Trump é vítima de fogo amigo
Sérgio Teixeira Jr., de Nova York As convenções dos dois partidos americanos são espetáculos de mídia ensaiados até os últimos detalhes para fazer bonito na TV e dar o pontapé inicial na campanha presidencial do nome indicado. No noite de quarta-feira, o que se viu na reunião do Partido Republicano foi exatamente o contrário. Ted […]
Da Redação
Publicado em 21 de julho de 2016 às 07h24.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h45.
Sérgio Teixeira Jr., de Nova York
As convenções dos dois partidos americanos são espetáculos de mídia ensaiados até os últimos detalhes para fazer bonito na TV e dar o pontapé inicial na campanha presidencial do nome indicado. No noite de quarta-feira, o que se viu na reunião do Partido Republicano foi exatamente o contrário. Ted Cruz, o senador texano que chegou em segundo lugar nas primárias, falou durante quase 20 minutos – e se recusou a apoiar explicitamente Donald Trump.
“Se você ama seu país e ama seus filhos tanto quanto sei que você ama, marque posição e fale e vote com sua consciência em todos os candidatos da nossa chapa, em quem você confia para defender nossa liberdade e ser fiel à Constituição”, disse Cruz. A frase, cuidadosamente construída para omitir o nome de Trump, foi recebida com uma vaias e gritos de “Vote em Trump” e “Cumpra sua promessa”. Cruz tinha se comprometido a apoiar o indicado do partido, quem quer que fosse, e deixou o palco sob apupos. O cisma do Partido Republicano, que deveria ser remediado, ou pelo menos atenuado, na convenção de Cleveland, foi transmitido ao vivo pela TV para milhões de lares americanos.
Os comentaristas ficaram atônitos, e o tom geral era de incredulidade. Trump sabia que estava correndo um risco ao chamar Cruz para discursar, afinal o senador texano até então não tinha anunciado publicamente seu apoio ao vencedor das primárias. Mas ninguém esperava um drible tão clamoroso, um gol contra na final do campeonato. O show de Trump, que começou com o fiasco do discurso plagiado de sua mulher na segunda-feira, ganhou uma nova dimensão na noite de quarta.
Como Trump, Ted Cruz, 45, sempre se apresentou como um outsider, um político diferente. Foi assim que ele se apresentou durante as primárias, e foi assim que ele obteve destaque em um partido carente de novas lideranças. A decisão de esnobar a decisão da milhões de republicanos que votaram nas primárias foi um ato ousado, que será lembrada por muito tempo e provavelmente definirá seu futuro político. Mas, antes de tudo, sua aparição em Cleveland terá consequências diretas na eleição de novembro. Se quiser ser eleito presidente dos Estados Unidos, Trump terá de começar convencendo integrantes de seu próprio partido.
O celeuma causado por Cruz roubou a atenção da fala de Mike Pence, governador de Indiana e candidato a vice na chapa de Trump. Pence, escolhido por sua penetração junto à ala cristã-conservadora republicana, fez um discurso previsível. “Ele é conhecido por sua personalidade marcante, seu estilo extravagante e seu carisma – e, bem, acho que ele estava procurando alguém para equilibrar a chapa”, disse Pence, rindo, sobre Trump. Os temas caros a Pence – a oposição ferrenha ao aborto e ao casamento gay, o direito de portar armas – ficaram de fora. Mas, àquela altura, pouco importava. O assunto era outro: o fogo amigo de que foi vítima Donald Trump.
As tentativas de Trump de chamar a atenção da mídia – sua especialidade – também foram ofuscadas pelo choque da noite de quarta. À tarde, Trump chegou à arena onde acontece o evento, em Cleveland, Meio-Oeste americano, em um helicóptero pintado com seu nome em letras garrafais. O sistema de som tocava a música tema do filme Força Aérea Um, que tem Harrison Ford e o avião oficial da Presidência americana como protagonistas. Trump foi recebido por Pence e seus filhos com as respectivas mulheres. Melania Trump não estava à vista.
O fiasco do discurso plagiado continuou rendendo notícias pelo segundo dia consecutivo. Meredith McIver, funcionária de longa data da Trump Organization que trabalha redigindo discursos para a campanha, assumiu a responsabilidade pelo confusão num texto publicado no site do candidato. “Discutimos muitas pessoas que a inspiraram e mensagens que ela gostaria de dividir com o povo americano. Uma pessoa de quem ela sempre gostou é Michelle Obama”, escreveu McIver. “No telefone, ela leu para mim algumas passagens do discurso da senhora Obama como exemplos. Os anotei e depois incluí parte do fraseado no rascunho que acabou se tornando a versão final do discurso. Não chequei os discursos da senhora Obama. Foi erro meu, e sinto-me muito mal pelo caos que causei.”
McIver diz também que colocou seu cargo à disposição, mas que Trump e sua família rejeitaram o pedido de demissão. Como as coisas são realmente surpreendentes nessa campanha, as redes sociais começaram a pipocar com mensagens se perguntando se McIver de fato existe. Boa parte de suas pegadas virtuais, como fotos e mensagens, foram criadas ontem. Trump já inventou funcionários no passado (duas vezes). No Twitter, seu veículo predileto de comunicação direta com os eleitores, Trump escreveu: “A boa notícia é que o discurso de Melania recebeu mais destaque que todos os outros história da política especialmente se você acreditar que toda mídia é boa mídia!”