Repressão aumenta e caminho do diálogo se torna mais difícil na Nicarágua
Milhares de pessoas foram às ruas neste domingo contra as decisões do presidente Daniel Ortega
AFP
Publicado em 14 de maio de 2018 às 06h29.
A Nicarágua vivia horas de tensão profunda neste domingo, com milhares de pessoas manifestando-se nas ruas contra o presidente Daniel Ortega, e a um dia do fim do prazo dado pela Igreja Católica para que o governo crie as condições para se iniciar um diálogo.
Os bloqueios de estradas e as passeatas prosseguiam em oito departamentos, incluindo a capital, onde milhares de pessoas seguiram até Masaya, 30 km ao sul, que sofreu ontem horas de terror ante uma repressão feroz, que deixou um morto e 150 feridos, segundo a Comissão Permanente de Direitos Humanos (CPDH).
Os bispos pediram na sexta-feira a Ortega que, antes do diálogo, permita a entrada da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), interrompa a repressão, retire os grupos paramilitares e não obrigue funcionários públicos a participar de manifestações partidárias.
O ex-diplomata e opositor Mauricio Díaz disse à AFP que Ortega respondeu com uma carta "cheia de ambiguidades, em que não há o compromisso de cumprir" as demandas e, ao contrário, aumentou a repressão entre sexta-feira e sábado.
O bispo auxiliar de Manágua, Silvio Báez, membro da comissão que prepara o diálogo, publicou no Twitter que o secretário da CIDH disse que não recebeu o consentimento do governo para viajar à Nicarágua.
O Centro Carter, que enviou uma equipe ao país centro-americano, convocou ontem Ortega a interromper a violência e repressão e "mostrar boa vontade de participar do diálogo".
Neste cenário, o Exército exigiu, à meia-noite deste sábado, o "fim da violência e de outras ações desestabilizadoras", e se declarou a favor do diálogo com a mediação da Igreja Católica.
A instituição, cujo chefe supremo é Ortega, garantiu à AFP que "não irá reprimir" os protestos da população. Mas a posição dos militares gerou críticas entre setores da oposição, que esperam "uma mensagem mais clara", que ajude a evitar que a destruição no país continue.
Vazio de poder
O sociólogo e acadêmico Cirilo Otero disse à AFP que não se trata de os militares darem um golpe de Estado, "e sim de convencerem Ortega a convocar eleições transparentes", pois considera que o diálogo "nasceu morto".
"As pessoas perderam o medo e o respeito a Ortega e à sua vice-presidente e mulher, Rosario Murillo. Isso não é governo. O que existe na Nicarágua é um vazio de poder e liderança política", afirmou.
Em 25 dias de protestos, Ortega se dirigiu à nação quatro vezes, a última neste sábado, em meio aos distúrbios em Masaya, para enviar uma mensagem através de um telefonema de um minuto transmitido pelos meios oficiais.
"Queremos reiterar o chamado e o compromisso de pôr fim à morte e à destruição. Que não se continue derramando sangue de irmãos", disse o presidente.
"Nessa mensagem, Ortega pediu reconciliação e amor, mas, por outro lado, vi uma mobilização de policiais até Masaya, onde houve uma tremenda ação repressiva", assinalou o ex-diplomata Díaz.
"A repressão às manifestações é exagerada e absolutamente desigual. As pessoas andam nas ruas com pedras, pedaços de pau e bandeiras", pedindo justiça e liberdade, assinalou.
Os protestos, iniciados por estudantes em 18 de abril contra a reforma da Previdência, e que se estenderam a outros setores contra a repressão e para exigir liberdade e democracia, já deixaram um número não oficial de 52 mortos.
A crise deixou à mostra contradições internas no governo, considera Diáz. "Não há uma só voz, não se sabe realmente quem está à frente do Executivo, se é Ortega, Rosario ou outros dirigentes do Partido Frente Sandinista."