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A maior aposta da Natura?

Letícia Toledo Para uma empresa acostumada a mudanças milimétricas em sua estratégia, a notícia de que a Natura está no páreo para comprar a rede britânica The Body Shop é um acontecimento. A fabricante brasileira de cosméticos, conhecida pelas vendas porta-a-porta, compete com os fundos de investimento Advent, CVC Capital e Investindustrial Advisors pelo controle […]

LOJA DA THE BODY SHOP EM LONDRES: aquisição da  / Gareth Cattermole/Getty Images

LOJA DA THE BODY SHOP EM LONDRES: aquisição da / Gareth Cattermole/Getty Images

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Letícia Toledo

Publicado em 25 de abril de 2017 às 17h26.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h27.

Letícia Toledo

Para uma empresa acostumada a mudanças milimétricas em sua estratégia, a notícia de que a Natura está no páreo para comprar a rede britânica The Body Shop é um acontecimento. A fabricante brasileira de cosméticos, conhecida pelas vendas porta-a-porta, compete com os fundos de investimento Advent, CVC Capital e Investindustrial Advisors pelo controle da companhia com 3.000 lojas pelo mundo, 119 delas no Brasil, posta à venda pela L’Óreal no início do ano.

Os motivos pelos quais a gigante de cosméticos colocou a The Shop à venda são conhecidos. Fundada pela britânica Anita Roddick em 1976 com o mesmo foco em sustentabilidade que marcou a história da Natura, a companhia nunca decolou dentro da pesada estrutura da L’Óreal. No ano passado, o faturamento caiu 5%, para 920 milhões de euros, e o lucro encolheu 38%, para 33,8 milhões. Para piorar, a companhia perdeu a conexão com a sustentabilidade, sem conseguir, por exemplo, reduzir o uso embalagens deviradas de petróleo.

Roddick simplesmente não se entendia com os executivos da L’Óreal, que ela acusava de promoverem ideais inalcançáveis de beleza. Ela defendia o comércio justo, o que incluía importar ingredientes de países pobres como uma forma de contribuir para seu desenvolvimento. Eram questões que causavam controvérsia dentro de casa, e que, paradoxalmente, foram perdendo o impacto com consumidores que ganharam novas ofertas de produtos orgânicos vindas de pequenas empresas inovadoras. O mundo mudou, e a Body Shop ficou para trás. Hoje, a empresa está à venda por 1 bilhão de euros, praticamente o mesmo preço de quando foi comprada, em 2006 (por 1,1 bilhão de dólares em valores da época).

Mas as grandes questões que cercam o negócio são por que a Natura quer a The Body Shop, e por que, 48 anos depois de fundada por Guilherme Leal, Luiz Seabra e Pedro Passos, está disposta a dar o salto mais ousado de sua história. A companhia britânica, na teoria, preenche duas lacunas no negócio da Natura: lojas físicas e presença internacional. Procurada por EXAME Hoje, a Natura afirmou que não comenta “rumores do mercado”.

A estratégia de Natura de avançar em lojas físicas teve início apenas no ano passado. A empresa inaugurou sete lojas, e o plano é chegar até 30 no fim deste ano. “O movimento ainda é lento. Comprar a The Body Shop, apesar do investimento alto, seria uma maneira muito mais rápida de expandir as operações no varejo”, diz Giovana Scottini, analista da Eleven Financial. O presidente da Natura, João Paulo Ferreira, disse em teleconferência de resultados no ano passado que as lojas físicas vão representar aproximadamente 10% do faturamento da Natura até 2021.

Comprar a Body Shop certamente encurta o caminho. Juntas, as 119 lojas da rede no Brasil faturam 253 milhões de reais, ou cerca de 3% do faturamento total do Natura, de 7,9 bilhões de reais. Em março, a Body Shop havia anunciado planos de chegar a 230 lojas no Brasil até 2023, numa meta agressiva que poderia, aí sim, ajudar a Natura a cumprir seus próprios objetivos. A marca chegou ao Brasil ao adquirir 51% da rede gaúcha Empório Body Store, em outubro 2013.

Ainda assim, analistas acreditam que o maior atrativo do negócio está fora do Brasil. Atualmente, as vendas no exterior representam 32% da receita da Natura. Mas a empresa tem mostrado grandes avanços apenas na América Latina, que representa 24,8% do faturamento da empresa, atuando basicamente em vendas diretas. Na Europa, o plano de expansão da marca Natura fracassou. No fim do ano passado a companhia encerrou as vendas diretas na França, onde tinha 1.100 consultoras.

A Body Shop seria a segunda aquisição da Natura no exterior. A primeira foi a australiana Aesop, focada em produtos premium, que hoje corresponde a 7,3% das receitas da Natura. As empresas continuam operando de maneira independente e a Aesop segue produzindo seus cosméticos na Austrália. Desde que passou a integrar a Natura, a marca australiana quadruplicou de tamanho. Ano passado, a empresa inaugurou 41 lojas exclusivas, totalizando 176 em 20 países da América, Ásia, Europa e Oceania. No Brasil a marca tem apenas duas lojas, na cidade de São Paulo. Os produtos também estão à venda em 85 lojas de departamento.

A grande debilidade da Natura é conhecida, e vem sendo atacada. É a dependência de um modelo de negócios que tem mais a cara do Brasil que passou do que do Brasil que virá — as vendas diretas. A companhia tem 1,8 milhão de vendedoras e lidera com folga esse segmento no Brasil. O problema é que está cada dia mais difícil aumentar a produtividade das vendedoras, e a concorrência só faz crescer. Há cerca de 300 empresas de venda direta de produtos de higiene e beleza no Brasil, e a atenção das vendedoras da Natura vem sendo cada vez mais dividida com outras marcas.

Para não deixar as vendedoras de lado, a Natura também vem implementando melhorias. A companhia resolveu separá-las em categorias: consultoras de beleza, especialistas e empresárias. No segmento empresárias a marca permite que elas tenham lojas físicas para vender produtos. “Eles pararam de tratar todas as consultoras como se elas fossem iguais, dividi-las ajuda a dar mais atenção a elas”, diz Giovana Scottini, da Eleven Financial. A Natura também está implementando, em projeto piloto, novos descontos, condições comerciais e treinamentos para suas consultoras.

São desafios que rondam a companhia há anos. A Body Shop seria uma ótima oportunidade de abrir novos mercados, e de, enfim, encarar novos problemas.

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