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A hora da sucessão

Os grandes escritórios enfrentam um desafio antes restrito às empresas -- passar o bastão aos jovens

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h41.

Aos 65 anos, o tributarista Ary Oswaldo Mattos Filho é um dos mais respeitados advogados do país. De seu currículo constam operações como o surgimento da Ambev, a fundação de uma das mais bem-sucedidas bancas do Brasil -- o Mattos Filho Advogados -- e a recente criação do curso de direito na Fundação Getulio Vargas. Com acesso aos maiores empresários do país, Mattos Filho é um sócio fundamental para o escritório. Mas será obrigado a se aposentar. De acordo com uma regra estabelecida pelos quatro fundadores da banca, os sócios devem vender suas cotas a partir dos 65 anos. Embora pareça um contra-senso, sua aposentadoria compulsória se dá em nome da perenidade do escritório. "Se você não está disposto a abrir mão do poder, não há sucessão", diz Mattos Filho. "Sem sucessão, o escritório não sobrevive aos fundadores."

Nos últimos anos, a preocupação com a sucessão, antes restrita às empresas, tem crescido nas grandes bancas de advogados. Trata-se de um fenômeno recente, comparável à profissionalização de grupos familiares brasileiros, como o Votorantim, da família Ermírio de Moraes. Até uma década atrás, era comum ver o comando dos escritórios passar de pai para filho. Depois dos anos 90, porém, a estrutura das bancas cresceu. Em algumas, o número de advogados passou de 20 para 250 em cinco anos. Elas foram, então, obrigadas a se estruturar como empresas. A prova de fogo dessa profissionalização é a aposentadoria dos fundadores. Como acontece numa companhia que perde o empreendedor que a criou do zero, é nes sa hora que ela precisa mostrar que sabe andar com as próprias pernas.

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A sucessão nas bancas tem características peculiares. O fundador de uma empresa pode deixar a administração para profissionais e continuar recebendo como acionista. Já o sócio de um escritório de advogados simplesmente sai da folha de pagamento ao deixar a sociedade -- o que não é exatamente um incentivo para a aposentadoria. E o que o cliente de um sócio antigo pensará ao ser apresentado a seu novo advogado -- sem cabelos brancos? "Aos poucos, Ary Oswaldo começou a me levar às reuniões com os clientes dele", diz Moacir Zilbovicius, um dos jovens mais destacados do escritório Mattos Filho, ao lado de Sergio Spinelli e Gláucia Lauletta.

A manutenção de talentos é o primeiro elo da cadeia da sucessão. Mas trata-se de uma tarefa complexa, pois a queda nos negócios tornou a carreira dos advogados mais lenta. "Isso causa frustração nos jovens", diz Ricardo Ariani, sócio administrador do Tozzini, Freire. Nos últimos anos, sócios de grandes escritórios têm saído para formar seus próprios negócios. Em março deste ano, 15 advogados deixaram o Pinheiro Neto para fundar o MMPK Advogados. Levaram clientes como Braskem, Philip Morris e Merck. "Alguns advogados jovens ficam desmotivados, sem perspectiva nas grandes bancas", diz Ubiratan Mattos, sócio do MMPK. Há quatro anos, cinco sócios saíram do Machado, Meyer para fundar o Souza Cescon -- o que levou os fundadores a acelerar o processo de profissionalização. "Isso aconteceu justamente quando já começávamos a pensar em sucessão", diz Moshe Sendacz, um dos fundadores do Machado, Meyer.

O que fazer para evitar a fuga? Os consultores recomendam que o primeiro passos é estabelecer uma idade-limite para a aposentadoria dos sócios. "Sem isso, a fila não anda", diz Ariani, do Tozzini. Outra recomendação é criar um comitê executivo -- equivalente ao conselho de administração das empresas -- que, além dos fundadores, inclua sócios mais jovens. "Eles têm de ter espaço para crescer e aprender a mandar", diz a consultora Anna Luiza Boranga. Quando pensam na sucessão, os advogados brasileiros se miram nas bancas inglesas e americanas, nas quais a passagem de bastão é um fato corriqueiro. O inglês Clifford Chance, maior escritório do mundo, fatura mais de 1 bilhão de dólares por ano, tem milhares de advogados e sua origem remonta ao longínquo ano de 1802. "Estamos 100 anos à frente do Brasil quando o assunto é sucessão", diz André Jánszky, sócio do Shearman & Sterling, fundado em Nova York em 1873. "Somos como uma empresa aberta, que se renova sem traumas." De acordo com os especialistas, muitos escritórios brasileiros ainda são firmas de dono, em que os fundadores mandam mais, ganham mais e têm mais clientes. Tornar a instituição mais forte que os fundadores é um dos maiores desafios para sua sobrevivência.

Plano de longevidade
A estratégia de sucessão adotada por algumas das maiores
bancas do país
ATITUDE
OBJETIVO
Adotar um limite de idade em média, 65 anos para a aposentadoria dos
fundadores, que podem continuar na banca como consultores
Abrir espaço para sócios mais jovens e evitar que os fundadores se apeguem
demais ao cargo
Criar um comitê executivo que, além dos fundadores, inclua sócios mais
novos, eleitos periodicamente
Preparar os advogados da segunda geração para exercer o poder
Criar um plano de carreira que premie os profissionais mais destacadosEvitar que advogados talentosos deixem o negócio, pondo em risco a perenidade
da banca
Fontes: escritórios e ALB
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