleiros. Segundo o instituto de pesquisas da Federação, a refinaria vale entre 3 e 4 bilhões de dólares.

Em nota, a Petrobras afirma que conta com opiniões e instituições independentes que sinalizam se o valor de uma venda é justo e há uma faixa de valor que norteia a transação, que considera as características técnicas, de produtividade e do potencial do ativo.

Caso alguma proposta não cumpra esse piso mínimo, o processo de venda não segue para as etapas seguintes.

Essa diferença entre o que as refinarias valem e o que a empresa conseguirá arrecadar acaba sendo uma característica um pouco difícil de escapar.

Como tem histórico de interferência política e deve continuar a ser a grande empresa de refino do Brasil, os interessados em comprar as instalações apostam para baixo nos preços das refinarias.

“Qualquer investidor que for comprar vai tentar precificar esse preço do risco político. Como é um setor que historicamente pode sofrer pressão, a Petrobras está tendo dificuldade de vender as refinarias, o preço fica mais baixo. Não tem muito para onde fugir. O mercado vai precificar o risco. Tem que ter um prêmio de risco", explica Paloma Brum.

Uma alternativa para garantir mais margem para a Petrobras fazer melhores negócios é a extensão do prazo acertado com o Cade, que vence em abril.

Segundo analistas ouvidos pela EXAME, um indício de que as ofertas têm aparecido abaixo do ideal foi a decisão de reiniciar a oferta da refinaria Presidente Getúlio Vargas, no Paraná. Ela está entre as oito que devem ser vendidas e teve propostas abaixo do “piso” citado pela Petrobras na nota enviada à EXAME.

Apesar de os preços serem até considerados baixos, os analistas afirma queas condições não são as “normais” e que a decisão de vender por preços “baixos” acaba sendo a melhor para o momento.

Outro aspecto que abaixa os preços das refinarias é que a empresa continuará a ter força sobre a precificação dos combustíveis no país, mesmo sem as oito refinarias.

Para tentar aumentar esses valores,o país precisaria criar uma série de mecanismos institucionais, que garantam mais segurança jurídica para que as companhias concorrentes possam questionar qualquer manipulação dos preços. Somente “diluir” as refinarias não é suficiente.

O que esperar do futuro

Com as vendas da refinaria, e dinheiro em caixa, a empresa deve ter mais facilidade para diminuir seu endividamento bruto, que chegou a US$132,2 bilhões em 2014, no seu pior momento.

Uma das consequências negativas de se ter o endividamento alto é a dificuldade de tomar capital no mercado, caso a companhia tenha necessidade de financiar investimentos, principalmente devido às suas notas em agências de classificação de risco, como Fitch e Moody 's.

Na próxima semana, a companhia divulgará o balanço do 4º trimestre de 2020, junto do resultado anual. Com a queda do valor do petróleo e a baixa venda de combustíveis, a tendência é de prejuízo líquido.

De acordo com relatório do banco BTG Pactual, os resultados devem ser de um tom positivo, considerando principalmente que a empresa deve ter neste último trimestre vendas líquidas R$ 71,9 bilhões.

Já o Ebitda do trimestre deve ser de R$ 35,1 bilhões. O faturamento deve ficar em R$ 11,8 bilhões. O curso de extração do barril de petróleo deve mostrar uma ligeira alta na comparação com o trimestre anterior, de 6,1 dólares por barril para 6,4 dólares por barril.

Na visão dos analistas ouvidos pela EXAME, a história da Petrobras no pós-Lava Jato mostra uma recuperação que na época estava até fora do radar.

"Na Lava-Jato, talvez tenha sido a primeira vez que a opinião pública olhou para um ativo como a Petrobras de perto, que sempre esteve no coração e nas mentes de brasileiros. As pessoas entenderam que a Petrobras era vítima. As pessoas entenderam que ela merecia ser tratada como merece. As grandes sociedades só mudam quando elas visitam o caos e a gente tem visto resultados positivos. Por muito pouco, a companhia não entrou num processo de insolvência. O petróleo é um negócio em decrescimento. Se você não for ultra eficiente, você não vai chegar a lugar nenhum”, diz André Pimente.

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