Saiba por que o Peru tem a maior mortalidade por coronavírus do mundo
Com 86 mortes por 100 mil habitantes, o Peru desbancou esta semana a Bélgica (85,5%) no ranking global de mortalidade por coronavírus
AFP
Publicado em 29 de agosto de 2020 às 08h53.
Última atualização em 31 de agosto de 2020 às 13h07.
Sistema de saúde precário, baixo investimento em saúde, pobreza, alta informalidade no trabalho e superlotação domiciliar foram, entre outras, as causas que contribuíram para que o Peru tivesse a maior taxa de mortalidade por coronavírus do mundo, afirmam especialistas.
Com 86 mortes por 100 mil habitantes, o Peru desbancou esta semana a Bélgica (85,5%) no ranking global de mortalidade por coronavírus, depois que o país europeu corrigiu para baixo seu número de mortos.
O governo peruano indicou que o principal motivo para ocupar o primeiro lugar se deve ao fato de divulgar os números com "transparência" e ter um sistema de registro de óbito entre os "melhores" da América Latina.
"Registramos (as mortes) pelos celulares dos médicos dos lugares mais remotos", argumentou a ministra da Saúde, Pilar Mazzetti.
O Peru está em primeiro "porque estamos deixando a subestimação das mortes", mas também há outros motivos, disse à AFP Farid Matuk, especialista em estatística que assessorou o governo no início da pandemia.
"A falta de infraestrutura, a ausência de um Estado e a falta de ordenamento social no Peru" ajudam a aumentar o índice, disse Matuk, acrescentando que países vizinhos, como "Chile e Colômbia, estão atrás do Peru porque destinam mais recursos à saúde".
Com mais de 621.000 casos confirmados e 28.277 mortes, o Peru é o terceiro na América Latina em mortos pela pandemia, atrás somente de Brasil e México, e o segundo em infecções, logo abaixo do Brasil. Mas proporcionalmente à sua população, de 33 milhões, o país é agora o que registra mais óbitos no mundo, apesar de uma quarentena de mais de 100 dias.
"Infelizmente, temos um sistema de saúde muito precário, onde faltam recursos humanos, faltam 16 mil especialistas em todo o país", disse à AFP o presidente da Federação Médica Peruana, Godofredo Talavera.
"Faltam hospitais, faltam postos de saúde, faltam medicamentos, não temos laboratórios. Muitos morrem em casa por medo de ir ao hospital ou de não encontrar leitos ou respiradores", explicou.
"É um somatório de coisas para que tenhamos uma mortalidade elevada. A principal delas é a falta de assistência à saúde, que não é deste governo, mas vem, cronicamente, de outros", acrescentou.
Sem oxigênio, sem equipamentos
"Nos últimos 40 anos, tivemos um sistema de saúde precário”, disse à AFP o Dr. Vidmar Mengoa, chefe da Faculdade de Medicina da região andina de Puno.
"Não tínhamos infraestrutura para atender os pacientes, isso ajudou a aumentar a mortalidade. Não tínhamos leitos adequados de UTI e não tínhamos ventiladores", disse.
Carlos Calampa, chefe do serviço de Saúde da Amazônia de Loreto disse que os hospitais têm enfrentado a pandemia "sem equipamentos adequados, sem médicos treinados que possam intervir.
Isto levou a uma alta taxa de mortalidade. A história se repete, região por região", assinalou à AFP.
Já o ex-ministro da Saúde Víctor Zamora afirmou que o sistema de saúde peruano "é pequeno para o tamanho do problema que enfrentamos".
Poucos leitos de UTI
Apesar do crescimento econômico da última década, um quinto da população peruana vive na pobreza e milhões de habitantes não têm acesso a água potável. Além disso, há uma grande superlotação nas residências e uma informalidade trabalhista de 70%, segundo dados oficiais.
"A informalidade da população peruana a faz sair às ruas para trabalhar por falta de meios sustentáveis de subsistência", explicou à AFP o médico infectologista Guillermo Contreras. "Outro grupo populacional não entende as medidas. Muita gente não entende o valor de lavar as mãos, o uso correto da máscara, o distanciamento social", acrescentou.
"Além disso, a mortalidade aumenta quando os sistemas de saúde entram em colapso. O pequeno número de unidades de terapia intensiva e de pessoal médico especializado faz com que a mortalidade seja maior", frisou o médico.
O Peru conta com 1.600 leitos de terapia intensiva, que funcionam ininterruptamente há meses. A falta de leitos fez com que muitos pacientes fossem internados em terapia intensiva quando já estavam em estado muito grave, o que explica a alta letalidade, de 50%, nas UTIs do Peru, segundo um especialista de uma organização internacional com sede em Lima.
Se a informalidade obriga as pessoas a saírem para ganhar a vida, apesar da quarentena, a superlotação as impede de cumprir o isolamento.
"Aqui, as pessoas não podem se isolar", disse um especialista à AFP, que pediu que sua identidade fosse reservada e afirmou que, de fato, "o Peru conta muito bem os mortos, ao contrário de outros países".