Apps, robôs e chips: as empresas por trás do Carnaval 4.0 da Rosas de Ouro
De app com robô a radiofrequência para medir tempo, grupo de pesquisadores e empresas se uniu neste Carnaval para ajudar no samba-enredo "Tempos Modernos"
Carolina Riveira
Publicado em 22 de fevereiro de 2020 às 08h00.
Última atualização em 22 de fevereiro de 2020 às 10h48.
O que tem a ver o Carnaval e a indústria 4.0 ? Para a escola de samba paulistana Rosas de Ouro, bastante coisa. A escola da zona norte de São Paulo fez uma parceria com um grupo de trabalho formado por voluntários de empresas e universidades para construir neste ano um samba-enredo batizado de "Tempos Modernos", que contará a história das revoluções industriais passadas e os desafios da transformação que o mundo começa a viver agora.
O tema surgiu em parte por iniciativa do executivo Élcio Brito, sócio-fundador e diretor de tecnologia da empresa de engenharia SPI, que é especializada em implementar projetos de indústria 4.0 -- que envolvem automação, internet das coisas, máquinas conectadas e uma série de projetos de tecnologia para otimizar a produção.
Essa transformação vem sendo chamada por estudiosos de "Quarta Revolução Industrial". Antes de chegar a ela, contudo, o desfile da Rosa vai mostrar tudo o que trouxe a humanidade até aqui.
"O desfile tem um robozinho, o ROXP4, que está triste porque está sendo substituído por um robô mais avançado. Então, ele olha para a tecnologia de forma triste", diz Brito. O nome do robô foi inspirado no próprio nome da escola e ideia do carnavalesco da Rosas, André Machado, para que um tema técnico como a indústria ganhasse emoção e personalidade na avenida. "E aí o desfile vai viajando por todas as revoluções e, no fim, discute o futuro que nós queremos com as novas mudanças", diz o sócio da SPI.
O robô será projetado em realidade aumentada, e também estará disponível no aplicativo Carnaval 4.0, lançado pela Rosas e que poderá ser baixado gratuitamente. As fantasias terão um QR Code, que funciona como um código de barras, que poderá ser lido pelo app e permitirá aos foliões uma maior integração com o figurino da escola.
Por trás do samba, além do trabalho de toda a comunidade da escola, esteve uma força-tarefa que contou com a participação de mais de 30 empresas. Entre as participantes estão, além da SPI de Brito, gigantes como Dasa, de saúde, Nokia, de celulares e tecnologia, e GS1, associação de padrões de código de barra e QR Code. Empresas de consultoria e engenharia como People+Strategy, EloGroup, CNC, ATTO, UMANTECH e N&DC também atuaram no desfile. Todas trabalharam de forma voluntária. O trabalho ainda teve parceria com alunos e pesquisadores da Universidade de São Paulo, a FEI e a Mauá.
QR Code e "monitor de emoção"
Trabalhando diretamente com a transformação da indústria na SPI desde a década de 1990, Brito vem presenciando as mudanças que as máquinas trouxeram e ainda trarão à sociedade. E tinha o desejo de retratar isso tudo no carnaval. "Um grupo de colegas pesquisadores e eu procuramos a Rosas de Ouro e oferecemos a ideia", lembra o engenheiro.
No começo, a escola achou que um tema como esse não traria emoção suficiente à avenida. Mas a ideia amadureceu e o carnavalesco André Machado viu valor no plano de usar a tecnologia para trazer o público para dentro do desfile. "A genialidade do André e do pessoal da Rosas fará com que inauguremos uma 'nova era' no carnaval, com uso de tecnologia como nunca antes", diz Brito.
A equipe de voluntários também trabalhou para que a tecnologia fosse além do samba-enredo e fosse aplicada na prática no desfile.
Todos os membros da escola terão um chip de radiofrequência (tecnologia chamada de RFID, que funciona em ferramentas como os da empresa Sem Parar, de pedágios e estacionamentos, ou em códigos de barra no varejo): o chip vai ajudar a escola a identificar se as alas estão desfilando no tempo correto. Um desfile pode durar entre 55 e 65 minutos, e passar pela avenida no prazo certo e sem deixar buracos é um dos maiores desafios das escolas.
Os chips e códigos QR também vão ajudar a identificar as fantasias e ajudar na devolução das peças no fim do desfile -- no carnaval, é comum que os itens sejam reciclados para o desfile do ano seguinte. O coeficiente de carbono das fantasias também foi medido, para que a escola consiga refletir sobre formas de diminuir a poluição no próximo desfile. Os carros alegóricos, antes da fabricação, foram primeiro impressos em 3D, para evitar erro e retrabalho e reduzir os custos. "Uma pessoa destaque, por exemplo, já conseguia ver se aquela altura estava boa", diz Brito.
A Dasa instalou também forneceu pulseiras que funcionam como monitor de "emoção" em personagens chave do desfile, como a diretoria da escola e a rainha de bateria. Por fim, além do ROXP4, outros robôs estarão presentes em carros alegóricos. Na bateria, um robô da suíça ABB, empresa de automação, vai distribuir baquetas aos integrantes. Em vez de movimentos pré-definidos e padronizados, os robôs da Rosas de Ouro conseguirão ser controlados ao vivo.
Os desafios da indústria
Um dos objetivos que Brito, as empresas envolvidas e a Rosas de Ouro esperam atingir é tornar mais palpáveis os conhecimentos sobre indústria 4.0 e a aplicação da tecnologia. De preferência, diz Brito, levar aos brasileiros -- e até aos governantes -- uma conscientização maior sobre a importância de o Brasil se preparar para essa virada.
O desfile da Rosas de Ouro vai acompanhar uma indústria que mudou sobremaneira no último século. A Primeira Revolução Industrial, no fim do século 18, por volta do ano 1870, foi baseada na energia mecânica e em motores a vapor. Protagonizada pelo Reino Unido, a revolução permitiu, por exemplo, sair do modelo de produção artesanal para uma produção mecanizada. Já a Segunda Revolução, no começo dos anos 1910, trouxe a energia elétrica para a fábrica -- e levando a revoluções como a linha de produção de carros feita por Henry Ford nos Estados Unidos, país que liderou este período.
A Terceira Revolução, por sua vez, foi responsável pela automação das máquinas, evitando trabalho repetitivo e trazendo tecnologias como a internet e os computadores. Essa última etapa começou por volta dos anos 1970 e é a realidade na maioria das fábricas ainda hoje.
Agora, explica Brito, o processo de produção precisará começar a integrar uma série de novas tecnologias. A Quarta Revolução Industrial é definida como uma integração entre os mundos físico e biológico, já existentes, e um novo mundo, o digital. Daí surgem tecnologias como internet das coisas, que fará equipamentos serem inteligentes e conectados uns aos outros, big data, com uma extensa e aprofundada análise de dados, e inteligência artificial, que dota softwares de uma capacidade "quase humana" de pensamento.
Tudo isso começa a ser integrado à linha de produção. Mas ainda estamos no começo do processo. O Brasil está em 66º no Índice Global de Inovação (GII) elaborado em parceria entre a Universidade Cornell, nos Estados Unidos, o Instituto Europeu de Administração de Empresas (Insead) e a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Wipo). Os cinco primeiros no ranking de 2019 são Suíça, Suécia, Estados Unidos, Países Baixos e Reino Unido. Na América Latina, o Chile é o melhor colocado, mas ainda fica somente na 51ª posição.
"Se o Brasil não se preparar, ficaremos muito para trás nessa corrida", diz Brito. O país carece também de uma grande falta de profissionais para lidar com essas novas tecnologias, que exigirão trabalhadores qualificados e praticamente vão extinguir os trabalhos manuais e que podem ser feitos por funcionários sem formação. Um estudo do Senai mostrou que o Brasil precisará requalificar 10,5 milhões de trabalhadores até 2023. "Isso é daqui a dois anos. Temos de começar já", diz Brito.
A esperança do engenheiro é ver o Brasil se transformar na mesma velocidade que o samba-enredo da Rosas se apresentará na avenida. A Rosas de Ouro desfila no fim da madrugada deste domingo, 23, encerrando o segundo e último dia do carnaval paulistano.